As Primeiras Perseguições e a Igreja que Cresceu na Adversidade
João 15:20. “Lembrai-vos da palavra que vos disse: Não é o servo maior do que o seu senhor. Se a mim me perseguiram, também vos perseguirão a vós.”
“Nos lugares onde a igreja é perseguida, ela está crescendo e se fortalecendo. Naqueles lugares onde a igreja é livre ela esta enfraquecendo e encolhendo.”
Igreja Perseguida – Quando a tormenta traz crescimento
Há algo profundamente inquietante na história das primeiras perseguições cristãs. Quando Nero incendiou Roma em 67 d.C. e culpou os cristãos pelo desastre, quando Domiciano ordenou a execução de todos os descendentes de Davi, quando Marco Aurélio desencadeou torturas que faziam os próprios espectadores romanos estremecerem de horror, a lógica humana sugeriria que a Igreja Perseguida deveria ter desaparecido da face da terra.
Contudo, o oposto aconteceu. Como Tertuliano observaria mais tarde: “O sangue dos mártires é semente da Igreja”. Cada gota derramada nas arenas, cada corpo queimado como tocha nos jardins de Nero, cada cristão devorado pelas feras produzia não terror, mas conversões. Os próprios carrascos frequentemente se convertiam ao contemplar a serenidade dos condenados.
Esta é a primeira grande lição que as primeiras perseguições nos ensinam: a Igreja de Cristo opera segundo princípios que desafiam toda lógica terrena. Quando o mundo tenta destruí-la através da força, ela se multiplica. Na busca silenciá-la através do medo, ela proclama com maior clareza. Ao tentar enterrá-la nas catacumbas, ela ressurge com nova vida.
Nas galerias subterrâneas de Roma, onde os cristãos sepultavam seus mártires, encontramos epitáfios que revelam esta estranha vitória. Enquanto os pagãos gravavam em suas lápides mensagens de desespero como “Uma vez não era. Agora não sou. Nada sei disso”, os cristãos escreviam: “Vitorioso em paz e em Cristo” e “Ao ser chamado, partiu em paz”. Mesmo na morte, eles celebravam a vida eterna.
A questão que nos confronta hoje é se compreendemos que nossa fé também foi forjada neste forno da aflição. A Igreja que herdamos não é produto de tempos fáceis, mas de séculos de sofrimento. E se nossa geração enfrenta oposição crescente, talvez seja o momento de redescobrir que a adversidade não é inimiga da fé, mas sua companheira histórica.
Tertuliano desafiou o império romano com palavras que ecoam através dos séculos: “Torturem-nos, crucifiquem-nos, condenem-nos, destruam-nos; sua injustiça é a prova de nossa inocência… O sangue dos cristãos é semente” (Apologeticum, 50). Esta declaração não era mero desafio retórico, mas profecia cumprida.
Como o sofrimento se tornou sacramento da fé
As primeiras perseguições não foram acidentes históricos, mas revelações da natureza espiritual do conflito entre o Reino de Deus e os reinos deste mundo. Quando analisamos os dez imperadores que sistematicamente perseguiram a Igreja Perseguida, descobrimos um padrão que transcende motivações políticas ou sociais: era uma guerra cósmica travada em arena humana.
Nero, o primeiro perseguidor, não apenas ordenou torturas físicas, mas transformou o sofrimento cristão em espetáculo público. Cristãos foram costurados em peles de animais e lançados aos cães, outros foram vestidos com túnicas enceradas e incendiados como tochas humanas para iluminar seus jardins. Esta teatralização da crueldade revela algo profundo: o império romano reconhecia instintivamente que o cristianismo representava uma ameaça existencial à sua cosmovisão.
A resposta cristã a esta perseguição, contudo, desmascarou a impotência real do poder temporal. Quando Policarpo, aos oitenta e seis anos, foi pressionado a blasfemar contra Cristo para salvar sua vida, sua resposta ressoa através dos séculos: “Durante oitenta e seis anos tenho servido Ele, e nunca me fez mal algum: Como iria eu blasfemar contra meu Rei, que me salvou?” Esta não era simplesmente fidelidade humana, mas uma demonstração da realidade de que existe uma autoridade superior a César.
