A oração do orgulhoso é um monólogo; a do humilde, um diálogo transformador com Deus. Na era dos smartphones, precisamos recuperar a arte da concentração profunda na presença de Deus. A verdadeira oração não nos afasta da realidade, mas nos permite vê-la com os olhos de Deus.
Palavra-chave: Vida de oração
Texto Básico: Lucas 18.9-14. A PARÁBOLA DO FARISEU E DO PUBLICANO. “Jesus também contou esta parábola para alguns que confiavam em si mesmos, por se considerarem justos, e desprezavam os outros: Dois homens foram ao templo para orar: um era fariseu e o outro era publicano. O fariseu ficou em pé e orava de si para si mesmo, desta forma: “Ó Deus, graças te dou porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros, nem ainda como este publicano. Jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de tudo o que ganho.” O publicano, estando em pé, longe, nem mesmo ousava levantar os olhos para o céu, mas batia no peito, dizendo: “Ó Deus, tem pena de mim, que sou pecador!” Digo a vocês que este desceu justificado para a sua casa, e não aquele. Porque todo o que se exalta será humilhado; mas o que se humilha será exaltado.”
Leituras Complementares:
Mateus 6.5-15. Jesus ensina seus discípulos a orar com sinceridade, evitando a ostentação hipócrita.
1 Tessalonicenses 5.16-18. Paulo instrui os crentes a orarem sem cessar como parte da vontade de Deus.
Filipenses 4.6-7. A oração é apresentada como antídoto para a ansiedade, trazendo a paz de Deus.
Tiago 5.13-16. A oração eficaz do justo pode muito em seus efeitos, trazendo cura e restauração.
Romanos 8.26-27. O Espírito Santo intercede por nós quando não sabemos como orar adequadamente.
Salmo 66.16-20. O testemunho do salmista sobre a oração atendida e a importância da integridade.
João 17.1-26. A oração sacerdotal de Jesus revela seu coração intercessor pelos discípulos e pela igreja.
Em um mundo cada vez mais acelerado e tecnológico, onde cada minuto parece ser disputado por inúmeras notificações e distrações, a prática da oração tem se tornado um desafio crescente para muitos cristãos. Imagine um smartphone que, apesar de estar totalmente carregado, permanece no modo avião, sem conexão com a rede. Este dispositivo mantém todas as suas funcionalidades internas, mas está isolado, incapaz de receber ou enviar qualquer comunicação. Não seria esta uma imagem apropriada para descrever muitos crentes hoje? Pessoas que, embora “carregadas” de conhecimento bíblico e doutrinário, vivem desconectadas da comunicação vital com Deus?
Jonas Madureira nos alerta para esta realidade quando afirma: “É triste dizer, mas eu suspeito que a nossa geração perdeu a capacidade de orar; pelo menos, de orar como convém. E, em parte, isso tem a ver com o fato de estarmos atolados, dos pés à cabeça, em tecnologias que corroem as virtudes do espírito, necessárias à oração.” Esta observação nos convida a refletir sobre como nossas práticas diárias afetam nossa vida de oração.
A parábola do fariseu e do publicano, narrada por Jesus em Lucas 18.9-14, oferece um poderoso contraste que ilustra não apenas a importância da oração, mas principalmente a atitude interior que deve caracterizá-la. Enquanto um personagem se aproxima de Deus com autoconfiança e soberba, o outro o faz com humildade e consciência de sua necessidade. O resultado, como veremos, é surpreendente e revelador.
Explicação do Texto Básico
Lucas 18.9-14 traz a parábola do fariseu e do publicano, uma narrativa que ilustra contrastes profundos sobre a atitude interior na oração. Para compreendermos adequadamente este texto, precisamos considerar seu contexto histórico, geográfico e elementos específicos da narrativa.

O cenário da parábola é o Templo de Jerusalém, centro da vida religiosa judaica. Os dois personagens representam extremos sociais e religiosos na sociedade da época: o fariseu, membro respeitado da elite religiosa, e o publicano, um coletor de impostos desprezado pela sociedade.
Embora o início da parábola (versículos 9-12) descreva a oração do fariseu, nosso texto-base se concentra especificamente na oração do publicano (versículos 13-14) e na sentença concludente de Jesus.
