Salmo 6.1-4,8-10. “SENHOR, não me repreendas na tua ira, nem me castigues no teu furor. Tem misericórdia de mim, SENHOR, porque estou fraco; sara-me, SENHOR, porque os meus ossos estão abalados. A minha alma está profundamente perturbada; mas tu, SENHOR, até quando? Volta-te, SENHOR, e livra a minha alma; salva-me por tua graça. (…) Afastai-vos de mim, todos os que praticais a iniquidade, porque o SENHOR já ouviu a voz do meu pranto. O SENHOR ouviu a minha súplica; o SENHOR acolhe a minha oração. Que todos os meus inimigos fiquem envergonhados e profundamente perturbados; voltem atrás e sejam subitamente envergonhados.”
A Banalização do Mal
Na madrugada desta terça-feira iniciou-se uma ação policial nos complexos do Alemão e da Penha, com cerca de 2.500 agentes mobilizados entre polícias civil e militar. O alvo era a facção Comando Vermelho, cujas lideranças vinham sendo investigadas por atuação em várias comunidades da zona norte. Durante o dia, houve confrontos intensos: barricadas, uso de ônibus como bloqueio, vias expressas como a Linha Amarela foram fechadas, e os criminosos chegaram a lançar drones com explosivos contra policiais. O balanço até o momento aponta para 64 mortos, incluindo quatro agentes policiais, dezenas de presos, cerca de 80 ou mais e a apreensão de mais de 75 fuzis, além de grande quantidade de munição e comunicação clandestina. A cidade amanheceu em “estágio 1” de normalidade nesta quarta-feira, mas o impacto de um dia de guerra deixaram marcas em uma população já cansada de tudo isso.
Aqui vale apena mencionar a história de Dona Marli: Uma mulher de 60 anos, que foi morta durante um confronto entre facções rivais em Costa Barros, na zona norte do Rio de Janeiro. Criminosos do Comando Vermelho invadiram sua casa para se esconder após um tiroteio com integrantes do Terceiro Comando Puro. Marli foi feita refém e acabou baleada, morrendo no local, um dia antes da operação contenção.
Infelizmente já vivemos em um estado de guerra permanente que cresce em extensão territorial e intensidade todos os dias. A meu ver, o pior que pode acontecer é nos acostumarmos com todo esse mal, em todas as suas mais variadas faces.
- Médicos e enfermeiros, que se acostumam com a dor humana e a morte.
- Pastores, que se acostumam os sofrimentos e angústias espirituais ou não.
- Policiais, que se acostumam com o violento ambiente da guerra contra o narcotráfico (que sem sombra de dúvidas precisa ser parado).
- Advogados e Juízes, que se acostumam com a maldade humana: violência, injustiça, crimes hediondos, corrupção, fraudes e sentenças e defesas injustas.
- Assistentes Sociais, que se acostuma com a face pavorosa da miséria humana.
- Administradores, que se acostumam com relações de trabalho injustas: Salários, exigências desumanas, exploração, demissões e muito mais.
- Políticos, sim, eles, nossos representantes eleitos, que se acostumam com a manutenção de um teatro bem encenado que tem como único objetivo acumular cada vez mais poder, a medida que enriquecem obscenamente, enquanto dizem diante das câmeras embriagados com o som de suas próprias vozes, que tudo o que fazem é para proteger aos mais necessitados.
É preciso não se acomodar na cama aconchegante do mal. Quando fazemos isto, perdemos a capacidade de nos sensibilizarmos com o nosso próximo, e de buscar vivenciar e anunciar o remédio para a cura da humanidade perdida: Jesus Cristo, o nosso Senhor e Salvador.
“Onde não há Deus, tudo é permitido. Mas onde há fé, mesmo o silêncio de Deus se torna clamor por justiça.” Fiódor Dostoiévski, Os Irmãos Karamázov
Davi no Abismo da Aflição
Não sabemos exatamente quando Davi escreveu o Salmo 6. Alguns sugerem que foi durante sua fuga de Absalão; outros, após seu pecado com Bate-Seba, quando Deus manifestava seu desagrado. O que sabemos é que Davi estava quebrantado. Em dez versículos, repete o nome de Deus oito vezes – cinco delas nos quatro primeiros versos, onde sua situação é descrita com mais intensidade. “A salvação é o amor de Deus em ação”, Davi sabia que seu livramento era impossível por si mesmo. Mas também sabia que Deus não se afasta dos que o buscam com integridade. Como registra Eusébio de Cesareia sobre os mártires da igreja primitiva:
“Os cristãos não morriam amaldiçoando seus algozes, mas clamando ao Deus que ouve. Seu clamor não era desespero, mas fé em meio a agonia. Conheciam o Salmo 6 de memória e o oravam até o último suspiro.” Eusébio de Cesareia, História Eclesiástica
Três Posturas do Cristão Diante da Violência
1. Não nos Desesperamos – Clamamos
“Volta-te, SENHOR, e livra a minha alma; salva-me por tua graça.” (v.4). Davi não blasfema nem se desespera. Ele clama. O cristão diante da criminalidade reconhece que o livramento não está em políticas públicas isoladas, em armas ou muros altos. Nossa salvação está em Deus. “Não há rei que se salve com o poder dos seus exércitos” (Salmo 33.16). O clamor não é passividade – é resistência espiritual. É recusar-se a aceitar o mal como “normal” só porque se tornou “comum”.
