NÃO CONFORMADOS: Resistindo à modelagem cultural
“E não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.” Romanos 12:2.
O Grande Sequestro
Suponhamos que você tenha sido sequestrado. Não por bandidos comuns que exigem resgate, mas por educadores extraordinariamente gentis e bem-intencionados. Eles não o acorrentam em um porão escuro, mas o instalam em uma sala confortável com livros interessantes, boa comida e companhia agradável. Não o ameaçam com violência, mas o seduzem com argumentos razoáveis. Não exigem que você abandone imediatamente suas convicções, mas sugerem, sempre com um sorriso educado, que suas crenças são, talvez, um pouco “antigas”, um pouco “estreitas”, certamente não adequadas para uma pessoa inteligente como você.
Se o sequestro durasse apenas um dia, você manteria firmemente suas convicções. Se durasse uma semana, você começaria a questionar alguns pressupostos. Mas se durasse anos, décadas? Quem seria você ao final? Ainda reconheceria a si mesmo?
Este não é um cenário hipotético ou uma metáfora rebuscada. É, de fato, a situação em que cada cristão se encontra neste exato momento. Francis Schaeffer, tinha olhos para ver além das camadas superficiais da cultura, ele observou que “toda cosmovisão busca capturar o coração antes de capturar a mente.” Nossas mentes não são fortalezas invulneráveis, mas jardins permeáveis, constantemente irrigados pelas águas culturais que nos cercam.
Assim como os jovens hebreus na corte de Nabucodonosor – Daniel e seus companheiros – estamos diariamente imersos em forças que, com extraordinária sutileza e persistência, trabalham para deletar nossa identidade cristã. A diferença é que nossos “educadores babilônicos” não usam roupas estrangeiras facilmente identificáveis, mas vestem-se como nós, falam nossa língua e frequentemente professam valores semelhantes aos nossos, pelo menos na superfície.
A Ilusão da Neutralidade
“Toda educação é evangelização”. O educador sempre busca criar um convertido, alguém que veja o mundo através das mesmas lentes que ele próprio usa. Não existe educação “objetiva” ou “neutra”, assim como não existe um ponto no universo que não esteja sob a influência gravitacional de algum corpo celeste.
Nosso erro, talvez o mais perigoso, é imaginar que certas áreas da vida, medicina, engenharia, contabilidade, esportes, são zonas “seguras” onde nossa fé pode descansar tranquilamente, sem ser desafiada. Como se apenas a filosofia, a teologia e as artes exigissem vigilância espiritual! Esta é a mesma ingenuidade que levaria um soldado a acreditar que apenas certos setores do campo de batalha contêm inimigos.
A cosmovisão secular não usa tambores e trombetas para anunciar sua chegada. Ela se infiltra nas suposições não examinadas, nos pressupostos “óbvios”, nas pequenas concessões que parecem inofensivas. Ela sussurra que o sucesso profissional é a medida primária do valor humano, que o acúmulo de bens materiais é o significado real da “boa vida”, que a felicidade individual supera qualquer outro compromisso. E o faz não através de argumentos explícitos, mas através das histórias que nossos filmes contam, das imagens que nossa publicidade celebra, e dos heróis que nossa cultura venera.
Como nos advertiu o velho Herbert Butterfield em sua “Cristianismo e História”: “Não são as crenças que professamos explicitamente que mais profundamente moldam nosso pensamento, mas os pressupostos que nem sequer percebemos que estamos fazendo.”
O Daniel Moderno
Considere aquela notável passagem sobre Daniel: “Mas resolveu Daniel, firmemente, não contaminar-se com as finas iguarias do rei, nem com o vinho que ele bebia.” Observem o paradoxo fascinante! Daniel aceitou o nome babilônico (Beltessazar), recebeu educação babilônica, trabalhou para o governo babilônico, mas traçou uma linha rígida na questão da comida e bebida.
Não há nada inerentemente pecaminoso em carnes ou vinhos babilônicos – nenhuma lei mosaica específica os proibia. Como João Calvino astutamente observou, esta abstinência era um lembrete deliberado, uma âncora para a identidade de Daniel em terra estrangeira. Cada refeição se tornava um momento de reconsagração, uma declaração silenciosa mas poderosa: “Posso estar na Babilônia, mas não sou da Babilônia.”
Onde estão as “finas iguarias” de nossa moderna Babilônia? Certamente não apenas nas coisas obviamente pecaminosas, que qualquer cristão medianamente instruído rejeitaria instintivamente. Não, as tentações mais perigosas vêm envolvidas em embalagens sofisticadas, legitimadas por vozes respeitáveis e celebradas pela cultura dominante. Considere os sutis pressupostos que talvez nem percebamos que absorvemos:
Que o tempo não é primariamente um recurso econômico, mas um dom sagrado. Que a segurança financeira não é mais importante que a fidelidade vocacional. Que o maior bem para nossos filhos não é uma carreira lucrativa, mas uma alma íntegra.