O versículo 13 apresenta aspectos significativos da postura física do publicano durante sua oração. “Estando em pé, longe” indica que ele permaneceu na parte posterior do Templo, distanciado das pessoas consideradas dignas. Enquanto o fariseu buscava projeção e destaque, o publicano demonstrava um “temeroso encolhimento”, reconhecendo sua condição social e espiritual.
O termo “não ousava nem ainda levantar os olhos ao céu” revela sua profunda consciência de indignidade. Na cultura da época, erguer os olhos durante a oração representava a elevação da alma para Deus. O publicano, em contrapartida, “baixa os olhos, porque se sente culpado perante Deus”. Esta postura física externava sua condição interior.
O gesto de bater no peito não era casual. O texto utiliza o termo grego “typtein”, uma “expressão forte e definida para uma contrição dolorosa e arrependida”, também encontrada em Lucas 23.48, quando a multidão, após testemunhar a crucificação, volta para casa batendo no peito em angústia.
A oração do publicano é notavelmente breve, mas profundamente significativa: “Ó Deus, sê propício a mim, pecador!” No texto original, há um artigo definido antes de “pecador” (literalmente, “o pecador”), sugerindo que ele não se via apenas como um entre muitos pecadores, mas como alguém “especialmente sobrecarregado”. Enquanto o fariseu via a si mesmo como único justo entre pecadores, o publicano via a todos como justos e apenas a si como “o pecador”.
O versículo 14 apresenta o surpreendente veredito de Jesus: “este desceu justificado para sua casa, e não aquele”. O termo “justificado” (dikaioun) aparece em outras passagens de Lucas (7.29,35; 10.2,9; 16.15) significando “declarar justo”, não “tornar justo”. Esta declaração divina de justificação constitui “a resposta de Deus à oração do publicano, em contraposição à confiança farisaica na justiça própria”. Esta compreensão estabelece uma conexão harmônica com a doutrina da justificação já presente no Antigo Testamento (Isaías 50.8; 53.11; Salmo 143.2; Gênesis 15.6; Habacuque 2.4).
Jesus conclui a parábola com um princípio do reino de Deus, repetido em outros momentos de seu ministério (Mateus 23.12; Lucas 14.11): “todo o que se exalta será humilhado; mas o que se humilha será exaltado”. Este princípio representa uma inversão dos valores mundanos e estabelece uma “lei típica do reino de Deus”, onde a humildade genuína precede a exaltação divina.
Esta parábola nos convida a uma reflexão profunda sobre a natureza da oração autêntica e os perigos do orgulho espiritual. Como afirma Jó 22.29 na tradução TEB: “Ele salva os homens de olhos baixos”. A verdadeira oração começa com o reconhecimento genuíno de nossa necessidade de misericórdia divina.
1. A Oração como Comunicação Genuína com Deus
A natureza dialógica da oração
A oração não é um monólogo ritualístico ou um exercício de autoaperfeiçoamento, mas uma conversação genuína com o Deus vivo. R.C. Sproul enfatiza esta realidade quando afirma:
“Um dos grandes temas da Reforma foi a ideia de que toda a vida deve ser vivida sob a autoridade de Deus, para a glória de Deus, na presença de Deus. A oração não é um solilóquio, um mero exercício de autoanálise terapêutica ou uma recitação religiosa. A oração é uma conversa com o próprio Deus pessoal.”
A bíblia vai nos ensinar que a oração é o meio pelo qual nos aproximamos de Deus em um relacionamento pessoal, junto com a meditação constante na Palavra de Deus, uma forma prazerosa de exercer a fé. A oração é um deleite porque nos coloca em contato direto com Deus, fortalecendo nossa fé e nos ensinando a depender d’Ele. O prazer da oração não está apenas em receber respostas, mas em experimentar a comunhão com o Criador. A história da igreja está repleta de exemplos de homens e mulheres que viam a oração como um diálogo transformador. Martinho Lutero, por exemplo, via a oração como a essência da vida cristã e costumava dizer:
“Tenho tanto a fazer hoje que preciso passar as três primeiras horas em oração para conseguir tudo pronto.” (Table Talk, nº 537).
Para o cristão orar é como respirar e não orar, é morrer espiritualmente. A vida de oração deve ser intensa, pois desenvolve nossa relação com Deus, vamos percebendo que Ele realmente nos ouve, mas não apenas isso, nos responde. Assim vamos percebendo a presença e a ação do Todo Poderoso em toda nossa jornada. Jonathan Edwards também compreendia a oração dessa maneira, afirmando que “quanto mais um cristão se deleita em Deus na oração, mais ele experimenta a realidade de Sua presença” (Religious Affections, p. 98).
