Texto básico – Romanos 8:31-39. “Que diremos, pois, a estas coisas? Se Deus é por nós, quem será contra nós? Aquele que nem mesmo poupou o seu próprio Filho, antes, por todos nós o entregou, porventura, não nos dará graciosamente com ele todas as coisas? Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? É Deus quem os justifica. Quem os condenará? É Cristo Jesus, quem morreu. Ou, antes, quem ressuscitou, o qual está à direita de Deus e também intercede por nós? Quem nos separará do amor de Cristo? Será tribulação, ou angústia, ou perseguição, ou fome, ou nudez, ou perigo, ou espada? Como está escrito: Por amor de ti, somos entregues à morte o dia todo; fomos considerados como ovelhas para o matadouro. Mas, em todas estas coisas, somos mais que vencedores, por aquele que nos amou. Porque eu estou bem certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas do presente, nem do porvir, nem os poderes, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor.”
TEXTOS CORRELATOS
- Filipenses 1:6 – Deus completa a boa obra começada
- Romanos 5:1 – Justificação e paz com Deus
- 1 João 5:13 – Certeza de vida eterna
- 2 Timóteo 1:12 – Convicção de fé inabalável
- Hebreus 7:25 – Intercessão eterna de Cristo
EXPLICAÇÃO DO TEXTO
Paulo escreveu aos cristãos de Roma em meio a um contexto de profunda turbulência: judeus haviam sido expulsos da capital imperial poucos anos antes, tensões teológicas fervilhavam entre crentes judeus e gentios sobre a natureza da salvação, e a perseguição aos seguidores de Cristo já se insinuava no horizonte. Neste cenário de pressão externa e dúvidas internas, o apóstolo conclui sua exposição sobre a justiça de Deus com uma explosão litúrgica que transforma teologia em adoração, proclamando a verdade central e inabalável: nada pode separar os eleitos do amor de Deus manifestado em Cristo Jesus. Esta passagem funciona como doxologia culminante de oito capítulos onde Paulo estabeleceu a condenação universal, apresentou a justificação pela fé, tratou da santificação e celebrou a vida no Espírito — agora, ele oferece o veredicto final sobre a segurança eterna dos salvos.
A estrutura retórica do texto revela uma progressão triunfante através de cinco perguntas que constroem momentum irresistível. Paulo opera com linguagem forense do tribunal romano: se Deus, o Juiz supremo, já nos declarou justos, quem poderá acusar? Se Cristo morreu, ressuscitou e intercede continuamente à direita do Pai, quem poderá condenar? A lógica é inquebrantável — o Pai que não poupou seu próprio Filho, mas o entregou ao juízo substitutivo em nosso favor, certamente nos dará graciosamente todas as coisas necessárias. Além disso, a passagem ecoa profundamente o Antigo Testamento: o sacrifício provido por Deus em Gênesis 22, a intercessão messiânica do Salmo 110, e especialmente Isaías 50.8-9, onde o Servo pergunta “quem intentará acusação contra mim?” — agora cumprido em Cristo, que apresenta sua própria morte como evidência irrefutável de nossa absolvição definitiva.
Para os destinatários originais, esta mensagem endereçava três crises existenciais concretas. Primeiro, a crise de identidade: judeus convertidos questionavam se haviam traído suas raízes abandonando a Lei, enquanto gentios se perguntavam se eram cidadãos de segunda classe no povo de Deus — Paulo responde declarando que todos são “eleitos”, escolhidos pelo próprio Deus antes da fundação do mundo, fundamentando sua segurança não em decisão humana, mas em escolha divina pré-temporal. Em segundo lugar, a crise do sofrimento: as “tribulações” listadas no verso 35 não eram abstrações retóricas, mas realidades brutais que incluíam ostracismo social, perda de emprego, separação familiar e risco de execução pela espada romana (ius gladii). Ao citar o Salmo 44.22 — “somos entregues à morte o dia todo” — Paulo não minimiza o sofrimento, mas o reinterpreta sob a luz da cruz, transformando martírio de vergonha em distintivo de identificação com Cristo e declarando os crentes não apenas vencedores, mas “hipervencedores” através daquele que os amou. Finalmente, a crise cosmológica: o mundo antigo vivia assombrado por poderes invisíveis — destino astrológico, anjos, demônios, forças cósmicas — e a menção de “principados, potestades, altura, profundidade” abordava ansiedades reais sobre entidades que poderiam frustrar a salvação, mas Paulo proclama que Cristo foi entronizado sobre todos eles, e nenhuma criatura em qualquer esfera da existência pode nos separar do amor divino.
