“A honra do outro é a integridade do meu próprio caráter.”
Tiago 3:7-12. “Ninguém domestica a língua. É um mal irrequieto, cheio de veneno mortal. Com ela bendizemos ao Senhor e Pai, e com ela amalçoamos os homens, feitos à imagem de Deus. Da mesma boca saem bênção e maldição. Meus irmãos, não convém que essas coisas sejam assim. Será que a fonte lança do mesmo orifício água doce e água amarga? Acaso, a figueira pode produzir azeitonas, ou a videira, figos? Também uma fonte de água salgada não pode produzir água doce.”
RESOLUÇÃO 16. “Resolvo nunca falar mal de ninguém, de forma que resulte em sua desonra, nem que seja minimamente.”
A língua — Benção e Ruína
Há uma contradição perturbadora que habita cada um de nós: a mesma boca que invoca o nome de Deus, que sussurra orações e entoa cânticos de louvor, pode transformar-se em instrumento de morte. Ninguém está livre desta tensão. O salmista enteneu bem isso: “Coloca, Senhor, uma guarda à minha boca; vigia a porta de meus lábios.” (Salmo 141:3).
A palavra que denigre, que esfarela a reputação de alguém, é mais que um ato passageiro. É uma violência silenciosa que corrói a dignidade humana, aquela mesma dignidade que, segundo Gênesis 1:27, foi estampada por Deus em cada pessoa. Quando falamos mal de alguém, mesmo que discretamente, mesmo que “com boas intenções”, tomamos a imagem divina que habita o outro e manchamos sua honra pública. E, por conseguinte, manchamos também a nossa própria alma.
Mas por que isso importa tanto? Porque as palavras são sementes. E sementes crescem.
“A morte e a vida estão no poder da língua; quem bem a utiliza come do seu fruto.” (Provérbios 18:21, NAA)
O Silêncio Cristão e a Purificação da Fala
A comunidade cristã primitiva carregava uma herança. Herdava dos escribas e fariseus uma cultura de julgamento público, de acusações sussurradas nos pátios das sinagogas, de reputações destruídas pela fofoca religiosa. Jesus havia confrontado tudo isso: “Não julgueis, para que não sejais julgados” (Mateus 7:1). Mas o ensinamento passava pelo coração, não apenas pela mente.
Tiago escreve para comunidades que ainda respiravam o ar viciado dessa herança. Muitos deles eram judeus que se converteram a Cristo, mas seus hábitos de fala, esse reflexo de crítica, essa prontidão em desmascarar fraquezas alheias, permanecia enraizado. A carta de Tiago é, em muitos aspectos, um chamado à integridade radical, à coerência entre profissão de fé e prática cotidiana.
“A língua é o espelho da alma. Aquilo que falamos revela, inevitavelmente, aquilo que somos. Por isso, dominar a língua é dominar a nós mesmos — é vencer o próprio pecado.”
A purificação da fala não é, portanto, uma questão de etiqueta social. É uma questão de homens e mulheres santos, verdadeiramente santos, aqueles cuja interioridade foi transformada pela graça e cuja boca testifica dessa transformação.
A Lógica da Criação e a Doutrina da Honra
A Incoerência Grita Mais Alto que as Palavras
Tiago argumenta com muita profundidade: “Da mesma boca saem bênção e maldição. Meus irmãos, não convém que essas coisas sejam assim.” Não é meramente um “não deveria ser assim.” É um “não convém”, uma palavra grega (ou chrei) que carrega urgência moral. Há algo profundamente desonroso nessa duplicidade.
Tiago então recorre à natureza criada como testemunha: uma fonte não lança água doce e salgada. A figueira não produz azeitonas. A videira não gera figos. Cada coisa é fiel à sua natureza. Mas nós, criados à imagem do Deus que é “santo, santo, santo”, permitimos que de nós brote tanto o louvor quanto a calúnia.
Isso não é uma fraqueza humana tolerável. É incoerência espiritual que grita ao céu. E aqui está o ponto teológico crítico: quando você fala mal de alguém, fala mal de um portador da imagem de Deus. Está, portanto, cometendo uma espécie de blasfêmia indireta. Está desdenhando não apenas do ser humano está desqualificando, por extensão, o próprio Criador que o fez.
“A calúnia e a difamação não são simplesmente erros contra nosso próximo; são blasfêmias contra Deus, porque ferem a imagem divina impressa em toda pessoa humana. Aquele que fala mal de outro ataca, portanto, a obra e a honra de Deus na criação.” (Augustus Nicodemus Lopes, Comentário de Tiago, Vols. 1-2)
Calúnia: O Veneno Invisível
Tiago abre sua reflexão falando sobre animais selvagens que podem ser domesticados, “Toda espécie de animais, aves, répteis e criaturas do mar…”, todos submetidos pelo homem. Mas a língua? “Ninguém domestica a língua. É um mal irrequieto, cheio de veneno mortal.”