“O cristão não confunde resignação com conformismo. Clamar a Deus não é fugir da realidade, mas invocar a Realidade maior que governa todas as realidades menores. A oração não é escapismo; é engajamento cósmico.” João Calvino, Comentário aos Salmos
2. Não nos Alienamos – Nos Sensibilizamos
Davi descreve sua aflição com detalhes: ossos abalados, alma perturbada, noites de pranto (v.2-3,6). Ele não anestesia sua dor nem se “acostuma” com o sofrimento. O cristão diante da violência não pode se tornar insensível. As pessoas têm muita facilidade a se acostumarem com a maldade que germinam em todas as áreas da vida. Mas o perigo é confundir familiaridade profissional com indiferença moral. Dona Marli não era um dado estatístico, era uma senhora a feita imagem e semelhança de Deus, assim como os policiais e todos mortos no dia de ontem. Quando banalizamos o mal, nos desumanizamos.
“O mal não se torna menos maligno por ser frequente. A repetição do pecado não o transforma em virtude. O cristão deve cultivar a capacidade de se indignar santamente, de chorar com os que choram, de clamar por justiça sem perder a esperança.” Agostinho de Hipona, A Cidade de Deus
3. Não Murmuramos – Servimos
O Salmo termina com confiança: “O SENHOR ouviu a minha súplica; o SENHOR acolhe a minha oração” (v.9). Davi não recebeu resposta imediata, mas teve fé suficiente para crer que Deus o ouvira. O cristão responde à criminalidade não com retaliação nem com indiferença, mas com toalhas e bacias. Servimos aos que estão ao nosso redor com amor e graça. Não porque sejamos ingênuos sobre a maldade humana, mas porque conhecemos a bondade divina. A família ilutada, aqueles com a alma quebrada, os que desejarem mudar de vida, encontrarão na igreja a face gloriosa de Jesus.
“A igreja não é o lugar onde nos escondemos do mundo, mas de onde invadimos o mundo com o amor de Cristo. Diante da violência, o cristão não ergue muros, mas cruzes – lugares de morte que se tornaram lugares de vida.” Dietrich Bonhoeffer, Resistência e Submissão
O Deus Que Não é Indiferente
“Perto está o SENHOR dos que têm o coração quebrantado e salva os de espírito oprimido” (Salmo 34.18). Deus não se acomoda ao mal nem é indiferente à situação humana de opressão e dor. Ele ouviu o clamor de Israel no Egito (Êxodo 3.7), ouviu o pranto de Davi no Salmo 6. A criminalidade não tem a palavra final. O cenário seria absolutamente desesperador se não fosse a presença de nosso Senhor Jesus Cristo – o Salvador nascido na cidade de Davi (Lucas 2.11), que veio buscar e salvar o perdido (Lucas 19.10), que enxugará toda lágrima dos nossos olhos (Apocalipse 21.4) e que não tem o culpado por inocente (Naum 1:3). Nossa esperança não está no governo de homens movidos por mesquinhos desejos, mas no governo soberano, amoroso e justo de Deus sobre todos os reinos da terra.
“E agora, como viveremos?”
Diante da criminalidade que nos cerca, examine sua resposta: você tem se desesperado ou clamado? Se alienado ou sensibilizado? Murmurado ou servido? Não banalize o mal. Clame ao Deus que ouve. Pregue o Evangelho com convicção e entusiasmo aos que estão ao seu redor. Sirva com toalhas e bacias, com amor e com graça.
“Oremos”
Senhor, Deus de Davi e nosso Deus, clamamos a ti neste momento. Não nos deixes banalizar o mal que nos cerca. Perdoa-nos quando nos acostumamos com a violência, quando tratamos tragédias como estatísticas, quando perdemos a capacidade de nos indignar santamente. Tu que ouves o clamor dos oprimidos, ouve nosso pranto por todos que sofrem nesta e tantas outras tragédias. Dá-nos coragem para não murmurar, mas servir; para não nos alienar, mas amar; para não nos desesperar, mas clamar. Vem, Senhor Jesus, e salva-nos por tua graça. Que possamos ser instrumentos de tua paz em meio ao caos. Amém.
Perguntas para Reflexão
- Como você tem reagido às notícias de criminalidade: com desespero, indiferença ou clamor confiante?
- Você consegue identificar áreas da vida onde banalizou o mal por sua frequência?
- De que forma prática você pode servir vítimas da violência em sua comunidade?
- O que significa clamar a Deus sem cair em passividade social?
- Como manter a sensibilidade ao sofrimento alheio sem ser consumido por ele?
Somente Cristo! Pr. Reginaldo Soares.
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Meu chamado para o ministério pastoral veio em 1994, sendo encaminhado ao conselho da Igreja Presbiteriana (IPB) em Queimados e em seguida ao Presbitério de Queimados (PRQM). Iniciei meus estudos no ano seguinte, concluindo-os em 1999. A ordenação para o ministério pastoral veio em 25 de junho de 2000, quando assumi pastoreio na IPB Inconfidência (2000-2003) e da IPB Austin (2002-2003). Desde de 2004 tenho servido como pastor na Igreja Presbiteriana em Engenheiro Pedreira (IPEP), onde sigo conduzido esse amado rebanho pela graça de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Sou casado há 22 anos com Alexsandra, minha querida esposa, sou pai de Lisandra e Samantha, preciosas bênçãos de Deus em nossas vidas. Me formei no Seminário Teológico Presbiteriano Ashbel Green Simonton, no Rio de Janeiro, e consegui posteriormente a validação acadêmica pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pela bondade de nosso Senhor, seguimos compartilhando fé, amor e buscando a cada dia crescimento espiritual. Somente Cristo!