A teologia desta passagem revela a arquitetura trinitária da salvação e estabelece doutrinas fundamentais para a certeza cristã. A eleição soberana manifesta o amor eletivo de Deus que nos amou primeiro, especificamente e eficazmente; a justificação forense não é mero perdão subjetivo, mas declaração jurídica objetiva de justiça imputada baseada na obra perfeita de Cristo; a substituição penal demonstra que o Pai entregou o Filho ao juízo propiciatório que nosso pecado merecia — não exemplo moral apenas, mas sacrifício vicário real. Ainda que o contexto reconheça poderes hostis e adversidades ameaçadoras como realidades inegáveis, a cruz desarmou os principados, a ressurreição quebrou o império da morte, e a ascensão estabeleceu reino inabalável. Portanto, a preservação final dos salvos não depende de fidelidade humana oscilante ou desempenho espiritual variável, mas da intercessão sacerdotal contínua de Cristo, que à direita de Deus apresenta permanentemente os méritos de sua obra acabada, garantindo acesso irrevogável ao Pai. Esta certeza não é presunção arrogante, mas confiança fundamentada em obra objetiva de Cristo e decreto soberano do Pai — uma realidade externa e imutável que transforma vítimas em vencedores, acusados em justificados, e ovelhas de matadouro em herdeiros da glória eterna.
Termos e Expressões Relevantes
Ἐκλεκτοί (eklektoi) – “Eleitos” (v. 33). Do grego eklektos, composto de ek (para fora) e legō (escolher). Designa aqueles escolhidos por Deus antes da fundação do mundo (Efésios 1.4). Não se trata de mérito humano, mas de soberana iniciativa divina. No contexto veterotestamentário, remete à eleição de Israel; agora, em Cristo, abrange judeus e gentios unidos pela fé.
Δικαιῶν (dikaiōn) – “Justifica” (v. 33). Verbo no particípio presente (ho dikaiōn), indicando ação contínua. Significa “declarar justo”, termo forense do tribunal. Deus não apenas perdoa, mas declara o crente possuidor de justiça imputada — a própria justiça de Cristo creditada na conta do pecador. Esta é a revolução do evangelho: não melhoramento moral, mas veredicto legal irreversível.
Ὑπερνικῶμεν (hypernikōmen) – “Mais que vencedores” (v. 37). Termo único no Novo Testamento, intensificação de nikaō (vencer) pelo prefixo hyper (super, além). Paulo inventa esta palavra para expressar vitória esmagadora, triunfo que excede toda expectativa. Não é meramente sobreviver, mas prevalecer gloriosamente sobre todas as adversidades.
Παρέδωκεν (paredōken) – “Entregou” (v. 32). Do verbo paradidōmi, carregar significado técnico de “entregar à execução”. O mesmo termo usado para Judas “entregar” Jesus (Mateus 26.15), mas aqui revela que por trás da traição humana operava o decreto divino. O Pai entrega o Filho ao juízo que nós merecíamos — escândalo supremo do amor.
“Se Deus é por nós, quem será contra nós?” (v. 31). Construção condicional em grego (ei ho theos hyper hēmōn) que, pelo contexto, assume realidade já estabelecida: “Já que Deus é por nós…”. A partícula ei aqui não expressa dúvida, mas certeza. A força retórica da pergunta (tis kath’ hēmōn) espera resposta óbvia: ninguém pode resistir eficazmente.
