O preço do discipulado não é pago com palavras bonitas ou momentos emocionantes, mas com um coração disposto a reordenar completamente suas prioridades por amor a Cristo.
Texto Básico: Lucas 14.25-35. “…ninguém pode se tornar meu discípulo sem abrir mão de tudo que possui”.
LEITURAS COMPLEMENTARES:
- Mateus 10.37-39 – O paralelo de Mateus sobre negar a si mesmo e carregar a cruz;
- Marcos 8.34-38 – As condições para seguir a Jesus e não se envergonhar dele;
- João 12.24-26 – O princípio do grão de trigo que morre para dar fruto;
- Filipenses 3.7-11 – Paulo considerando tudo como perda por causa de Cristo;
- 2 Timóteo 3.10-12 – A perseguição como consequência do discipulado fiel;
- Apocalipse 12.11 – Vencendo pelo sangue do Cordeiro e não amando a própria vida;
- Mateus 16.24-26 – O chamado para negar-se, tomar a cruz e seguir a Jesus.
Explicação do Texto Básico (Lucas 14.25-35)
Contexto Histórico e Bíblico
Este texto de Lucas 14.25-35 se encontra na seção do evangelho conhecida como “A Jornada para Jerusalém”, que começa em Lucas 9.51 e continua até Lucas 19.44. Nesta passagem específica, Jesus está em sua lenta jornada pela região da Peréia, a caminho de Jerusalém, onde enfrentará sua crucificação. Trata-se de um momento crucial em seu ministério.
O contexto imediato é significativo: Jesus está sendo seguido por grandes multidões, possivelmente atraídas por seus milagres, seu ensino cativante ou mesmo pela curiosidade sobre seu ministério profético e como ele se opõe cada vez mais a classe religiosa de Israel. Lucas destaca que “grandes multidões o acompanhavam” (v.25), o que cria o cenário para este discurso desafiador. É importante notar que esta mensagem não foi dirigida apenas aos doze discípulos escolhidos, mas a todos os que consideravam segui-lo.
Na estrutura do Evangelho de Lucas, esta passagem representa uma peculiaridade lucana. Enquanto algumas das declarações aparecem em outros contextos nos evangelhos (como em Mateus 10.37-39), o arranjo e o contexto específicos são únicos de Lucas. Este bloco de ensino segue-se a outras parábolas e ensinamentos sobre o Reino de Deus, incluindo a parábola do grande banquete (Lucas 14.15-24), onde Jesus já havia começado a abordar o tema do custo de participar do Reino.
Propósito e Mensagem
O propósito central desta passagem é estabelecer claramente o custo do discipulado. Jesus, movido por seu amor, deseja proteger a multidão de ilusões superficiais sobre o que significa segui-lo. Em vez de simplesmente acumular seguidores, Jesus estabelece critérios rigorosos que exigem reflexão séria.
A mensagem principal pode ser resumida em: “O discipulado autêntico exige compromisso total e reavaliação radical de todas as prioridades da vida”. Jesus não está interessado em seguidores casuais ou entusiastas temporários, mas em discípulos que compreendam plenamente as implicações de segui-lo e estejam dispostos a fazer os sacrifícios necessários.
Para os dias atuais, a mensagem continua profundamente relevante em uma cultura cristã frequentemente caracterizada por um “evangelho de conveniência” ou um “cristianismo sem custo”. Jesus está desafiando a noção de que podemos simplesmente adicionar a fé cristã às nossas vidas sem permitir que ela transforme fundamentalmente nossas prioridades, relacionamentos e identidade.
Termos e Expressões Específicas
- “Odiar pai e mãe, mulher, filhos, irmãos e irmãs, e ainda a própria vida” (v.26): Esta expressão chocante não deve ser entendida literalmente como promovendo o ódio familiar, o que contradiz outras partes do ensino de Jesus sobre amor e honra aos pais (Lucas 10.27; 18.20). Em vez disso, trata-se de um idiomatismo semítico que expressa preferência absoluta. Jesus está exigindo que o amor e o compromisso para com ele superem significativamente qualquer outro relacionamento ou apego. É uma questão de prioridades radicalmente reordenadas.
