IGREJA PERSEGUIDA: Quando a fé se fortace na tribulação
“Porque vocês receberam a graça de sofrer por Cristo, e não somente de crer nele, pois vocês têm o mesmo combate que viram em mim e que agora estão ouvindo que continuo a ter.” Filipenses 1:29-30.
Na sinfonia da vida, o sofrimento não é uma nota dissonante, mas o contraponto que dá profundidade e riqueza à melodia da graça.
Johann Sebastian Bach, Cartas Musicais, p. 67.
Pastor Yang lembra muito bem da primeira vez que foi forçado a sair de casa em Mianmar. Na época, ele era pastor de jovens, recém-casado e estava fazendo compras no mercado, quando policiais o questionaram sobre um protesto. Seguir a Jesus em Mianmar nunca foi fácil, mas, para o jovem pastor e sua esposa, esse questionamento pareceu diferente. “Sentimo-nos inseguros e decidimos fugir”, disse o pastor Yang.
Eles não pararam de se mudar desde então. Hoje, o pastor Yang está exausto e esgotado pelos anos de agitação, pobreza e estresse. “O fardo de se mudar com crianças pequenas é muito pesado para mim e minha esposa. Nós vivemos em meio ao som de tiros e explosões de bombas”, conta o pastor Yang. “Sentimos que podemos ser mortos a qualquer momento. Mesmo quando eu saio para fazer compras, eu oro: ‘Deus, me ajude a voltar em segurança’.”
A voz do pastor Yang ecoa como um lamento que atravessa continentes. Forçado a abandonar sua casa em Mianmar, ele carrega nas costas não apenas pertences, mas o peso de uma realidade que milhões de cristãos conhecem: viver a fé sob a sombra da perseguição. A igreja perseguida não é uma abstração teológica; é uma realidade pulsante que desafia nossa compreensão ocidental do cristianismo e nos convoca a repensar o verdadeiro custo do discipulado.
Nunca nos foi prometido um jardim de rosas. Deus planta a esperança no solo áspero da adversidade, e ali ela floresce com uma beleza que as estufas do conforto jamais poderiam produzir.
C.S. Lewis, O Problema do Sofrimento, p. 42.
O sofrimento é uma escola rigorosa onde aprendemos as lições mais profundas sobre nós mesmos e sobre Deus. É na fornalha da aflição que o ouro da fé se purifica.
John Chrysostom, Homilias sobre Mateus, p. 156.
A Realidade Global da Perseguição Cristã
As estatísticas são mais que números; são histórias humanas escritas em lágrimas e sangue. Segundo a Lista Mundial da Perseguição 2025, 183.709 cristãos foram forçados a abandonar suas casas apenas no último ano. Portanto, a igreja perseguida não é um fenômeno localizado, mas uma realidade global que se estende por 61 países, com a Nigéria liderando tragicamente as estatísticas com 3.100 cristãos assassinados.
O Sofrimento em um Mundo Caído
O mundo é como um livro, e aqueles que não viajam leem apenas uma página. Mas há páginas escritas em sangue que preferimos não decifrar.
Agostinho de Hipona, Confissões, p. 89.
A origem de todo sofrimento remonta à rebelião primordial contra Deus. Assim como Agostinho observou em suas Confissões, “fizeste-nos para ti, e inquieto está o nosso coração, enquanto não repousa em ti.” A queda introduziu uma distorção cósmica que afeta não apenas os relacionamentos humanos, mas toda a ordem criada. No entanto, esta realidade não deveria nos surpreender; pelo contrário, ela confirma a veracidade da narrativa bíblica sobre a condição humana.
A fé não é uma luz que dissipa todas as nossas trevas, mas uma lâmpada que guia nossos passos na escuridão, um passo de cada vez.
John Calvin, Institutas da Religião Cristã, p. 412.
O Sofrimento Como Marca do Discipulado Autêntico
A Comunhão nos Sofrimentos de Cristo
O Novo Testamento apresenta uma perspectiva revolucionária: sofrer por Cristo é uma dádiva, não uma maldição. Além disso, Paulo declara em Filipenses 1.29 que “Porque vocês receberam a graça de sofrer por Cristo, e não somente de crer nele…” A palavra grega charis (graça) sugere que o sofrimento é literalmente um presente divino – uma participação íntima na experiência de nosso Salvador.
