THUNDERBOLTS* E O VAZIO DA ALMA
“Quando você olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você” – Friedrich Nietzsche
O Vazio Que Nos Contempla
O filme Thunderbolts da Marvel apresenta muito mais que uma simples história de anti-heróis. Ele oferece uma profunda metanarrativa sobre o vazio existencial que habita em cada um de nós. A frase de Nietzsche citada acima se aplica perfeitamente a esta produção cinematográfica que, mesmo surgindo numa fase de perda de expectativas e desesperança para o estúdio, consegue trazer à tona questões filosóficas e teológicas sobre os abismos que todos nós possuímos.
Assim como os personagens do filme, muitos de nós fixamos os olhos por muito tempo em nossos próprios abismos internos. Por vezes, precisamos apenas de um vislumbre esperançoso para nos afastarmos destes vazios existenciais – um respiro suficiente que nos dê fôlego para mais um dia, mesmo em meio a lutas aparentemente insuperáveis.
O Fim da Era dos Super-Soldados: A Realidade dos Párias
No universo cinematográfico da Marvel, a era dos super-soldados chegou ao fim. Aquela fase de pessoas que, após serem desprezadas, superavam a si mesmas e se tornavam heróis e heroínas parece não mais existir. O que temos agora em Thunderbolts é um grupo de degenerados, párias – indivíduos que o mundo desprezaria e que operam nas sombras sem jamais receberem o devido reconhecimento, personagens que carregam um abismo profundo.
Nietzsche e o Abismo: A Busca pelo Sentido
O pensamento de Nietzsche se relaciona intimamente com a temática de Thunderbolts, pois aborda o questionamento interno sobre a relação entre o ser humano e o vazio existencial. Para o filósofo alemão, a pessoa que busca incessantemente um propósito absoluto acabará se deparando, mais cedo ou mais tarde, com o abismo da falta de sentido.
No contexto específico da busca por identidade, Nietzsche sugere que, ao confrontar esse abismo interior, o indivíduo é transformado em sua essência e em sua percepção de si mesmo. São indivíduos que, como os personagens do filme, buscam um sentido na vida, mas se veem presos a uma rotina meramente automática, sem propósito, sem razão.
Este dilema não é exclusivo de Helena ou Walker. Talvez seja também o seu dilema: sentir-se preso a uma busca interminável, como se corresse numa esteira em um quarto vazio, sempre tentando alcançar um destino que nunca chega. Sem fôlego, sem rumo, cansado, sobrecarregado – isso é o abismo te olhando de volta, sugando todo o propósito de sua existência.
A União dos Sem Sentido: Uma Narrativa Moderna
A equipe dos Thunderbolts surge pela união daqueles sem sentido, sem propósito e sem ninguém. Nenhuma narrativa poderia ser mais contemporânea que esta. São personagens descartáveis que poderiam morrer sem que o mundo sequer notasse que um dia existiram.
Esta realidade ressoa profundamente conosco. Mesmo tendo Jesus, tendo religião e fé, não são poucos os que se confrontam com esse terrível vazio existencial. Quantos de nós já pensamos que somos irrelevantes para o mundo? Que somos invisíveis? Que não fazemos diferença para nada nem para ninguém?
A pergunta que emerge é angustiante: “Se posso morrer e ninguém se lembrará de mim, qual é o sentido de estar vivo?”
Bob e o Sentinela: O Abismo Personificado
Este conflito existencial se materializa no personagem Bob, também conhecido como o Sentinela. Bob se entrega a empregos vergonhosos e às drogas porque o abismo o transformou e o consumiu. Incapaz de lidar com os abusos sofridos na infância, ele se retrai e se fecha em si mesmo, como alguém preso num labirinto – semelhante ao hamster que Helena observa no laboratório.
Contudo, diferentemente do hamster, não há ninguém para resgatá-lo. Bob se voluntaria para um experimento secreto promovido por Valentina, buscando uma autossuperação, mas acaba caindo no esquecimento total, tanto dos que lhe prometeram melhorias quanto de si mesmo. Esta é talvez a pior forma de esquecimento: quando nos esquecemos de nós mesmos.
Ao despertar do experimento, ele se lembra apenas que continua sendo Bob. Apenas Bob. No entanto, descobrimos que o experimento surtiu efeito: Bob não é mais apenas Bob, ele é o Sentinela – uma espécie de deus naquele universo, capaz de derrotar todos os Vingadores sem qualquer dificuldade.
