“O Senhor é o meu pastor; nada me faltará. Ele me faz repousar em pastos verdejantes. Leva-me para junto das águas de descanso; refrigera-me a alma. Guia-me pelas veredas da justiça por amor do seu nome. Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal nenhum, porque tu estás comigo; o teu bordão e o teu cajado me consolam. Preparas-me uma mesa na presença dos meus adversários, unges a minha cabeça com óleo; o meu cálice transborda. Bondade e misericórdia certamente me seguirão todos os dias da minha vida; e habitarei na Casa do Senhor para todo o sempre.” Salmo 23.
Êxodo 20.8-11.
O Salmo 23 é o salmo do coração. Outros salmos falam à mente, alguns falam à vontade, mas este fala diretamente ao coração. É o salmo que toda criança aprende primeiro e todo santo recita por último no leito de morte.
Charles Spurgeon, O Tesouro de Davi, p. 234.
Como pode um texto de apenas seis versículos conter toda a jornada da alma humana? Como pode um salmo tão breve mapear as estações da vida com tamanha precisão que ressoa através dos milênios? O Salmo 23 não é apenas poesia; é um mapa espiritual. Não é meramente literatura; é a alma celebrando a Deus, seu amor e cuidado.
Este salmo foi cantado nos serviços matinais e vespertinos do templo, ecoando através dos átrios sagrados como lembrança constante de que Deus não é um conceito abstrato, mas um Pastor presente. Mas aqui reside o mistério: por que um salmo sobre pastoreio tornou-se o mais querido e citado de toda a literatura humana? Por que estas palavras antigas ainda consolam corações modernos?
A resposta pode estar no fato de que o Salmo 23 é mais que descrição; é profecia. Mais que retrato; é promessa. Ele mapeia não apenas a jornada geográfica de ovelhas através de pastagens, mas a jornada existencial da alma através das estações da vida espiritual.
No Salmo 23, vemos Cristo revelado como o Bom Pastor antes mesmo de sua encarnação. Cada promessa aqui é cumprida perfeitamente nAquele que disse: ‘Eu sou o bom pastor; o bom pastor dá a sua vida pelas ovelhas.’
João Calvino, Comentário dos Salmos, p. 287
A metáfora do pastor e das ovelhas pode parecer arcaica, mas ela toca em algo fundamental da condição humana: nossa vulnerabilidade e nossa necessidade de cuidado. É uma imagem que nunca envelhece porque nossa fragilidade nunca muda.
Liev Tolstói, Confissão, p. 189.
O Salmo 23 segue o calendário litúrgico de Israel, mapeando a jornada espiritual através das estações tanto naturais quanto sagradas. Esta não é coincidência; é design divino. Deus ensina seu povo através dos ritmos da criação e da redenção.
O Salmo 23 revela a progressão da vida cristã: primeiro somos alimentados como crianças, depois somos testados como soldados, finalmente somos celebrados como filhos. Cada estágio é necessário para o próximo.
John Piper, Sede de Deus, p. 198.
A primavera espiritual começa com “pastos verdejantes” e “águas de descanso”. Esta é a estação da Páscoa, quando a terra renasce e a alma se lembra da libertação divina. Aqui, o relacionamento com o Pastor é primariamente passivo – somos conduzidos, alimentados, restaurados. É o tempo da infância espiritual, quando nossa maior necessidade é simplesmente receber o cuidado divino.
Jesus, identificando-se como o Bom Pastor, cumpre esta primeira imagem do salmo. Ele não apenas conduz suas ovelhas; Ele as conhece pelo nome. Não apenas as alimenta; Ele se torna o pão da vida. Não apenas as guia; Ele se torna o caminho. A teologia reformada nos ensina que este cuidado pastoral não é mérito nosso, mas manifestação da graça eletiva de Deus.
O verão espiritual traz o “vale da sombra da morte”. Aqui a linguagem muda dramaticamente – de terceira pessoa para segunda pessoa. Não mais falamos “sobre” Deus, mas “com” Deus. Esta é a estação do amadurecimento, quando a fé deixa de ser apenas herdada para se tornar pessoal. O bordão e o cajado – instrumentos tanto de proteção quanto de correção – simbolizam a disciplina amorosa do Pai.
A mudança de ‘ele’ para ‘tu’ no meio do salmo marca a transição da religião formal para o relacionamento pessoal. É quando Deus deixa de ser doutrina e se torna experiência.
Eugene Peterson, Uma Obediência Longa na Mesma Direção, p. 134.
O outono espiritual culmina na “mesa preparada” e na “casa do SENHOR”. A metáfora pastoral dá lugar à imagem de hospitalidade divina. Não somos mais apenas ovelhas; somos convidados de honra. A unção com óleo sugere nossa consagração como sacerdotes reais. Os inimigos ficam do lado de fora, não por nossa força, mas por nossa santificação.
As grandes verdades da vida são sempre simples. Por isso uma criança pode entender o Salmo 23, mas os mais sábios nunca o esgotam. A simplicidade não é ausência de profundidade; é profundidade clarificada.
Fiódor Dostoiévski, O Idiota, p. 345.