Essa frase é muito desconcertante. Parece negar a possibilidade de transformação. Mas leia com atenção o contexto: Tiago não está dizendo que é impossível purificar a fala. Está dizendo que, fora do trabalho do Espírito Santo, fora da morte de si mesmo e ressurreição em Cristo, a língua permanece indomável. Ela é “um mal irrequieto”, sempre procurando saída, sempre buscando justificativa para o próximo comentário destrutivo.
E por quê? Porque o coração humano não redimido é uma fonte de autoenganação. Sabemos, intelectualmente, que falar mal dos outros é prejudicial. Mas encontramos razões: “Ele merece saber a verdade.” “Estou preocupado; por isso preciso contar.” “É apenas entre nós.” “Não estou falando mal, apenas sendo realista.” Tentamos disfarçar o veneno como sabedoria, virtude e até bondade de nossa parte.
“A língua é uma arma que o diabo aperfeiçoou. Enquanto a espada mata o corpo uma única vez, a língua assassina a alma de um homem, sua reputação e sua paz — repetidamente, ecoando através dos anos. Por isso os mosteiros antigos cultivavam o silêncio não como negação da criação, mas como guarda da caridade.” (Beda, o Venerável, Histórias Eclesiásticas, Livro IV).
A Escolha da Fonte: Coração, Boca, História
Mas há uma saída e ela passa pelo coração. Observe o que nos diz o evangelista Mateus:“Do que abunda no coração, fala a boca” (Mateus 12:34). A purificação da fala começa com a purificação do coração. Começa quando a graça de Cristo, aquela mesma graça que Tiago defendeu no capítulo 2, a graça que sem obras é morta, vem e transforma radicalmente o que pensamos, o que sentimos, o que verdadeiramente valorizamos.
Um cristão que fala mal dos outros não é alguém que cometeu um “pequeno pecado.” Ele está cometendo um ato de rebelião contra a sua própria declaração de fé em Jesus Cristo. Está negando, em atos, aquilo que confessa em palavras, é uma incoerência que não passa despercebida. Pedro, em sua primeira epístola, exorta:
“Tenham todos no coração um grande respeito por Cristo como Senhor. Estejam sempre preparados para responder a qualquer um que lhes pedir a razão da esperança que vocês têm. Mas façam isso com mansidão e temor, com boa consciência, de modo que, naquilo em que falam mal de vocês, fiquem envergonhados esses que difamam a boa conduta que vocês têm em Cristo.” 1 Pedro 3:15-16.
A resolução aqui não é apenas negativa — não falar mal. É positiva: cultivar uma fala que edifica, que honra, que reconhece em cada pessoa a presença da imagem divina. É desenvolver um caráter onde a boca se torna guardiã da honra do outro, porque o coração já foi conquistado por Cristo.
Conclusão: Cristo Como a Palavra Que Cura
Cristo é a Palavra que nunca foi maculada por calúnia. Sua boca pronunciou bênção sobre os marginalizados, esperança para os desesperados, verdade sem nenhuma nota de malevolência. E quando foi julgado, quando lhe lançaram insultos, “não revidava com insultos” (1 Pedro 2:23, NAA).
A exortação de Tiago, portanto, não é um código moral desencarnado. É um chamado a participar da natureza de Cristo. Quando guardamos nossa boca da difamação, quando escolhemos honrar a reputação do outro mesmo quando poderíamos destruí-la, estamos nos conformando à imagem de Seu Filho. Estamos dizendo “sim” à morte de nosso ego, porque falar mal dos outros alimenta o ego, que adora encontrar falhas nos outros para se elevar, e “sim” à ressurreição de um caráter novo.
O arrependimento real, aqui, é uma transformação visível. Não é remorso. É mudança. É aquele momento em que você percebe que estava prestes a compartilhar um comentário prejudicial e escolhe o silêncio. É quando você é questionado sobre alguém e responde com compaixão, não com crítica. É quando cultiva, deliberadamente, uma mente que procura razões para honrar, não para derrotar.
Isso é graça. E essa graça, oferecida livremente, é a única força capaz de domesticar a língua que ninguém mais consegue domar.
“E Agora, Como Viveremos?”
Vivemos numa época em que falar mal dos outros tornou-se esporte de massa. As redes sociais foram construídas, em certa medida, sobre a moeda de troca da crítica pública. Comentários maldosos e agressivos geram engajamento. A calúnia vira conteúdo. E muitos de nós, cristãos, participamos desse jogo como se fosse algo inofensivo.