O Void: A Ausência Total de Significado
Quando Valentina tenta “desligar” Bob, tratando-o como uma simples máquina (assim como trata todos aqueles que deseja controlar), algo pior surge: o Void (Vazio).
O termo “void” em inglês não significa apenas vácuo (vacuum). “Void” representa a ausência total de tudo – o absoluto vazio. Este vazio é o nada que nos transforma e que, na expressão nietzschiana, é o abismo potencializado através de um indivíduo que passa a viver automaticamente, cumprindo funções e obedecendo rotinas, mas sem engajamento real ou conexão existencial com suas ações.
No filme, o Sentinela se transforma no Void, e ele não é simplesmente escuro – é como se alguém tivesse recortado uma parte do cenário. Ao contemplá-lo, vemos literalmente um abismo, o vazio absoluto e total.
Tolstoy e o Abismo: A Ruína à Frente
Leo Tolstoy também abordou esse modo de viver automatizado e sem sentido. Em sua “Confissão”, o autor russo escreveu:
“Parecia que eu tinha vivido e andado para lá e para cá até chegar à beira de um abismo, e via com clareza que não havia nada na minha frente, a não ser a ruína. E é impossível parar, é impossível voltar, é impossível fechar os olhos e deixar de ver que não existe nada à frente, a não ser a ilusão da vida, da felicidade, os sofrimentos verdadeiros e a morte verdadeira. A aniquilação completa.”
Pode-se complementar Tolstoy afirmando que, numa existência sem sentido, o que sempre estará à frente é o void, o vazio.
Encarando Nossos Traumas: O Poder Destruidor do Void
Em Thunderbolts, o Void representa tudo aquilo que o abismo suga, tudo o que queremos esquecer e deixar para trás, continuando a viver como se tais coisas não existissem. Como Helena menciona ao ver Bob pela primeira vez, esse vazio, à medida que traz à tona nossos traumas, nos afunda na impotência, representando o destino de uma pessoa sem propósito além desta vida.
Quando o Void surge, ele toma conta da cidade. As pessoas são tragadas uma a uma, tornando-se o próprio vazio. A destruição física provocada é mínima comparada ao apagamento do indivíduo que ele causa – o abismo olhando de volta de forma literal.
Bob é essa pessoa bipolar, dividida entre a apoteose do Sentinela e o vazio existencial do Void, que o mantém como uma criança presa no sótão, revivendo constantemente os abusos do pai, impotente e confinado ao pior dos quartos.
A Solução Nietzschiana: Criar Seu Próprio Sentido
Retornando a Nietzsche, ele sugere que o vazio é superado quando o indivíduo aceita a ausência de verdades eternas e, a partir desse reconhecimento, torna-se o criador de seus próprios valores, transformando a existência em uma obra própria. Para Nietzsche, não há sentido inerente à vida – apenas aquele que nós mesmos atribuímos a ela. Perceber isso é doloroso, mas a resposta está em criar um sentido pessoal.
No filme, isso se manifesta quando os personagens tomam o nome “Thunderbolts” – originalmente o nome de um time que nunca venceu sequer uma partida – e o transformam no nome de uma equipe de degenerados que, mesmo limitados, fazem o que podem. O nome é ressignificado. Suas habilidades, que se destacavam entre os normais, parecem inúteis naquela equipe, mas eles fazem o que está ao seu alcance.
O Poder da Comunidade: Superando o Vazio Juntos
Thunderbolts nos mostra que todos os personagens carregam um abismo dentro de si – um void na própria alma. Contudo, também nos mostra que sozinhos não conseguimos superar esse vazio.
A mensagem é clara: superamos o poço da falta de significado quando nos apoiamos naqueles ao nosso redor. Vemos isso quando Helena, Walker, Eva e Bob estão no poço e, mesmo tendo tentado se matar momentos antes, precisam apoiar os pés nas paredes e as costas uns nos outros para subir passo a passo – uma ilustração óbvia do apoio mútuo para superar dificuldades.