Não são advertências contra bebidas alcoólicas ou jogos de azar que nossos alertas devem apontar (embora esses avisos tenham seu lugar), mas um chamado para examinar as suposições não questionadas que moldam silenciosamente nossas prioridades, decisões e sonhos. Como escreveu George Herbert em seu poema “The Elixir”:
“Ensina-me, meu Deus e Rei,
Em todas as coisas a Ti ver,
E o que faço em qualquer coisa,
Fazê-lo como para Ti.”
A Penetração Imperceptível
Jonathan Edwards, viu mais profundamente do que muitos de seus contemporâneos quando advertiu que “o maior perigo para o povo de Deus não vem da perseguição explícita, mas da sedução sutil de uma cosmovisão mundana.”
Observem a sabedoria aqui! Edwards entendeu o que muitos de nós ainda não percebemos: que o martírio abrupto pela espada fortalece mais facilmente a fé do que a lenta erosão causada pela aceitação social e pelo conforto material. Os cristãos primitivos, enfrentando leões nos coliseus romanos, sabiam precisamente onde estava o inimigo. Nós, cercados por Netflix, cartões de crédito e mídias sociais, frequentemente não reconhecemos a batalha até já estarmos derrotados.
A conformidade se infiltra gradualmente, quase imperceptivelmente, como a maré subindo na praia, não um dilúvio repentino, mas uma sucessão de pequenas ondas, cada uma avançando um pouco mais sobre a areia. Como disse o velho Charles Spurgeon, com aquela clareza que o caracterizava: “Uma igreja que é amiga do mundo é inimiga de Deus.” Esta não é uma afirmação original de Spurgeon, é claro, mas um eco fiel das palavras de Tiago: “Adúlteros e adúlteras, não sabeis vós que a amizade do mundo é inimizade contra Deus?” (Tiago 4:4).
A Revolução da Mente
Paulo nos oferece não apenas um diagnóstico, mas também um tratamento: “transformai-vos pela renovação da vossa mente.” Observem que não se trata meramente de modificar comportamentos específicos, mas de uma reorientação completa de nosso pensamento. A mente – aquele órgão que percebe, interpreta e avalia a realidade – deve experimentar não uma pequena atualização, mas uma revolucionária renovação.
A Confissão de Westminster, com sua habitual precisão teológica, nos recorda que “o principal fim do homem é glorificar a Deus e gozá-lo para sempre.” Esta afirmação clássica não é apenas um bonito pensamento para bordar em almofadas; é uma declaração radical e reorientadora sobre o propósito fundamental da existência humana. Se nossa principal razão de viver não é a acumulação de experiências agradáveis, segurança financeira ou reconhecimento social, mas a glorificação e fruição de Deus, então cada decisão, desde a escolha de carreira até os hábitos de consumo, deve ser reavaliada à luz desta verdade divina.
Renovar a mente significa recalibrar constantemente nosso pensamento segundo as coordenadas bíblicas. Significa, como escreveu Paulo em outro lugar, “levar cativo todo pensamento à obediência de Cristo” (2 Coríntios 10:5). Não se trata apenas de pensar em coisas cristãs, mas de pensar cristãmente sobre todas as coisas.
Abraham Kuyper, que foi simultaneamente teólogo, editor de jornal, primeiro-ministro e fundador de universidade, compreendeu precisamente este ponto quando declarou: “Não há um centímetro quadrado em todo o domínio da existência humana sobre o qual Cristo, que é soberano sobre tudo, não clame: ‘É meu!'”
Nossa cosmovisão cristã não é um compartimento de nossa vida, como religião, hobbies ou preferências políticas. É a lente através da qual percebemos e interpretamos toda a realidade. É o mapa que usamos para navegar em cada território da existência humana.
Peregrinos Vigilantes
Pedro nos lembra que somos “forasteiros e peregrinos” neste mundo (1 Pedro 2:11). Esta metáfora não é mera retórica piedosa, mas uma descrição precisa de nossa condição existencial. O peregrino não odeia a terra por onde caminha – ele aprecia suas belezas, respeita seus habitantes, cumpre suas leis justas. Mas também nunca esquece que está apenas de passagem; seu coração e lealdade pertencem a outro lugar.
O peregrino caminha com uma consciência dupla: plenamente presente onde seus pés tocam o chão, mas interiormente orientado para um destino além do horizonte visível. Ele não constrói monumentos permanentes nem acumula mais posses do que pode carregar. Ele não se torna hostil aos nativos, mas também nunca abandona os costumes e valores de sua verdadeira pátria.