Por isso o salmista nos convida: “Derramai perante Ele o vosso coração; Deus é o nosso refúgio” Salmo 62.8, portanto, a natureza da oração, segundo a tradição reformada, é essencialmente um diálogo sincero e reverente com Deus. Não é um exercício mecânico ou um meio de manipular o divino, mas um ato de fé e dependência, pelo qual nos submetemos à vontade de Deus e somos transformados à Sua imagem.
E todos nós, com o rosto descoberto, contemplando a glória do Senhor, somos transformados, de glória em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, que é o Espírito. 2 Coríntios 3.18.
No diálogo da oração: Deus toma a iniciativa e o cristão responde
A oração não é um esforço humano para alcançar Deus, mas uma resposta ao Seu chamado. Desde a criação, Deus Se revelou e estabeleceu um relacionamento com a humanidade. Ele fala, convida, orienta e nos atrai para Si, e a oração é nossa resposta a essa revelação. Martinho Lutero afirma que “a oração é essencialmente uma resposta à Palavra de Deus, pois é Ele quem fala primeiro, e nós apenas respondemos a Ele” (A Simple Way to Pray).
A Bíblia mostra que Deus sempre toma a iniciativa na comunhão com Seu povo. Antes mesmo que pensemos em buscá-Lo, Ele já nos chamou: “Clama a mim, e responder-te-ei e anunciar-te-ei coisas grandes e firmes que não sabes” (Jeremias 33.3), “Antes que clamem, eu responderei; ainda não estarão falando, e eu os ouvirei” (Isaías 65.24), Essa verdade reflete o caráter gracioso de Deus. Como explica Michael Horton: “A oração cristã não começa com um esforço humano para chamar a atenção de Deus, mas com a Sua decisão de nos incluir em Sua comunhão eterna. O Pai nos atrai ao Filho pelo Espírito, e nossa oração é a resposta a essa iniciativa” (A Better Way: Rediscovering the Drama of God-Centered Worship, p. 87).
A oração é, portanto, uma resposta humilde à voz divina. O salmista expressa essa dinâmica, “Ao meu coração me ocorre: Buscai a minha presença; buscarei, pois, Senhor, a tua presença”, (Salmos 27.8). João Calvino descreve essa relação como um movimento de graça e resposta: “Deus nos convida à oração não para satisfazer uma necessidade Sua, mas para transformar nossa alma e conformá-la à Sua vontade” (As Institutas da Religião Cristã, III.20.3).
A oração não é um esforço para persuadir Deus a agir, mas um meio de alinhar nossos desejos à Sua vontade. Jesus exemplifica isso no Getsêmani: “Pai, não seja feita a minha vontade, mas a tua.” (Lucas 22.42). Jonathan Edwards reforça essa ideia ao afirmar que “a oração eficaz não é uma tentativa de dobrar Deus aos nossos desejos, mas um instrumento pelo qual Ele nos molda à Sua imagem” (Religious Affections, p. 98). A oração verdadeira se baseia na Palavra de Deus. Dietrich Bonhoeffer ensina que “a oração não começa com nossas palavras, mas com as palavras de Deus. Somente quando ouvimos Deus falando, podemos aprender a orar corretamente” (Life Together, p. 66). Isso significa que nossa vida de oração deve estar enraizada na Escritura.
Você já percebeu como suas orações tendem a se concentrar em pedidos e súplicas, esquecendo-se da dimensão relacional? Como sua vida de oração poderia refletir mais claramente esta compreensão da oração como comunicação genuína?
2. Acondição espiritual de quem ora: Humildade versus Orgulho
A armadilha do orgulho espiritual
O contraste entre o fariseu e o publicano na parábola de Jesus ilustra dramaticamente como a condição espiritual interior afeta nossa vida de oração. O fariseu não busca realmente comunicar-se com Deus, mas apenas reafirmar sua própria justiça . Como observa Agostinho de Hipona:
“O orgulho foi o que precipitou o homem à morte. O que causou a morte ficou curado pela humildade de Deus. O homem caiu por ter sido soberbo; veio Deus e se fez humilde. O homem tomou o remédio contrário ao veneno que tinha tomado. Caiu por soberba, levantou-se por humildade.”