A teologia reformada nos ensina que Deus é soberano sobre todas as circunstâncias, incluindo a perseguição. As primeiras perseguições confirmam esta verdade de maneira dramática. Cada tentativa imperial de destruir a Igreja resultava em sua expansão. Domiciano executou milhares de cristãos, mas sua perseguição espalhou o Evangelho por todas as províncias do império. Marco Aurélio inventou torturas que faziam os próprios romanos se converterem ao testemunhar a paciência cristã.
O caso de Blandina, a frágil escrava cristã de Lyon, ilustra perfeitamente esta inversão de valores. Pendurada em um poste e exposta às feras, ela orava fervorosamente pelos outros mártires, encorajando-os na fé. As feras se recusaram a tocá-la. Quando finalmente foi morta pela espada, sua morte não representou derrota, mas vitória. Uma mulher sem poder terreno havia derrotado o império mais poderoso da terra simplesmente permanecendo fiel.
Esta é a teologia do martírio: não é masoquismo espiritual, mas testemunho de uma realidade superior. Os mártires não buscavam o sofrimento por si mesmo, mas proclamavam através de suas mortes que existe algo pelo qual vale a pena morrer – e esse algo é alguém: Jesus Cristo.
As catacumbas de Roma preservam esta teologia em pedra e osso. Os esqueletos encontrados ali contam histórias de torturas inimagináveis – cabeças separadas do corpo, costelas quebradas, ossos calcinados pelo fogo. Mas as inscrições respiram paz, alegria e triunfo. Esta dicotomia revela a essência do cristianismo: uma fé que transforma tragédia em triunfo, morte em vida, desespero em esperança.
Agostinho de Hipona observa que “os mártires triunfaram não resistindo, mas suportando; não atacando, mas morrendo” (Sermão 335). Esta inversão de valores – vencer através da derrota – estava no coração da estratégia divina para estabelecer Sua Igreja.
O Cristo das Catacumbas
Quando contemplamos a galeria de mártires das primeiras perseguições – Inácio clamando “Sou o trigo de Cristo; vou ser moído com os dentes de feras selvagens para que possa ser achado pão puro”, Perpétua e Felicitas enfrentando o touro bravio no anfiteatro, Justino mantendo sua confissão mesmo diante da espada – descobrimos que todos eles apontavam para uma verdade central: Cristo já havia vencido através de Sua própria morte.
A Igreja Perseguida dos primeiros séculos não inventou uma nova forma de espiritualidade; ela simplesmente seguiu o padrão estabelecido por seu Senhor. Jesus havia prometido perseguição, “Se a mim me perseguiram, também vos perseguirão a vós”, mas também havia prometido vitória, “Tende bom ânimo; eu venci o mundo”.
O símbolo mais frequente nas catacumbas cristãs não era a cruz – ainda associada demais com a execução criminal – mas o peixe. Este símbolo secreto representava Jesus Cristo, A palavra grega “ichthys” (ΙΧΘΥΣ) é um acróstico, onde cada letra representa uma palavra: Iēsous Christos Theou Yios Sōtēr, que em português significa “Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador”. Mesmo nas profundezas subterrâneas, enquanto enterravam seus mártires, os cristãos proclamavam que Jesus era Senhor, não César.
Esta confissão custava vidas, mas produzia vida eterna. Cada mártir que morreu proclamando “Jesus é Senhor” adicionava seu testemunho ao grande coro de adoração que ressoa desde o Calvário até o trono celestial. Eles descobriram que morrer por Cristo não era perda, mas ganho infinito.
A promessa de Cristo se cumpriu de maneira literal: as portas do inferno não prevaleceram. O império romano, com todo seu poder militar e administrativo, foi conquistado pela Igreja que tentara destruir. Os imperadores que assinaram éditos de perseguição são lembrados hoje como tiranos sanguinários, enquanto os mártires que executaram são venerados como heróis da fé.
Esta inversão não foi acidental, mas providencial. Deus usou a própria perseguição como instrumento para estabelecer Sua Igreja. Cada tentativa de destruição tornou-se ocasião de crescimento. Todo martírio tornou-se sermão evangelístico. Tada catacumba tornou-se catedral subterrânea.
Eusébio de Cesareia registra que “quanto mais eram perseguidos pelos governantes, tanto mais cresciam em número e se fortaleciam na fé” (História Eclesiástica, VIII.14). Esta observação histórica revela um princípio espiritual: a Igreja cresce na adversidade porque sua força não vem deste mundo.
E agora, como viveremos?
