O PERDÃO QUE CURA

Descubra como o perdão verdadeiro transforma relacionamentos na igreja através da graça de Cristo e da sabedoria bíblica reformada.

O PERDÃO QUE CURA

“Sede benignos uns para com os outros, compassivos, perdoando-vos uns aos outros, como Deus vos perdoou em Cristo.” Efésios 4.32.

Quando o Santuário Se Torna Campo de Batalha

Na primavera de 1741, Jonathan Edwards enfrentou uma das maiores crises pastorais de sua vida. Sua própria congregação em Northampton havia se dividido por ofensas acumuladas, palavras ferinas e orgulhos feridos. Ironicamente, isso acontecia no epicentro do Grande Avivamento, onde centenas de pessoas haviam experimentado a conversão. Edwards descobriu uma verdade que ecoa pelos séculos: mesmo nos lugares mais santos, o perdão permanece como a disciplina mais necessária e, por mais absurdo que parece, a mais negligenciada.

Quantas vezes já testemunhamos cenas similares? “Posso pegar o seu número? Vou entrar em contato!” – mas ela não entra. Nomes esquecidos, idades comentadas com cruel precisão, promessas vazias. Pequenas picadas que, como farpas, se alojam na alma. E então vêm os golpes maiores: “o descuido de um irmão continua se repetindo em sua mente. O comentário de alguém torna um dia ensolarado em total escuridão.”

Eis o paradoxo da vida eclesiástica: promovemos a paz, mas também cultivamos os aborrecimentos. No mesmo santuário onde proclamamos o perdão divino, frequentemente negamos o perdão humano. Somos especialistas em teologia do perdão e amadores na sua prática.

A Âncora da Alma: Firmando o Coração no Perdão

Quando as ondas da ofensa nos assaltam, Matthew Henry nos oferece uma imagem poderosa: “a alma mansa como um navio que está ancorado, “movido, mas não removido”. A tempestade o move, mas não o remove de seu porto.” O perdão não nos torna insensíveis às feridas, mas nos mantém ancorados em Cristo quando as tempestades relacionais se levantam.

Paulo nos revela o segredo dessa ancoragem: “Sede benignos uns para com os outros, compassivos, perdoando-vos uns aos outros, como Deus vos perdoou em Cristo” (Efésios 4.32). Observe que o perdão não é apresentado como uma opção espiritual, mas como imperativo categórico. Não perdoamos porque sentimos vontade, mas porque fomos perdoados.

A teologia reformada compreende que o perdão horizontal flui do perdão vertical. Como ensina a Confissão de Westminster, “Deus perdoa livremente, pela sua mera graça, os pecados daqueles que são justificados” (Cap. XI, Seção I). Essa graça perdoadora não permanece em nós como água em um reservatório, mas flui através de nós como rio em movimento.

Considere o contraste que Paulo estabelece: antes do perdão, encontramos “toda amargura, e ira, e clamor, e calúnia, bem como toda malícia” (Efésios 4.31). Que inventário sombrio da alma não perdoadora! Alguns explodem em “ira” e “rancor”; outros fermentam em “amargura” e “malícia”. Mas como reagiu nosso Deus quando pecamos contra Ele? Ele não nos ridicularizou entre os anjos nem derramou Sua justa ira sobre nossas cabeças. “Em Cristo, ele carregou sua ofensa, enterrou sua culpa e o coroou com bondade.”

Martyn Lloyd-Jones capturou essa verdade com clareza penetrante: “Sempre que me vejo diante de Deus e percebo algo do que meu bendito Senhor fez por mim, estou pronto para perdoar qualquer coisa a qualquer pessoa.” O perdão não é conquista da vontade humana, mas fruto da contemplação divina.

A Sabedoria do Discernimento: Negligenciar ou Abordar

Nem toda ofensa exige confronto. “O bom senso torna o homem tardio em irar-se, e é sua glória ignorar a ofensa” (Provérbios 19.11). Há uma arte espiritual em discernir quando o amor nos chama a ignorar e quando nos convoca a abordar. Se confrontássemos cada irritação eclesiástica, transformaríamos a igreja em tribunal permanente.

Mas quando a ofensa é profunda, quando desonra a Deus significativamente, quando revela cegueira espiritual no ofensor, então o amor exige conversa. “Podemos conversar?” torna-se pergunta pastoral necessária. Fazemos isso “com espírito de mansidão” (Gálatas 6.1), não como juízes, mas como cirurgiões espirituais que operam com mãos trêmulas e corações compassivos.