Sermões sobre o Evangelho de João, 25, 16.
O orgulho espiritual, tão evidente no fariseu, é particularmente perigoso porque frequentemente se disfarça de virtude. Jonathan Edwards aprofunda esta análise em sua obra “Pensamentos sobre o Avivamento”, afirmando:
“É verdade que devemos amar a Deus pela excelência de Seu caráter, mas os hipócritas não o fazem. Há uma diferença entre ter um conhecimento especulativo de que Deus é santo e ter um senso da amabilidade e beleza desta santidade. O orgulho espiritual frequentemente é marcado por confiança em privilégios religiosos, conhecimento da verdade ou experiências passadas, ao invés de uma dependência contínua da graça de Deus.” p. 147.
O orgulho espiritual tem sido uma constante tentação para o povo de Deus ao longo dos séculos. No século IV, os Padres do Deserto já alertavam contra as “ciladas da virtude”, ou seja, o orgulho que surge precisamente por causa das vitórias espirituais. Um deles, Evágrio Pôntico, observou: “Quando todas as outras tentações são vencidas, a tentação da vaidade espiritual permanece, sendo a mais difícil de discernir e a última a ser superada.”
A humildade como fundamento da oração eficaz
Em contraste, o publicano demonstra uma humildade genuína diante de Deus. Esta humildade não é autodepreciação teatral ou falsa modéstia, mas o reconhecimento honesto de sua condição espiritual. Como escreve Charles Hodge:
“A oração do publicano era uma oração de fé. Ele cria que Deus era misericordioso para com os pecadores. Ele cria que Deus poderia justificar o ímpio. Ele cria que Deus poderia justificá-lo, o maior dos pecadores. E esta fé, expressa em sua súplica, foi justificada.”
Teologia Sistemática, Vol. III, p. 231.
Esta humildade não é uma negação das capacidades ou qualidades que Deus nos deu, mas um reconhecimento de nossa dependência dele. Como explica Abraham Kuyper:
“A humildade cristã não nega os dons dados por Deus, mas reconhece que estes dons vêm de Deus e não de nossos próprios méritos ou esforços. O humilde não se deprecia falsamente, mas posiciona-se corretamente na relação com Deus como criatura dependente.”
Encyclopedia of Sacred Theology, p. 314.
A história da igreja está repleta de exemplos de como a humildade autêntica caracterizou os grandes homens e mulheres de oração. Recentemente, um estudo na Universidade de Cambridge sobre diários espirituais dos séculos XVII e XVIII revelou que aqueles considerados mais espiritualmente maduros por seus contemporâneos também demonstraram maior consciência de suas próprias fraquezas e total dependência da graça divina.
Você consegue identificar sinais de orgulho espiritual em sua própria vida de oração? Como o exemplo do publicano pode ajudá-lo a cultivar uma humildade autêntica diante de Deus?
3. A Oração na era tecnológica: Desafios e oportunidades
Os desafios da era digital
Nossa geração enfrenta obstáculos únicos para o desenvolvimento de uma vida de oração profunda. A constante conectividade e o ritmo acelerado da vida moderna dificultam o cultivo da concentração e contemplação necessárias para a oração. Jonas Madureira identifica uma relação direta entre nossas práticas tecnológicas e o empobrecimento de nossa vida devocional:
“Eu não tenho dúvidas de que existem benefícios nessas tecnologias (aliás, foi por isso que publiquei isso aqui). Mas, passou da hora de reconhecermos que elas também têm efeitos colaterais para a nossa relação com Deus. A internet, as redes sociais e o smartphone multiplicam as distrações e promovem um estado espiritual que desencoraja a contemplação profunda e estimula o pensamento superficial e fugitivo.”
A observação de Madureira encontra eco nas pesquisas contemporâneas sobre atenção e espiritualidade. Um estudo recente conduzido pela Universidade de Stanford revelou que o uso intensivo de mídias digitais está associado à diminuição da capacidade de concentração profunda e meditação. Outro estudo, publicado no Journal of Experimental Psychology, mostrou que a mera presença de um smartphone, mesmo quando desligado, reduz a capacidade cognitiva disponível para outras tarefas. Franklin Ferreira, em sua obra “Espiritualidade Reformada”, observa:
“A tradição reformada sempre valorizou a disciplina e o cultivo deliberado de hábitos espirituais. Na era digital, precisamos exercer um discernimento consciente sobre como nossas práticas tecnológicas moldam nossa capacidade de orar e meditar na Palavra de Deus.”
p. 156.