A história das primeiras perseguições não é apenas registro histórico fascinante; é espelho que reflete nossa própria fidelidade em tempos de pressão. Embora a maioria de nós não enfrente a ameaça de execução por nossa fé, enfrentamos formas mais sutis, mas não menos reais, de oposição.
As primeiras perseguições nos desafiam a examinar: estou disposto a perder reputação, oportunidades ou relacionamentos por causa de Cristo? Policarpo perdeu a vida aos oitenta e seis anos por se recusar a negar Cristo. Nós frequentemente negamos Cristo por conveniências muito menores. A aplicação começa com o reconhecimento de que nossa fé deve custar algo significativo.
O exemplo de Felicitas e Perpétua – duas mães que escolheram Cristo acima da preservação de suas próprias vidas – nos confronta com questões difíceis sobre prioridades. Estamos dispostos a sofrer incompreensão familiar por nossa fé? Como respondemos quando nossa lealdade a Cristo nos coloca em conflito com lealdades humanas?
A Igreja Perseguida dos primeiros séculos nos ensina que não existe neutralidade espiritual. Justino, o filósofo cristão, descobriu que defender a fé publicamente custaria sua vida, mas escolheu a verdade acima da segurança. Em nossa cultura secular, como estamos navegando as pressões para conformar nossos valores cristãos às expectativas sociais?
As primeiras perseguições revelam que a adversidade não é evidência da ausência de Deus, mas frequentemente de Sua presença. Blandina orava pelos outros mártires enquanto estava pendurada no poste. Como estamos respondendo às dificuldades de nossa vida? Com amargura ou com adoração?
As catacumbas nos lembram que a verdadeira força da Igreja não reside em sua influência política ou aceitação cultural, mas em sua fidelidade a Cristo. Quando nos sentimos marginalizados ou ignorados pela sociedade, lembramos que a Igreja nasceu nas margens e conquistou o centro através da fidelidade, não da acomodação.
O testemunho dos mártires nos ensina que a apologética mais poderosa não são argumentos intelectuais, mas vidas transformadas. Germânico, o jovem cristão, converteu vários pagãos simplesmente através de sua coragem diante das feras. Nossa vida está pregando o Evangelho com a mesma clareza que nossas palavras?
Oremos
Pai eterno, diante da memória dos mártires das primeiras perseguições, curvamo-nos em reverência e gratidão. Perdoa nossa tendência de buscar uma fé confortável quando Tu nos chamas para carregar a cruz. Perdoa nossa disposição de silenciar quando Tu nos comissionas para proclamar, nossa inclinação de nos esconder quando Tu nos ordenas permanecer firmes.
Concede-nos a mesma fé inabalável que permitiu aos primeiros cristãos escrever “Vitorioso em paz e em Cristo” em suas lápides mesmo quando seus corpos contavam histórias de tortura indescritível. Ajuda-nos a compreender que sofrer por Ti não é derrota, mas participação em Tua vitória.
Fortalece nossos irmãos que hoje enfrentam perseguição ao redor do mundo. E prepara nossos corações para qualquer preço que possamos ser chamados a pagar por nossa fidelidade a Ti. Que o sangue dos santos continue sendo semente da Igreja, e que nossa geração adicione seu testemunho fiel à grande nuvem de testemunhas. Em nome de Jesus, que venceu a morte e nos prometeu que as portas do inferno não prevalecerão contra Sua Igreja. Amém.
Somente Cristo! Pr. Reginaldo Soares.
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Meu chamado para o ministério pastoral veio em 1994, sendo encaminhado ao conselho da Igreja Presbiteriana (IPB) em Queimados e em seguida ao Presbitério de Queimados (PRQM). Iniciei meus estudos no ano seguinte, concluindo-os em 1999. A ordenação para o ministério pastoral veio em 25 de junho de 2000, quando assumi pastoreio na IPB Inconfidência (2000-2003) e da IPB Austin (2002-2003). Desde de 2004 tenho servido como pastor na Igreja Presbiteriana em Engenheiro Pedreira (IPEP), onde sigo conduzido esse amado rebanho pela graça de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Sou casado há 22 anos com Alexsandra, minha querida esposa, sou pai de Lisandra e Samantha, preciosas bênçãos de Deus em nossas vidas. Me formei no Seminário Teológico Presbiteriano Ashbel Green Simonton, no Rio de Janeiro, e consegui posteriormente a validação acadêmica pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pela bondade de nosso Senhor, seguimos compartilhando fé, amor e buscando a cada dia crescimento espiritual. Somente Cristo!