Ou então quando Helena percebe que não tem força para derrotar o Void, e que só uma pessoa poderia vencê-lo: o próprio Bob. Ela adentra o vazio de Bob para ser uma presença ativa, concedendo-lhe significado existencial para que consiga sair de seu próprio abismo. Helena revive seus traumas, atravessa paredes e enfrenta suas dores em nome do outro, lutando contra o próprio vazio para libertar Bob do dele.
Ela o vê através de um espelho e invade aquele sótão-refúgio de trauma. O espelho, símbolo de autocontemplação, prendia Bob numa imagem sem correspondência com a realidade. Bob estava preso na imagem que tinha de si mesmo: uma pessoa fraca e desprezível, cujo melhor destino seria permanecer calado no sótão, condenado a uma eternidade de sofrimento.
No entanto, Helena só consegue resgatar Bob quando os outros também adentram o vazio e, juntos, o abraçam para tirá-lo de lá – e, consequentemente, tirarem a si mesmos. O paralelo com a cena do poço é evidente: foi Bob quem sugeriu que escalassem apoiando-se uns nos outros, e agora é Helena quem convoca a equipe para resgatá-lo, unindo todos.
A Força da Liderança Compartilhada
Alexei diz para Helena: “Você queria ser a goleira do time não porque não queria correr muito, mas porque me disse: ‘Eu quero ser alguém em quem o time pode confiar se todos falharem'”. É uma mensagem poderosa sobre confiabilidade e responsabilidade.
Helena, como líder dos Thunderbolts, demonstra que liderança não é agir sozinha, mas chamar os companheiros à ação. Ela se mostra confiável, mas também aprende que não pode resolver tudo sozinha. Como diz a música tema do filme, “Not Gonna Stop Us Now”:
“Deixem dizerem que estamos loucos. Não me importo com isso. Coloque a sua mão na minha mão. Meu bem, não olhe mais para trás. Nós podemos fazer isso se somos de coração para coração. Nós podemos construir este sonho juntos, permanecendo fortes para sempre. Nada vai nos parar.”
A Criação de Significado Através da Ajuda Mútua
A criação de significado em Thunderbolts ocorre por meio da ajuda mútua. Para Nietzsche, é apenas quando o indivíduo atinge esse patamar de criação de significado que ele se torna o “Übermensch” (Super-homem).
Entretanto, a resposta nietzschiana se constrói sobre uma premissa explicitamente anticristã e falsa. Nietzsche não percebe que o que ele propõe é corresponder ao olhar do abismo. O Super-homem nietzschiano é uma antítese de Cristo.
Em sua obra “O Anticristo”, Nietzsche afirma: “Bom é tudo que aumenta no homem a sensação de poder, a vontade de poder, o próprio poder. O mal é tudo que se origina na fraqueza.” Para ele, a felicidade é “a sensação de que o poder aumenta, de que uma resistência foi superada”, e a compaixão cristã posta em prática é “mais nociva que qualquer vício”.
A Perspectiva Cristã: Força na Fraqueza
Nietzsche compreendeu bem o cristianismo ao perceber que, para os cristãos, a fraqueza é força. Ele apenas odeia profundamente aquilo que somos. Os cristãos reconhecem que os valores e forças do mundo não representam nossos valores e forças.
O erro fundamental de Nietzsche foi tentar construir uma racionalidade à parte de Deus. Como ensina Francis Schaeffer, Nietzsche foi o primeiro homem que proclamou no sentido moderno que “Deus está morto”. Porém, se Deus está morto, então tudo está perdido.
A Resposta Bíblica para o Vazio
Precisamos nos voltar para Deus e para a Bíblia em busca da melhor resposta para aquilo que os Thunderbolts buscavam – uma resposta para Bob, para Nietzsche, e para você que está há muito tempo consumido por esse vazio.
A Bíblia nos ensina que essa sensação de vazio é consequência da Queda, da perda do relacionamento com Deus. Quando o casal primordial tentou se elevar à divindade, encontrou desumanidade. Perderam Deus, perderam um ao outro e perderam a si mesmos. O vazio adentrou a criação e nos consome em tudo que somos, “O vazio no homem é do tamanho de Deus”.
Cristo: A Esperança no Abismo
Há esperança, no entanto. Não apenas a esperança no outro que nos ajudará, embora o apoio mútuo seja fundamental para superarmos nossos vazios. O que realmente precisamos é de alguém de fora do poço do pecado que venha nos resgatar. Alguém que adentre o vazio para nos tirar dele. Uma luz que resplandeça nas trevas. Essa esperança, essa pessoa que pode nos tirar do poço, é Cristo.