O perdão verdadeiro significa “limpar o registro”, como Paulo descreve em 1 Coríntios 13: o amor “não guarda registro de erros”. Quando perdoamos, declaramos: “Não vou jogar isso na sua cara. Não vou fazer dessa ofensa a lente através da qual vejo você de agora em diante.” Esta é a matemática celestial: subtraímos ofensas do relacionamento para que o amor possa multiplicar-se.

Espelhos da Graça: Vivendo o Perdão na Comunidade

Uma mulher de 45 anos, chamada Margaret, descobriu que sua própria filha havia espalhado rumores cruéis sobre ela na igreja. A ferida era profunda, a traição completa. Mas Margaret lembrou-se das palavras de Edwards: “O ar da casa de nosso Pai é um ar de graça – graça do porão ao sótão e do chão ao teto.” Ela escolheu perdoar, não porque a filha merecesse, mas porque Cristo a perdoara primeiro.

O perdão não é apenas virtude pessoal; é testemunho evangelístico. “Nossas ações evangelizam; nossas práticas pregam. Quando retemos misericórdia, dizemos: ‘Não há evangelho para você – apenas lei’. Mas quando retribuímos o mal com boas palavras… nós os desafiamos a lembrar que Cristo veio entre pecadores como nós pregando a paz.”

Cada ato de perdão na igreja é uma pequena encarnação do evangelho. Demonstramos que a graça não é apenas doutrina estudada, mas poder vivido. Como observou Matthew Henry: “Certamente podemos ter… menos perturbação interior e mais verdadeira facilidade e satisfação em perdoar vinte injúrias do que em vingar uma.”

A Terapia do Perdão: Medicina para a Alma

“Ofensas são presentes embrulhados com fitas escuras. Portanto, não se deixe enganar pela embalagem.” Que paradoxo! O perdão é simultaneamente o mais difícil e o mais libertador dos atos cristãos. É medicina amarga que produz cura doce.

O perdão não é sentimento, mas decisão. Não esperamos sentir vontade de perdoar; escolhemos perdoar porque Cristo nos escolheu primeiro. Lloyd-Jones acrescentaria que o perdão é tanto obra do Espírito quanto exercício da vontade. Não perdoamos em nossas próprias forças, mas na força Daquele que perdoa.

Quando você for ferido novamente na igreja – e será –, lembre-se: “Ser como ele – perdoar como ele – é ar fresco e céu azul, é um banquete e boa amizade, liberdade da longa escravidão.” O perdão não é apenas mandamento bíblico; é convite à alegria de Cristo, que “viveu e morreu com o perdão em seus lábios e cuja alegria estava cheia de transbordamento” (João 15.11).

Pai celestial, ensina-nos a perdoar como fomos perdoados. Quando as ofensas chegarem – e sabemos que chegarão –, ajuda-nos a ancorar nossas almas em Tua graça. Que nosso perdão seja testemunho vivo de Teu evangelho, espelho de Tua misericórdia, e fonte de cura para Tua igreja. Em nome de Jesus, que nos perdoou primeiro. Amém.

Somente Cristo! Pr. Reginaldo Soares.

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Meu chamado para o ministério pastoral veio em 1994, sendo encaminhado ao conselho da Igreja Presbiteriana (IPB) em Queimados e em seguida ao Presbitério de Queimados (PRQM). Iniciei meus estudos no ano seguinte, concluindo-os em 1999. A ordenação para o ministério pastoral veio em 25 de junho de 2000, quando assumi pastoreio na IPB Inconfidência (2000-2003) e da IPB Austin (2002-2003). Desde de 2004 tenho servido como pastor na Igreja Presbiteriana em Engenheiro Pedreira (IPEP), onde sigo conduzido esse amado rebanho pela graça de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Sou casado há 22 anos com Alexsandra, minha querida esposa, sou pai de Lisandra e Samantha, preciosas bênçãos de Deus em nossas vidas. Me formei no Seminário Teológico Presbiteriano Ashbel Green Simonton, no Rio de Janeiro, e consegui posteriormente a validação acadêmica pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pela bondade de nosso Senhor, seguimos compartilhando fé, amor e buscando a cada dia crescimento espiritual. Somente Cristo!

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