Cultivando disciplinas espirituais
Diante destes desafios, precisamos desenvolver intencionalmente disciplinas que fortaleçam nossa capacidade de oração. R.C. Sproul destaca esta necessidade:
“A soberania de Deus não anula a oração de adoração. A presciência ou conselho determinativo de Deus não nega a oração de louvor. A única coisa que ela deveria nos dar é maior razão para expressarmos nossa adoração por quem Deus é.”
Esta perspectiva reformada nos convida a ver a oração não como uma obrigação religiosa, mas como um privilégio relacional. Como Martin Lloyd-Jones observou: “A pessoa que realmente entende a soberania de Deus não ora menos, mas mais, pois compreende que está participando dos próprios propósitos eternos de Deus” (Estudos no Sermão do Monte, p. 327).
Entre as disciplinas específicas que podemos cultivar, destaca-se o que os reformadores chamavam de “preparação para a oração”. João Calvino, em suas Institutas da Religião Cristã, recomenda:
“Antes de orarmos, devemos preparar nosso coração, esvaziando-o de toda autoconfiança e purificando-o de toda a hipocrisia, a fim de que possamos buscar a Deus com simplicidade e integridade.”
Livro III, Capítulo XX, Seção 5.
Na prática, isto pode significar criar intencionalmente tempos e espaços livres de distrações digitais. Como Jonas Madureira sugere: “Talvez, desligar o celular agora e conversar com sua família sobre este assunto seja um bom começo.”
Que passos concretos você pode dar para minimizar as distrações digitais que afetam sua vida de oração? Como você pode cultivar disciplinas que fortaleçam sua capacidade de concentração e contemplação?
4. A oração na tradição reformada: Devoção e doutrina integradas
Fundamentos doutrinários da oração
Uma das contribuições distintas da tradição reformada é a integração entre sólida compreensão doutrinária e profunda vida devocional. Longe de ser um obstáculo à oração, a compreensão da soberania divina e outros princípios teológicos reformados servem como fundamento para uma vida de oração mais rica.
O Catecismo de Heidelberg, documento confessional reformado do século XVI, aborda diretamente esta integração na pergunta 117: “Como devemos orar, para que a oração seja agradável a Deus e Ele nos ouça?” Sua resposta começa afirmando que “devemos orar de todo o coração”, unindo assim a compreensão teológica com a experiência devocional. Herman Bavinck, teólogo reformado holandês, elabora esta perspectiva:
“A oração cristã não é apenas uma expressão de sentimento religioso, mas um ato inteligente da alma redimida que compreende quem é Deus e quem somos nós. A doutrina correta conduz à devoção adequada, e a verdadeira devoção sempre se baseia na doutrina sólida.”
Nossa Fé Razoável, p. 247.
Esta integração entre doutrina e devoção é característica da vida de oração, os reformadores viam a oração não como um dever religioso, mas como uma resposta natural à graça de Deus compreendida através da sã doutrina.
Práticas devocionais reformadas
A tradição reformada desenvolveu práticas devocionais específicas que continuam a enriquecer a vida de oração dos cristãos hoje. A Confissão de Fé de Westminster recomenda que oremos “com entendimento, reverência, humildade, fervor, fé, amor e perseverança” (CFW 21.3). Esta lista de qualidades não é meramente prescritiva, mas descritiva de uma vida de oração enraizada no evangelho. D.A. Carson, em sua análise da oração nos escritos paulinos, destaca a centralidade da cruz na vida de oração cristã:
“A oração cristã genuína é inseparável da cruz. É à luz da cruz que reconhecemos tanto nossa necessidade quanto o imenso privilégio de nos aproximarmos de Deus. Nossa confiança na oração não se baseia em nossa própria dignidade ou em rituais religiosos, mas na obra completa de Cristo.”
A Call to Spiritual Reformation, p. 112.
Como sua compreensão da doutrina reformada afeta sua vida de oração? Que elementos da tradição devocional reformada poderiam enriquecer sua prática de oração?
Conclusão
A parábola do fariseu e do publicano permanece como um poderoso lembrete de que a oração autêntica nasce não da autoconfiança religiosa, mas da humilde dependência da misericórdia de Deus. Como vimos, o publicano “desceu justificado para sua casa” não por causa de rituais elaborados ou palavras eloquentes, mas porque se aproximou de Deus com um coração verdadeiramente contrito.