- “Carregar a sua cruz” (v.27): Esta é uma imagem poderosa derivada da prática romana de fazer com que os condenados carregassem o patíbulo (a viga horizontal) de suas próprias cruzes até o local de execução. Jesus está usando esta imagem para representar a disposição de enfrentar sofrimento, vergonha pública e até morte por causa dele. Não se trata simplesmente de “carregar fardos” ou enfrentar dificuldades comuns da vida, mas de uma identificação completa com Cristo em seu caminho de sofrimento e rejeição.
- “Calcular o custo” (v.28-32): As duas parábolas (sobre construir uma torre e ir à guerra) enfatizam a necessidade de deliberação cuidadosa e avaliação realista antes de comprometer-se. A linguagem de “calcular” (psēphizō) era usada em contextos financeiros e sugere uma avaliação completa dos recursos necessários versus recursos disponíveis. Jesus está promovendo um tipo de realismo espiritual que reconhece as demandas do discipulado antes de comprometer-se.
- “Renunciar a tudo” (v.33): O termo “renunciar” (apotassō) implica uma separação deliberada ou despedida. Jesus não está necessariamente exigindo pobreza material absoluta, mas uma disposição fundamental de subordinar todas as posses, relacionamentos e ambições ao senhorio de Cristo. Nada pode ter prioridade sobre o compromisso com ele.
- “Sal que perde o sabor” (v.34-35): O sal no mundo antigo era um bem precioso, usado para preservação de alimentos, purificação e sabor. Também tinha significado religioso como componente das ofertas (Levítico 2.13). No contexto do pacto, o sal simbolizava permanência e fidelidade. A referência ao sal que perde seu sabor (mōranthē – literalmente “se tornar insípido” ou “tolo”) ilustra um discípulo que perde sua eficácia e propósito distintos. A expressão “nem para terra, nem para adubo” indica completa inutilidade, um aviso severo sobre o perigo de um compromisso superficial.
- “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça” (v.35): Esta frase conclusiva é um chamado à reflexão profunda e resposta pessoal. Era frequentemente usada por Jesus após ensinos particularmente desafiadores ou contra-culturais (cf. Mateus 11.15; 13.9,15; Marcos 4.9,23; 7.16; Lucas 8.8). A expressão sugere que o verdadeiro entendimento requer mais do que mera audição física, mas uma disposição de coração para receber e aplicar a verdade, mesmo quando é difícil.
INTRODUÇÃO
Era 1944, em uma prisão nazista, quando Dietrich Bonhoeffer1 escreveu uma carta que ecoa até hoje: “Não é o ato religioso que faz o cristão, mas a participação no sofrimento de Deus na vida do mundo.” Bonhoeffer, um pastor e teólogo alemão, sabia o custo de seguir Jesus. Por resistir ao regime de Hitler, ele oi executado em 9 de abril de 1945 no campo de concentração de Flossenbürg, aos 39 anos, mas sua história permanece como um testemunho vivo do que significa carregar a cruz. Ele não apenas pregou o discipulado; ele o viveu, pagando o preço com sangue. Essa história nos leva direto ao coração de Lucas 14.25-35, onde Jesus, rodeado por uma multidão na Peréia, lança um desafio que corta como faca: “Quem não renuncia a tudo quanto possui não pode ser meu discípulo” (v. 33).
Uma estrada poeirenta, o sol queimando, e uma massa de pessoas seguindo o carpinteiro de Nazaré. Alguns buscavam milagres, outras curiosidades, mas Jesus não queria apenas seguidores, ele queria discípulos. Com parábolas simples e uma metáfora afiada sobre o sal, ele pergunta: “Você já calculou o preço?” Nesta lição, vamos descobrir que seguir o Mestre custa amor supremo, sofrimento real e desapego total. Não é um caminho fácil, mas é o único que leva à vida.