Ser peregrino não significa isolamento paranóico nem assimilação ingênua, mas uma terceira via: presença fiel e envolvimento crítico. Como escreveu Agostinho em sua “Cidade de Deus”, existimos simultaneamente como cidadãos de duas cidades – a Cidade de Deus e a Cidade dos Homens. Não podemos escapar dessa dualidade enquanto vivemos neste “vale de lágrimas”, como diz o antigo hino.
Quais seriam as perguntas que um peregrino vigilante deveria fazer regularmente? O texto sugere algumas excelentes:
- Seus relacionamentos refletem princípios bíblicos ou padrões culturais?
- Suas decisões profissionais e financeiras são motivadas principalmente pela segurança material ou pelo desejo de servir ao Reino de Deus?
- Suas perspectivas sobre família, educação e futuro estão alinhadas com valores eternos ou temporais?
Estas não são perguntas para responder apressadamente, mas para contemplar regularmente, talvez durante aqueles momentos matinais com as Escrituras e café, ou nas longas caminhadas solitárias quando nossos pensamentos têm espaço para respirar.
Como Daniel, precisamos “resolver firmemente” não nos contaminar. Observe a linguagem aqui – não um vago desejo ou uma esperança piedosa, mas uma resolução firme, uma linha clara e deliberada. O texto enfatiza: “A resistência pode começar com pequenos atos de não-conformidade – escolhas cotidianas que afirmam nossa lealdade primária ao Reino de Deus.”
Que pequenos atos de resistência poderiam marcar seu caminho como peregrino hoje? Talvez seja limitar o tempo consumido com entretenimento para criar espaço para oração. Talvez seja escolher uma carreira que ofereça menos recompensa financeira mas mais oportunidade para serviço significativo. Talvez seja questionar os pressupostos educacionais que formam seus filhos, sem jamais esquecer que eles são primariamente herança do Senhor, não projetos de seus pais.
A Presença Transformadora
O apóstolo João escreveu: “Não ameis o mundo nem as coisas que há no mundo. Se alguém amar o mundo, o amor do Pai não está nele” (1 João 2:15). Esta advertência não é um chamado para odiar a criação de Deus, mas para rejeitar o mundanismo – o sistema de valores, prioridades e pressupostos que ignora ou rejeita a soberania de Deus.
Nossa resistência à conformidade cultural não tem como objetivo principal preservar alguma forma de “pureza abstrata”. O propósito mais elevado é sermos uma presença transformadora, sal e luz, fermento na massa. A não-conformidade não é o fim, mas o meio; o fim é a transformação do mundo segundo os valores do Reino de Deus.
Como o Mestre nos ensinou através de parábolas – aquelas pequenas bombas narrativas que explodem nossas categorias convencionais – o Reino vem não como conquista imperial, mas como fermento na massa, como semente de mostarda, como tesouro escondido que transforma o valor de todo o campo. Nossa resistência à moldagem cultural não é uma retirada raivosa do mundo, mas uma forma alternativa de presença – nem assimilação nem isolamento, mas transformação.
“Senhor Deus, confessamos que muitas vezes somos moldados mais pelo mundo que nos cerca do que pela Tua Palavra. Perdoa-nos por adotarmos cosmovisões que contradizem Teus princípios eternos. Como Daniel na Babilônia, ajuda-nos a resolver firmemente não nos contaminar, mesmo vivendo em uma cultura que constantemente desafia nossa identidade cristã. Renova nossas mentes pelo Teu Espírito, para que possamos discernir Tua vontade boa, agradável e perfeita em cada área de nossas vidas. Em nome de Jesus Cristo, amém.”
Somente Cristo! Pr. Reginaldo Soares.
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Meu chamado para o ministério pastoral veio em 1994, sendo encaminhado ao conselho da Igreja Presbiteriana (IPB) em Queimados e em seguida ao Presbitério de Queimados (PRQM). Iniciei meus estudos no ano seguinte, concluindo-os em 1999. A ordenação para o ministério pastoral veio em 25 de junho de 2000, quando assumi pastoreio na IPB Inconfidência (2000-2003) e da IPB Austin (2002-2003). Desde de 2004 tenho servido como pastor na Igreja Presbiteriana em Engenheiro Pedreira (IPEP), onde sigo conduzido esse amado rebanho pela graça de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Sou casado há 22 anos com Alexsandra, minha querida esposa, sou pai de Lisandra e Samantha, preciosas bênçãos de Deus em nossas vidas. Me formei no Seminário Teológico Presbiteriano Ashbel Green Simonton, no Rio de Janeiro, e consegui posteriormente a validação acadêmica pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pela bondade de nosso Senhor, seguimos compartilhando fé, amor e buscando a cada dia crescimento espiritual. Somente Cristo!
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