Nossa jornada através deste texto nos revelou que a vida de oração não é primariamente uma questão de técnicas ou métodos, mas de disposição interior. Como observa Eugene Peterson: “A oração não é uma atividade religiosa sofisticada, mas o ato simples de voltar-se para Deus com tudo o que somos e temos” (O Pastor Contemplativo, p. 43).
A tradição reformada, com sua rica integração entre doutrina e devoção, nos oferece um fundamento sólido para desenvolvermos uma vida de oração que seja tanto biblicamente informada quanto espiritualmente vibrante. A compreensão da soberania divina, longe de desencorajar a oração, nos leva a uma adoração mais profunda e uma dependência mais consciente do Deus que, em sua graça, convida-nos ao diálogo.
Em nossa era digital, repleta de distrações e estímulos constantes, o cultivo intencional de uma vida de oração requer disciplina e discernimento. A oração não é uma atividade isolada, mas parte de uma reorientação global de nossa vida para Deus. Como o publicano, somos convidados a nos aproximarmos de Deus não com base em nossas conquistas ou méritos, mas com uma consciência honesta de nossa necessidade e uma confiança inabalável em sua misericórdia. É esta atitude que caracteriza a vida de oração do verdadeiro discípulo de Cristo.
Aplicação Prática
- Avalie sua postura interior na oração
Reserve um tempo para examinar honestamente as atitudes que normalmente traz à oração. Você tende mais para a autoconfiança do fariseu ou para a humildade do publicano? Peça a Deus que revele atitudes de orgulho espiritual que possam estar obstruindo sua vida de oração. - Crie um “espaço longe das redes”
Estabeleça períodos regulares (diários ou semanais) completamente livres de dispositivos digitais, dedicados especificamente à oração e meditação na Palavra. Comece com períodos curtos (30 minutos) e gradualmente aumente a duração à medida que sua capacidade de concentração melhorar. - Pratique a oração guiada pela Escritura
Selecione uma passagem bíblica (como um Salmo) e use-a como guia para sua oração. Esta prática, comum na tradição reformada, ajuda a manter o foco e enriquece o conteúdo de suas orações com a própria Palavra de Deus. - Mantenha um diário de oração
Registre não apenas seus pedidos e respostas, mas também insights sobre sua própria jornada de oração. Observe padrões em suas orações e como diferentes circunstâncias afetam sua vida devocional. - Participe de uma comunidade de oração
Conecte-se com outros cristãos para orar regularmente. A oração comunitária não apenas nos mantém responsáveis, mas também enriquece nossa vida de oração com as perspectivas e experiências de outros crentes. - Estude a teologia da oração
Dedique-se ao estudo bíblico e teológico sobre a oração. Compreender melhor o que a Escritura ensina sobre este tema pode transformar profundamente sua prática devocional. - Desenvolva disciplinas complementares
Cultive práticas que fortaleçam sua capacidade de concentração e contemplação, como leitura profunda, silêncio intencional ou caminhadas meditativas sem dispositivos eletrônicos.
Referências Bibliográficas
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WRIGHT, N.T. Simply Christian: Why Christianity Makes Sense. New York: HarperOne, 2010.

Meu chamado para o ministério pastoral veio em 1994, sendo encaminhado ao conselho da Igreja Presbiteriana (IPB) em Queimados e em seguida ao Presbitério de Queimados (PRQM). Iniciei meus estudos no ano seguinte, concluindo-os em 1999. A ordenação para o ministério pastoral veio em 25 de junho de 2000, quando assumi pastoreio na IPB Inconfidência (2000-2003) e da IPB Austin (2002-2003). Desde de 2004 tenho servido como pastor na Igreja Presbiteriana em Engenheiro Pedreira (IPEP), onde sigo conduzido esse amado rebanho pela graça de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Sou casado há 22 anos com Alexsandra, minha querida esposa, sou pai de Lisandra e Samantha, preciosas bênçãos de Deus em nossas vidas. Me formei no Seminário Teológico Presbiteriano Ashbel Green Simonton, no Rio de Janeiro, e consegui posteriormente a validação acadêmica pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pela bondade de nosso Senhor, seguimos compartilhando fé, amor e buscando a cada dia crescimento espiritual. Somente Cristo!