1. O Custo do Amor Supremo (v. 26)
O discipulado começa com um amor que coloca Jesus acima de tudo — família, amigos, até a própria vida. Em Lucas 14.26, ele diz: “Se alguém vier a mim e amar pai e mãe, mulher e filhos, irmãos e irmãs, e até a própria vida mais do que a mim, não pode ser meu discípulo.” Esse é o primeiro teste: onde está o centro do seu coração? Vamos explorar o que isso significa.
1.1 Um amor que redefine prioridades
João Calvino, em As Institutas (Livro II. Capítulo VIII. Seção VII), ensina que “Cristo não proíbe o amor natural, mas exige que seja subordinado ao amor por Deus.” Isso significa que Jesus não despreza os laços familiares ou os sentimentos que nutrimos por aqueles que amamos, mas nos convida a colocá-los na ordem certa. Quando fazemos de Cristo a prioridade em nossa vida, nossos afetos se alinham ao propósito divino. Essa é a essência do chamado de Lucas 14: amar Jesus acima de tudo e reconhecê-Lo como o verdadeiro soberano do nosso coração.
1.2 O perigo da idolatria disfarçada
O que realmente significa amar a Deus acima de tudo? Em meio às alegrias e desafios da vida, é fácil deixar que nossos relacionamentos ou até mesmo nossa própria existência ocupem o lugar que pertence somente a Ele. Foi essa reflexão que levou Agostinho a questionar, em Confissões (Livro X): “O que amo quando te amo, Senhor?” Quando colocamos qualquer coisa acima de Deus, corremos o risco de transformá-la em um ídolo. Em 2023, a missão Portas Abertas relatou que 360 milhões de cristãos enfrentaram perseguição, muitos sendo rejeitados por suas próprias famílias por escolherem seguir a Cristo. Esse dado mostra que o custo do amor supremo por Deus é real e atual, exigindo coragem para priorizar Cristo em todas as circunstâncias.
1.3 O exemplo dos mártires
O que estamos dispostos a perder por amor a Cristo? O apóstolo Paulo, ao compreender o valor incomparável de conhecer Jesus, declarou em Filipenses 3.8: “Tudo considera perda pela sublimidade do conhecimento de Cristo.” Esse amor supremo o levou a abrir mão de status, segurança e até da própria vida. Ao longo da história, muitos compartilharam dessa mesma entrega, como Policarpo, bispo de Esmirna, que, em 155 d.C., diante da ameaça de morte, recusou-se a negar Cristo e foi queimado vivo, afirmando: “Oitenta e seis anos servi a ele, e ele nunca me fez mal.” Esse amor inabalável não apenas fortalece nossa fé, mas também nos liberta para amar os outros da maneira correta, refletindo a glória de Deus em nossas vidas.
Além de Policarpo, muitos cristãos enfrentaram a morte por sua fidelidade a Cristo. Um exemplo marcante é Justino Mártir, um filósofo cristão do século II. Antes de ser decapitado em Roma, em 165 d.C., por se recusar a oferecer sacrifícios aos deuses romanos, declarou: “Ninguém que seja são troca a piedade pela impiedade”. Justino não apenas defendeu a fé diante dos pagãos, mas selou seu testemunho com o próprio sangue.
Perpétua, foi uma jovem nobre de Cartago, martirizada em 203 d.C. junto com sua escrava e amiga, Felicidade. Apesar da insistência de seu pai para que negasse a Cristo e salvasse sua vida, Perpétua permaneceu firme. No anfiteatro, enfrentou feras selvagens e, por fim, foi morta à espada. Antes de sua execução, escreveu um diário relatando suas visões e sua confiança em Cristo. Sua coragem ecoa até hoje, lembrando-nos que o amor supremo por Jesus nos capacita a enfrentar qualquer tribulação.