Felizmente, Tolstoy não encerrou sua jornada contemplando o vazio. Em sua “Confissão”, ele narra como encontrou Cristo, afirmando: “Cheguei à fé porque fora da fé eu não encontrei nada, rigorosamente nada, senão destruição.”
Cristo vive no meio dos cansados e sobrecarregados. Cristo cura. Cristo chama. Cristo segura nossas mãos para que vivamos os sonhos de Deus e habitemos o mundo que o Pai construirá. Ele morre, mas a morte não o vence. Ele ressuscita e assim vence o vazio.
Ele é nosso cais no porto. Ele é nosso Sentinela, no qual não há sombra alguma. Ele é quem transforma nossos abismos num caminho para o céu. Ele é quem confere sentido à nossa existência e dá significado ao amor ao próximo.
O Sentido da Vida em Cristo
Como afirma Viktor Frankl, “a busca do indivíduo por um sentido é a motivação primária na sua vida”. Baseados em nossa fé, podemos afirmar que o sentido maior dessa existência é Cristo, que:
- Encarna como um rejeitado
- É crucificado como um desprezível
- Ressuscita em poder
- Retornará em glória
Mesmo que vaguemos por vales da sombra da morte, Ele é o bom pastor que nos guia. Ele é a voz da esperança. Ele é o braço forte que nos sustenta. Ele é o acalento para todo sofrimento. Ele é a vitória sobre o mundo de aflições. Ele é a luz que resplandece no vazio. Ele é quem o vazio não consegue tragar.
É com Ele que podemos contar quando todos falharem, porque Ele é “o socorro bem presente no momento da aflição” (Salmos 46:1). Thunderbolts é um filme que, além do entretenimento, nos oferece profundas reflexões sobre o vazio existencial e a esperança que encontramos em comunidade e, acima de tudo, em Cristo.
O que o filme Thunderbolts tem a ver com teologia?
Thunderbolts aborda temas profundamente teológicos como o vazio existencial, a busca por significado, redenção e o poder da comunidade – todos temas centrais na teologia cristã que refletem nossa condição humana caída e nossa necessidade de salvação e relacionamento com Deus e com o próximo.
Como a perspectiva cristã difere da visão nietzschiana sobre o vazio?
Enquanto Nietzsche propõe que criemos nosso próprio significado diante do vazio existencial, a perspectiva cristã ensina que o vazio é preenchido por Cristo, que o significado já existe em Deus, e que nossa realização vem ao nos submetermos a Ele em vez de tentarmos ser deuses de nós mesmos.
Como podemos aplicar as lições de Thunderbolts em nossa vida espiritual?
Podemos reconhecer que, assim como os personagens do filme, todos carregamos vazios e traumas, mas não precisamos enfrentá-los sozinhos. A comunidade cristã e, ultimamente, Cristo são essenciais para nossa cura e para encontrarmos propósito. Também aprendemos que nossas fraquezas, quando entregues a Deus, podem se tornar forças, contrariando a lógica do mundo.
Somente Cristo! Pr. Reginaldo Soares.
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Meu chamado para o ministério pastoral veio em 1994, sendo encaminhado ao conselho da Igreja Presbiteriana (IPB) em Queimados e em seguida ao Presbitério de Queimados (PRQM). Iniciei meus estudos no ano seguinte, concluindo-os em 1999. A ordenação para o ministério pastoral veio em 25 de junho de 2000, quando assumi pastoreio na IPB Inconfidência (2000-2003) e da IPB Austin (2002-2003). Desde de 2004 tenho servido como pastor na Igreja Presbiteriana em Engenheiro Pedreira (IPEP), onde sigo conduzido esse amado rebanho pela graça de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Sou casado há 22 anos com Alexsandra, minha querida esposa, sou pai de Lisandra e Samantha, preciosas bênçãos de Deus em nossas vidas. Me formei no Seminário Teológico Presbiteriano Ashbel Green Simonton, no Rio de Janeiro, e consegui posteriormente a validação acadêmica pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pela bondade de nosso Senhor, seguimos compartilhando fé, amor e buscando a cada dia crescimento espiritual. Somente Cristo!
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