O Salmo 23 é mais que mapa da jornada espiritual; é promessa de chegada. Cada estação tem seu propósito, cada vale tem sua lição, cada mesa tem sua celebração. Mas o destino final é sempre o mesmo: a casa do Pai.
Em Cristo, vemos o cumprimento perfeito deste salmo. Ele é o Pastor que conhece suas ovelhas, o Guia que caminha conosco através dos vales, o Anfitrião que prepara lugar para nós na mesa celestial. Sua morte e ressurreição garantem que “bondade e misericórdia” não são apenas ideais poéticos, mas realidades redentoras que nos “seguem todos os dias da nossa vida”.
O salmo termina com uma promessa de permanência: “habitarei na Casa do SENHOR para todo o sempre”. Esta não é esperança vaga, mas certeza baseada no caráter imutável de Deus. O que começou com pastagem terrena culmina em habitação eterna.
Cada vez que recitamos este salmo, participamos de uma tradição milenar de fé. Unimos nossa voz ao coro dos santos que, através das eras, encontraram nestas palavras tanto consolo na aflição quanto celebração na vitória.
Este salmo é a autobiografia de todo crente. Começamos necessitando de cuidado, passamos por vales de provação, e terminamos na presença gloriosa de Deus. É a jornada que todo filho de Deus faz.
Augustus Nicodemus Lopes, Interpretação Bíblica, p. 145.
Os grandes textos da humanidade são aqueles que crescem conosco. Uma criança vê no Salmo 23 um pastor bondoso; um adulto vê a providência divina; um ancião vê a promessa da eternidade.
Marcel Proust, O Tempo Redescoberto, p. 267.
Como aplicar o Salmo 23 em nossa jornada espiritual contemporânea? Primeiro, precisamos identificar em que estação espiritual nos encontramos. Estamos nos “pastos verdejantes” da graça recebida? No “vale da sombra” do teste e refinamento? Ou na “mesa preparada” da comunhão celebrativa?
Cada estação demanda resposta apropriada. Nos pastos verdejantes, nossa tarefa é receber com gratidão e crescer em conhecimento. No vale da sombra, nossa tarefa é confiar na presença do Pastor e aprender dependência. Na mesa preparada, nossa tarefa é adorar com alegria e servir com generosidade.
Segundo, devemos usar este salmo como oração pessoal e como declaração de fé. Quando as circunstâncias desafiam nossa confiança, podemos declarar: “O SENHOR é o meu pastor; nada me faltará.” Quando o medo nos paralisa, podemos afirmar: “Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal nenhum, porque tu estás comigo.”
Terceiro, devemos ver nossas lutas e celebrações dentro do contexto maior da narrativa redentora. Nossos vales têm propósito, nossas mesas têm significado, nossa jornada tem destino. Não somos andarilhos sem um destino, mas peregrinos com direção clara.
Finalmente, devemos permitir que este salmo molde nossa perspectiva sobre sofrimento, provisão e esperança. O sofrimento não é evidência de abandono divino, mas parte da jornada supervisionada. A provisão não é mérito nosso, mas graça divina. A esperança não é otimismo vago, mas confiança baseada no caráter de Deus.
Pastor eterno, Tu que conheces cada ovelha pelo nome e cada necessidade do coração, agradecemos por este salmo que mapeia nossa jornada e assegura nossa chegada. Quando estivermos nos pastos verdejantes, ajuda-nos a descansar em Tua provisão. Quando atravessarmos vales sombrios, lembra-nos de Tua presença. Prepara nossos corações para a mesa que nos aguarda, onde não haverá mais lágrimas nem despedidas. Que bondade e misericórdia realmente nos sigam todos os dias de nossa vida, e que esta verdade transforme nossa maneira de viver cada dia. Obrigado por seres não apenas nosso Deus, mas nosso Pastor. Não apenas nosso Criador, mas nosso Cuidador. Não apenas nosso Juiz, mas nosso Anfitrião. Em nome de Jesus, o Bom Pastor que deu sua vida pelas ovelhas. Amém.
Somente Cristo! Pr. Reginaldo Soares.
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Meu chamado para o ministério pastoral veio em 1994, sendo encaminhado ao conselho da Igreja Presbiteriana (IPB) em Queimados e em seguida ao Presbitério de Queimados (PRQM). Iniciei meus estudos no ano seguinte, concluindo-os em 1999. A ordenação para o ministério pastoral veio em 25 de junho de 2000, quando assumi pastoreio na IPB Inconfidência (2000-2003) e da IPB Austin (2002-2003). Desde de 2004 tenho servido como pastor na Igreja Presbiteriana em Engenheiro Pedreira (IPEP), onde sigo conduzido esse amado rebanho pela graça de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Sou casado há 22 anos com Alexsandra, minha querida esposa, sou pai de Lisandra e Samantha, preciosas bênçãos de Deus em nossas vidas. Me formei no Seminário Teológico Presbiteriano Ashbel Green Simonton, no Rio de Janeiro, e consegui posteriormente a validação acadêmica pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pela bondade de nosso Senhor, seguimos compartilhando fé, amor e buscando a cada dia crescimento espiritual. Somente Cristo!