2. O Custo do Sofrimento Redentor (v. 27)
Seguir Jesus envolve carregar a cruz, um símbolo de morto e sacrifício. “Quem não leva a sua cruz e não me segue não pode ser meu discípulo” (v. 27). Esse sofrimento não é opcional; é a marca do verdadeiro discípulo em um mundo hostil.
2.1 A cruz como caminho de humilhação
O sofrimento por Cristo, muitas vezes incompreendido, é parte fundamental da caminhada cristã. Em sua obra Sobre a Liberdade Cristã, Martinho Lutero nos ensina que “a cruz não é a obra que escolhemos, mas o sofrimento que Deus nos guia a suportar”. No contexto romano, os condenados eram forçados a carregar a cruz em público, expostos à humilhação. Este ato de vergonha pública reflete o que Jesus nos desafia a fazer em Lucas 14: aceitar a cruz como parte do nosso chamado. Lutero nos lembra que o sofrimento por Cristo é uma obra divina, não uma escolha humana, um caminho que nos leva a refletir a vida e os ensinos do Mestre.
2.2 Sofrimento por causa de Jesus
O chamado de Jesus para o discipulado exige um comprometimento profundo, muitas vezes envolvendo sacrifícios e desafios. Em Marcos 8.34, Ele diz: “Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me”. Na China, por exemplo, cristãos enfrentam perseguições severas, sendo presos por participarem de cultos clandestinos, como reportado pela BBC em 2022. Esse tipo de sofrimento, por causa da fidelidade a Cristo, é o que realmente define o discipulado cristão, distinguindo-o das dificuldades comuns que todos enfrentam na vida. O sofrimento pelo Evangelho torna-se, assim, uma marca da verdadeira caminhada com Jesus.
2.3 A tentação de uma cruz confortável
A vida cristã exige uma entrega genuína, que muitas vezes envolve sofrimento e sacrifício. Tomás de Kempis, em sua obra Imitação de Cristo (I,9), nos alerta: “Sem humilde sujeição, não há descanso”. Muitos de nós buscamos suavizar o peso da cruz para evitar o confronto, mas isso é, na verdade, uma ilusão. Kempis nos desafia a rejeitar um evangelho diluído e a entender que somente através da cruz de Cristo podemos ser libertos do ego e encontrar verdadeira paz. É ao nos sujeitarmos humildemente à vontade de Deus que experimentamos descanso, mesmo nas adversidades.
3. O Custo do Desapego Total (v. 28-33)
Jesus usa as parábolas da torre e da guerra para ensinar que o discipulado exige renunciar a tudo. “Todo aquele que não renuncia a tudo quanto possui não pode ser meu discípulo” (v. 33). Vamos ver como calcular esse custo nos liberta.
3.1 Planejamento como o construtor avaliações
Ao refletirmos sobre o chamado cristão, somos desafiados a compreender a totalidade da soberania de Cristo em nossas vidas. Abraham Kuyper destaca essa verdade de forma poderosa: “Não há um centímetro quadrado em toda a criação sobre o qual Cristo não diga: ‘É meu!'” Essa compreensão nos leva a pensar na parábola do construtor tolo (Lucas 14:28-30), que começa seu projeto sem os recursos necessários e acaba fracassando. Kuyper nos lembra que tudo pertence a Cristo, e nosso desapego de bens materiais e ego é essencial. Devemos evitar o erro do entusiasmo vazio, lembrando que a verdadeira dedicação a Cristo exige entrega plena e profunda.