A cruz não é apenas um símbolo cristão; é o padrão cristão. Não é apenas algo para contemplar, mas algo para carregar.
Dietrich Bonhoeffer, O Custo do Discipulado, p. 89.
Esta união mística com Cristo significa que os crentes não apenas recebem suas bênçãos, mas também compartilham de seus sofrimentos. Contudo, é crucial distinguir: não sofremos para expiação – essa obra é exclusivamente de Cristo – mas sofremos como expressão de nossa união com Ele em um mundo hostil ao Evangelho.
A vida cristã não começa com um sentimento religioso, mas com uma decisão. E as decisões mais profundas são tomadas não na luz do dia, mas na escuridão da fé.
Søren Kierkegaard, Temor e Tremor, p. 134.
O Sofrimento e o Avanço do Reino
Missionários da Dor
A igreja que busca apenas conforto perdeu sua bússola espiritual. O verdadeiro norte do cristão aponta sempre para a cruz.
Martyn Lloyd-Jones, Sermões sobre o Monte, p. 234.
A história da expansão do cristianismo é também a história do sofrimento missionário. Assim como Paulo conectou sua chamada apostólica com o sofrimento (Atos 9.16), aqueles que levam o Evangelho às fronteiras espirituais enfrentam oposição intensificada. Por isso, David Garrison documenta em Church Planting Movements que o sofrimento missionário é uma característica consistente dos grandes avivamentos.
Esta realidade desafia a igreja ocidental a reexaminar suas prioridades. Além disso, se evitamos o desconforto e priorizamos a segurança acima da obediência, podemos estar nos desqualificando do propósito divino. A Grande Comissão, portanto, não será cumprida por cristãos que buscam apenas conforto.
A Cosmovisão Cristã do Sofrimento
O Hedonismo Cristão
O cristianismo bíblico não valoriza a dor por si mesma, mas reconhece que o verdadeiro prazer e a alegria eterna frequentemente exigem sacrifícios temporais. Assim como um atleta suporta o treinamento rigoroso pela alegria da vitória, o cristão abraça o sofrimento pela suprema alegria de conhecer a Cristo.
A Transformação de Valores
O verdadeiro tesouro não está no que acumulamos, mas no que estamos dispostos a sacrificar por aquilo que amamos.
Herman Melville, Moby Dick, p. 234.
Paulo articula essa perspectiva em Filipenses 1.21: “Para mim, o viver é Cristo, e o morrer é lucro.” Esta não é resignação mórbida, mas uma avaliação racional dos valores eternos versus temporais. Portanto, quando assimilamos o “incrível valor de Cristo”, todas as outras perdas se tornam relativamente insignificantes.
Os Benefícios Espirituais do Sofrimento
O Refinamento da Fé
Pedro compara a fé testada pelo sofrimento ao ouro refinado pelo fogo (1 Pedro 1.6-7). Assim como o ourives remove as impurezas através do calor intenso, Deus usa as tribulações para purificar e autenticar nossa fé. Além disso, o sofrimento revela se a conversão é genuina – aqueles com fé superficial abandonam a vida com Deus quando a perseguição surge.
A Formação do Caráter
O sofrimento funciona como um artesão divino, moldando o caráter cristão. Paulo descreve essa progressão em Romanos 5.3-4: “tribulação produz perseverança; e a perseverança, experiência; e a experiência, esperança.” Portanto, cada dificuldade enfrentada por amor a Cristo contribui para nossa maturidade espiritual.
A Experiência do Poder Divino
Paradoxalmente, experimentamos mais intensamente o poder de Deus quando chegamos ao limite de nossos próprios recursos. Por isso Paulo podia declarar: “quando sou fraco, então, é que sou forte” (2 Coríntios 12.10). O sofrimento, assim, se torna uma porta de entrada para dimensões do poder divino que permaneceriam inexploradas na prosperidade.
Respondendo Biblicamente ao Sofrimento
Não se Surpreender
Pedro adverte: “não estranheis o fogo ardente que surge no meio de vós” (1 Pedro 4.12). A cultura ocidental pode criar expectativas irreais de uma vida cristã sem tribulações, mas a Escritura consistentemente ensina o contrário. Assim, a preparação mental e espiritual é essencial.