Mas não é. Cada vez que você espalha um boato sobre um colega de trabalho, uma vizinha, um membro da igreja, você está contribuindo para o aniquilamento lento de uma reputação. E reputação, embora frágil, é essencial. É como as pessoas o conhecem. É seu legado imediato.
Além do fato de que quando nos permitimos ser uma fonte de água envenenada, também estamos nos envenenando e morrendo aos poucos.
A Resolução Prática de Jonathan Edwards: Nunca fale mal de ninguém de forma que resulte em sua desonra, nem que seja minimamente. Isso significa:
- Antes de falar, pause. Pergunte-se: “Essa palavra que estou prestes a dizer vai honrar a imagem de Deus que habita esta pessoa?” Se a resposta for não, não fale.
- Se você percebe uma falha real em alguém, fale diretamente com essa pessoa. Não com terceiros. Isso é o caminho de Mateus 18 — confrontação privada, respeitosa, com o objetivo de reconciliação, nunca de humilhação pública.
- Quando ouvir fofoca, recuse-se a participar. Diga simplesmente: “Prefiro não ouvir isso sobre alguém que não está aqui para se explicar.” Sua recusa é um testemunho de Cristo.
- Cultive a prática de procurar o bem nos outros. Cada pessoa que conhece é portadora da imagem divina — mesmo aquelas que você desgosta. Encontre algo verdadeiro e nobre sobre elas e escolha falar disso, quando surgir a oportunidade.
- Examine sua própria vida. Há áreas onde você está quebrando essa resolução? Há momentos em que você se justifica falando mal de alguém? Confesse. Peça ajuda. Busque a graça de Cristo para transformar essa tendência.
A sua integridade e a honra daqueles de quem você fala, dependem disso.
“Oremos”
Senhor Jesus, por Tua misericórdia e exemplo de silêncio e honra diante da calúnia, perdoa-nos por usarmos nossas bocas para difamar e destruir a reputação de outros. Purifica nossos corações da amargura e implanta em nós a compaixão e o desejo de edificar. Torna-nos guardiões da honra alheia, dando-nos a sabedoria para saber quando falar ou silenciar, a coragem para corrigir em privado e a humildade para lembrar de nossas próprias falhas. Que nossas palavras sejam instrumentos de Tua bênção e reflitam a integridade do nosso caráter. Amém.
Perguntas para Reflexão
- Há alguém cuja reputação você contribuiu para prejudicar? O que você poderia fazer para repará-lo (ou, se não for possível, para encerrar o ciclo)?
- Qual situação o tentou, recentemente, a falar mal de alguém? Como você poderia ter respondido diferentemente?
- Você consegue identificar padrões na sua fala? Você tende a criticar pessoas de um certo grupo, ou diante de certas audiências?
- Como a graça de Cristo poderia transformar sua atitude em relação àqueles de quem você naturalmente “gostaria falar mal”?
- Qual é a diferença entre confrontação amorosa privada e fofoca pública? Como você sabe quando uma é apropriada e quando a outra é pecaminosa?
Somente Cristo! Pr. Reginaldo Soares.
Leia também:
- AS RESOLUÇÕES DE JONATHAN EDWARDS
- RESOLUÇÃO 10 – Jonathan Edwards
- RESOLUÇÃO 11 – Jonathan Edwards
- RESOLUÇÃO 12 – Jonathan Edwards
- RESOLUÇÃO 13 – Jonathan Edwards
- RESOLUÇÃO 14 – Jonathan Edwards
- RESOLUÇÃO 15 – Jonathan Edwards

Meu chamado para o ministério pastoral veio em 1994, sendo encaminhado ao conselho da Igreja Presbiteriana (IPB) em Queimados e em seguida ao Presbitério de Queimados (PRQM). Iniciei meus estudos no ano seguinte, concluindo-os em 1999. A ordenação para o ministério pastoral veio em 25 de junho de 2000, quando assumi pastoreio na IPB Inconfidência (2000-2003) e da IPB Austin (2002-2003). Desde de 2004 tenho servido como pastor na Igreja Presbiteriana em Engenheiro Pedreira (IPEP), onde sigo conduzido esse amado rebanho pela graça de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Sou casado há 22 anos com Alexsandra, minha querida esposa, sou pai de Lisandra e Samantha, preciosas bênçãos de Deus em nossas vidas. Me formei no Seminário Teológico Presbiteriano Ashbel Green Simonton, no Rio de Janeiro, e consegui posteriormente a validação acadêmica pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pela bondade de nosso Senhor, seguimos compartilhando fé, amor e buscando a cada dia crescimento espiritual. Somente Cristo!