3.2 Rendição como o rei prudente
Ao considerarmos o chamado para uma vida de entrega total, somos desafiados a reconhecer que tudo em nossa existência tem um propósito maior. Colossenses 1:16 nos lembra: “Tudo foi criado por ele e para ele.” Esse entendimento reflete a escolha de um rei (Lucas 14:31-32), que prefere a paz em vez da derrota certa, um ato de sabedoria que revela que a rendição pode ser a verdadeira vitória. Durante a Reforma, os huguenotes2 franceses perderam seus bens por causa da fé, mas ganharam a vida eterna. Essa história nos ensina que, ao nos rendermos a Cristo, perdemos o controle para ganhar tudo, especialmente a verdadeira vida.
3.3 A liberdade da renúncia
O verdadeiro desapego, longe de ser uma perda, é na verdade um caminho para o autoconhecimento e a realização plena. C. S. Lewis escreve: “Entregue-se, e encontre seu verdadeiro eu” (Mero Cristianismo, p. 226). Ao nos desapegarmos, nos tornamos peregrinos nesta terra, não donos de tudo ao nosso redor. Esse processo nos alinha ao propósito de Deus, como ecoa o chamado radical de Lucas 14, que nos convida a seguir a Cristo de maneira irrestrita e a abraçar a jornada de fé, sem reservas, buscando o que é eterno e verdadeiro.
4. O Custo da Perseverança Campo (v. 34-35)
O discipulado não é um caminho fácil, mas exige constância e dedicação. Jesus nos lembra disso quando diz: “O sal é bom; mas, se perder o sabor, com que se há de restaurá-lo?” (v. 34). Se não perseverarmos, podemos perder o propósito para o qual fomos chamados, tornando-nos inúteis ao Reino de Deus. Assim como o sal é essencial para dar sabor, nossa fidelidade e perseverança são vitais para impactar o mundo ao nosso redor. A constância no discipulado é o que nos mantém firmes, produzindo frutos que glorificam a Deus.
4.1 O sal como missão divina
O cristão é chamado a ser um agente de transformação no mundo, com a missão de impactar e influenciar positivamente a sociedade. “Um cristão sem impacto é como sal sem sabor, Inútil para o Reino.” R. C. Sproul. Assim como o sal tem a capacidade de preservar e purificar, como vemos na aliança descrita em Levítico 2.13, o discípulo de Cristo tem a responsabilidade de manter sua fidelidade e cumprir seu propósito, trazendo luz e influência ao mundo. A verdadeira eficácia no Reino de Deus vem da nossa disposição de impactar a realidade ao nosso redor com os valores do evangelho.
4.2 O risco de tornar-se inutil
Estes versículos concluem um discurso poderoso de Jesus sobre o custo do discipulado (Lucas 14:25-33), onde ele usa linguagem forte e metáforas impactantes para estabelecer as exigências radicais de segui-lo. A metáfora do sal aparece como um epílogo que sintetiza todo o ensino anterior sobre a natureza do verdadeiro discipulado. Na época de Jesus, o sal tinha três funções principais:
- Conservação – em um mundo sem refrigeração, o sal era essencial para preservar alimentos
- Sabor – o sal era um tempero valioso que realçava o sabor dos alimentos
- Purificação – o sal era usado em rituais de purificação e como símbolo de aliança
No contexto judaico, o sal possuía um significado religioso especial. Em Levítico 2:13, todas as ofertas deviam ser temperadas com sal, chamado “sal da aliança”. Números 18:19 e 2 Crônicas 13:5 mencionam “aliança de sal” para descrever pactos perpétuos e invioláveis. O sal simbolizava pureza, preservação e compromisso duradouro.
A expressão “tornar insípido”, significando “tornar-se tolo, insensato, sem propósito”. Há um jogo de palavras sutil aqui: o sal que perde seu “sabor” também perde sua “sabedoria” ou propósito existencial.