Perseverar sem Comprometer
A tentação natural é fazer concessões para escapar do sofrimento. Contudo, somos chamados a “suportar as aflições” (2 Timóteo 4.5) mantendo nossa integridade cristã. Esta perseverança não é estoicismo pagão, mas confiança ativa na fidelidade divina.
Amar os Perseguidores
Jesus estabeleceu o padrão radical: “amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem” (Mateus 5.44). Esta resposta contraria todos os instintos humanos naturais e só é possível através do poder do Espírito Santo.
Manter a Atividade no Reino
O sofrimento pode tentar-nos ao modo de “sobrevivência” – focando apenas em resistir. No entanto, Pedro nos exorta a “entregar nossa alma ao fiel Criador, na prática do bem” (1 Pedro 4.19). Assim, permanecemos proativos na obra do reino mesmo em meio às tribulações.
Regozijar-se
Talvez a resposta mais contraintuitiva seja a alegria. Pedro ordena: “alegrem-se na medida em que são coparticipantes dos sofrimentos de Cristo, para que também, na revelação de sua glória, vocês se alegrem, exultando.” (1 Pedro 4.13). Este regozijo só é possível quando compreendemos plenamente o valor supremo de Cristo e nossa união com Ele.
A Graça Suficiente para Cada Momento
A realidade da igreja perseguida nos confronta com questões fundamentais sobre a natureza do discipulado cristão. Portanto, não podemos mais nos contentar com um cristianismo superficial que promete apenas bênçãos temporais. A fé autêntica reconhece que “por meio de muitas tribulações, nos importa entrar no reino de Deus” (Atos 14.22).
Como observou o pastor Yang em meio a seus sofrimentos: “Há um Deus que pode fazer tudo. Ele está nos sustentando.” Esta confiança não se baseia na ausência de dificuldades, mas na presença constante de Deus em meio a elas. Assim, a igreja perseguida nos ensina que a verdadeira vitória cristã não está em escapar do sofrimento, mas em encontrar Cristo no centro dele.
A lição da igreja perseguida ressoa poderosamente em nossos corações acomodados. Primeiro, devemos examinar nossos valores: estamos dispostos a perder qualquer coisa por Cristo? Segundo, precisamos interceder regulmente pelos cristãos perseguidos, lembrando que somos um só corpo. Terceiro, devemos preparar nossos corações para possível sofrimento futuro, cultivando a mentalidade bíblica sobre tribulações.
Além disso, a prosperidade ocidental não é pecaminosa, mas é perigosa. Devemos constantemente verificar se nossa segurança e conforto estão nos seduzindo a comprometer nossa obediência. A pergunta não é se enfrentaremos dificuldades por nossa fé, mas quando – e se estaremos preparados para responder com fidelidade.
Por fim, lembremos que Deus “nos dá graça quando ela é necessária” (Hebreus 4.16). Não precisamos temer o futuro, mas sim confiar na fidelidade daquele que prometeu nunca nos deixar nem nos abandonar. Na união com Cristo, mesmo o sofrimento se transforma em glória, e cada lágrima derramada por amor ao Evangelho se torna uma pérola no tesouro eterno do reino de Deus.
Somente Cristo! Pr. Reginaldo Soares.
Leia também:

Meu chamado para o ministério pastoral veio em 1994, sendo encaminhado ao conselho da Igreja Presbiteriana (IPB) em Queimados e em seguida ao Presbitério de Queimados (PRQM). Iniciei meus estudos no ano seguinte, concluindo-os em 1999. A ordenação para o ministério pastoral veio em 25 de junho de 2000, quando assumi pastoreio na IPB Inconfidência (2000-2003) e da IPB Austin (2002-2003). Desde de 2004 tenho servido como pastor na Igreja Presbiteriana em Engenheiro Pedreira (IPEP), onde sigo conduzido esse amado rebanho pela graça de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Sou casado há 22 anos com Alexsandra, minha querida esposa, sou pai de Lisandra e Samantha, preciosas bênçãos de Deus em nossas vidas. Me formei no Seminário Teológico Presbiteriano Ashbel Green Simonton, no Rio de Janeiro, e consegui posteriormente a validação acadêmica pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pela bondade de nosso Senhor, seguimos compartilhando fé, amor e buscando a cada dia crescimento espiritual. Somente Cristo!
Publicar comentário