A frase “não presta nem para a terra, nem para o esterco” é notável por sua construção. Jesus enfatiza a completa inutilidade do sal que perdeu sua qualidade essencial – ele não serve nem mesmo para a função mais básica de fertilizante para o solo. Na agricultura antiga, materiais descartados muitas vezes ainda tinham uso como adubo, mas o sal sem sabor não servia para absolutamente nada. A metáfora do sal se torna uma poderosa ilustração da natureza essencial do discipulado:
- Identidade Insubstituível: Assim como o sal tem uma natureza química específica que determina sua utilidade, o discípulo tem uma identidade definida por seu compromisso radical com Cristo. Perder esta identidade essencial significa perder todo o propósito.
- Perda Irreversível: Jesus pergunta retoricamente como restaurar o sabor do sal. A resposta implícita é que não pode ser restaurado – uma vez que o sal perde sua essência, a mudança é permanente e irreversível. Isto sublinha a seriedade da apostasia ou da diluição do compromisso.
- Inutilidade Total: O sal sem sabor é descrito como absolutamente inútil – nem mesmo serve como fertilizante. Da mesma forma, um “discipulado” superficial ou nominal não serve nem a Deus nem ao mundo. É uma crítica incisiva à religiosidade sem compromisso.
- Descarte Inevitável: Jesus conclui que tal sal “é lançado fora” – uma imagem sombria que ecoa suas palavras em outras passagens sobre o julgamento (como João 15:6 sobre os ramos que não dão frutos).
- Propósito Único: O sal só serve para ser sal. Não pode ser repurposado para outras funções quando perde sua salinidade. Similarmente, os discípulos são chamados a um propósito específico no Reino de Deus, não havendo alternativa ou meio-termo.
4.3 O chamado à fidelidade ativa
O verdadeiro discipulado vai além de palavras vazias; ele exige uma mudança de vida e compromisso genuíno. Em Lucas 14:35, Jesus exclama: “Quem tiver ouvidos, ouça!” O chamado de Cristo exige uma resposta ativa, não uma simples aceitação verbal. Perseverar na fé não é apenas professá-la, mas viver o custo que ela exige, com constância e ação. O discipulado é sobre traduzir o que cremos em atitudes diárias.
Conclusão
Seguir Jesus, como ensina Lucas 14.25-35, custe um amor que o coloca acima de tudo, um sofrimento que abraça a cruz, um desapego que renúncia ao mundo e uma perseverança que mantém o sabor do sal. Não há meio-termo: ou somos discípulos integrais, ou somos misturados de forma anônima. As parábolas nos mostram que decisões impulsivas levam ao fracasso, enquanto a metáfora do sal nos chama à fidelidade constante.
Pense em Corrie ten Boom,3 uma cristã holandesa que, durante a Segunda Guerra Mundial, escondeu judeus dos nazistas. Presa em um campo de concentração, ela perdeu a família, mas manteve a fé, dizendo: “Não há poço tão fundo que o amor de Deus não seja mais profundo.” Sua vida prova que o preço do discipulado é alto, mas seu fruto é eterno. Hoje, diante de um cristianismo muitas vezes diluído, Jesus nos pergunta: “Você está disposto a pagar?” A resposta é clara: só quem carrega a cruz até o fim conhece o Mestre. Não há outra opção — é tudo ou nada.
Aplicação
O que você vai fazer com esse chamado? Não fique na multidão, escondido nas sombras. Hoje, olhe para sua vida: há algo, família, bens, conforto, que você ama mais que Jesus? Se sim, entregue isso a ele em oração, pedindo coragem para priorizá-lo. Aceite o sofrimento que vem de segui-lo, talvez a crítica de um colega ou a perda de status, sabendo que a cruz é o caminho da vida. Desapegue-se: faça algo que você valoriza, viva com menos, confie que tudo é dele. E persevere, não seja sal insípido; viva sua fé com ousadia, influenciando outros para Cristo. Ele vale mais que a vida, então viva por ele, custe o que custar.
Somente Cristo! Pr. Reginaldo Soares.
Referências Bibliográficas
- Agostinho de Hipona. Confissões . Trad. Maria Helena de Oliveira. São Paulo: Paulus, 1997.
- Bonhoeffer, Dietrich. Cartas da Prisão . Trad. Rute Zerbinato. São Paulo: Mundo Cristão, 2010.
- Calvino, João. As Institutas da Religião Cristã . Trad. Waldyr Carvalho Luz. São Paulo: Cultura Cristã, 2006.
- Edwards, Jonathan. Resoluções . Recife: CLIRE, 2018.
- Kempis, Tomás de. Imitação de Cristo . Trad. Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2004.
- Kuyper, Abraham. Palestras sobre Calvinismo . Grand Rapids: Eerdmans, 1931.
- Lewis, CS Mero Cristianismo . Trad. Márcio Loureiro Redondo. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
- Lutero, Martinho. Sobre a Liberdade Cristã . Trad. Martin N. Dreher. São Leopoldo: Sinodal, 1984.
- Sproul, RC A Santidade de Deus . Carol Stream: Tyndale House, 1998.
- Ten Boom, Corrie. O Refúgio Secreto . Trad. Emirson Justino. São Paulo: Vida, 2005.
- Dietrich Bonhoeffer (1906-1945) foi um teólogo luterano alemão, pastor e resistente ao nazismo. Defensor da ética cristã, criticou Hitler e ajudou judeus perseguidos. Autor de Discipulado e Vida em Comunhão, enfatizou a graça custosa. Preso em 1943, foi executado em 1945 por sua participação na conspiração contra Hitler. ↩︎
- Os huguenotes foram protestantes franceses que seguiram a fé reformada no século XVI, influenciados pelas ideias de João Calvino. Enfrentaram intensa perseguição religiosa por parte da monarquia católica e da Igreja Católica, culminando em massacres, como o de São Bartolomeu, em 1572. Apesar das dificuldades, os huguenotes se espalharam por várias regiões da França, e alguns buscaram refúgio em países protestantes. A luta deles teve grande impacto no desenvolvimento da Reforma na França, e a perseguição aos huguenotes culminou no Édito de Nantes (1598), que garantiu direitos civis e religiosos temporários. ↩︎
- Corrie ten Boom (1892-1983) foi uma cristã holandesa conhecida por sua coragem durante a Segunda Guerra Mundial, quando ela e sua família esconderam judeus em sua casa para protegê-los dos nazistas. Ela foi presa e enviada para um campo de concentração, onde sofreu abusos, mas sobreviveu. Após a guerra, Corrie se dedicou ao ministério, compartilhando sua experiência de perdão e fé. Ela escreveu o livro O Refúgio Secreto, que conta sua história e a de sua família. Corrie dedicou sua vida a ajudar os necessitados e a promover a reconciliação, sendo reconhecida mundialmente por seu exemplo de fé e perdão. ↩︎

Meu chamado para o ministério pastoral veio em 1994, sendo encaminhado ao conselho da Igreja Presbiteriana (IPB) em Queimados e em seguida ao Presbitério de Queimados (PRQM). Iniciei meus estudos no ano seguinte, concluindo-os em 1999. A ordenação para o ministério pastoral veio em 25 de junho de 2000, quando assumi pastoreio na IPB Inconfidência (2000-2003) e da IPB Austin (2002-2003). Desde de 2004 tenho servido como pastor na Igreja Presbiteriana em Engenheiro Pedreira (IPEP), onde sigo conduzido esse amado rebanho pela graça de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Sou casado há 22 anos com Alexsandra, minha querida esposa, sou pai de Lisandra e Samantha, preciosas bênçãos de Deus em nossas vidas. Me formei no Seminário Teológico Presbiteriano Ashbel Green Simonton, no Rio de Janeiro, e consegui posteriormente a validação acadêmica pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pela bondade de nosso Senhor, seguimos compartilhando fé, amor e buscando a cada dia crescimento espiritual. Somente Cristo!