“Não poupou seu próprio Filho” (v. 32). Eco deliberado de Gênesis 22.16 (Septuaginta), onde Deus declara a Abraão: “Não poupaste (ouk epheisō) teu filho”. O que foi evitado no monte Moriá foi consumado no Calvário. A expressão “próprio Filho” (tou idiou hyiou) intensifica o custo: não servo, não criatura, mas o Filho amado da eternidade.
“Todas estas coisas” (v. 37). Não sugere vitória apesar das tribulações, mas através delas. A preposição grega en indica esfera de ação: dentro dos sofrimentos, não após escaparmos deles, experimentamos triunfo. As adversidades tornam-se arena onde a graça de Deus resplandece.
Aqui está a mensagem que ecoa através dos séculos para cada coração aflito, cada consciência acusada, cada alma tentada a duvidar: você está seguro não porque é forte, mas porque Aquele que o ama é invencível. O amor de Deus não é um sentimento caprichoso que oscila conforme nosso desempenho — é ato de doação absoluta do Filho, demonstração irrefutável realizada no espaço e tempo quando Cristo foi entregue por nós. Nada — nem os demônios do inferno com suas acusações, nem as tempestades da vida com seus terrores, nem sequer sua própria fraqueza com suas quedas — pode anular o que Deus decretou e Cristo consumou. Você não está segurando a mão de Deus esperando não soltá-la; Deus está segurando você, e suas mãos têm marcas de pregos — prova eterna de que ele jamais o abandonará. Esta é a mensagem do evangelho: não que você é suficientemente bom para merecer o céu, mas que Cristo é suficientemente glorioso para garantir sua chegada lá. Descanse nisto — não em você, mas nele. O amor de Deus por você em Cristo Jesus é mais forte que a morte, mais profundo que o inferno, mais duradouro que o universo. Nada pode separar você deste amor, pois este amor já pagou o preço supremo e não voltará atrás. Você é amado eternamente porque foi escolhido antes do tempo, redimido no tempo, e será glorificado além do tempo. Esta é sua segurança inabalável.
“Jamais um cristão verdadeiro repousa em si mesmo, em suas obras ou em seu mérito. Repousa unicamente na justiça imputada de Cristo, como aquele que descansa em terra firme após tempestade. Assim, a certeza não é arrogância, mas humildade radicalizada—pois sabemos que tudo vem de Deus, nada de nós.” João Calvino, Institutas da Religião Cristã, Livro 3, Cap. 2, Calvin Translation Society, 1845.
TEMA CENTRAL
A segurança inabalável da salvação em Cristo não repousa na força da fé do crente, mas na força irresistível do amor de Deus, que predestinou, justificou e glorificou; que entregou seu Filho; que ressuscitou e exalta eternamente; que intercede sem cessar. Nenhuma acusação prospera. Nenhuma condenação prevalece. Nenhuma adversidade separa. O cristão não é vitimado pela história; é vitorioso nela.
INTRODUÇÃO
Quantos dormiram mal, atormentados? Quantos acordaram na madrugada perguntando: “Será que sou realmente cristão? Será que estou salvo?” A pergunta não é teórica; é urgentíssima. Ela toca a raiz da existência cristã.
A tentação é dupla. De um lado, o desespero: sentir-se tão pecador que a salvação parece mentira. Do outro, a presunção: agir como se a graça fosse cheque em branco. Entre esses abismos, Deus coloca Paulo—e, através dele, toda a Escritura—clamando: Há certeza verdadeira. Não é ilusão. Não é presunção. É garantia.
Romanos 8:31-39 é a resposta mais radical que a Bíblia oferece ao coração dividido. Não apela ao sentimentaloismo vacilante. Apela à lógica implacável da graça: Se Deus é por você, quem prevalecerá contra você?
“Por que então há crentes miseráveis, sem paz?”
Resposta: Porque confundem certeza com sentimento. Richards Sibbes (1577-1635), teólogo puritano, conforme citado por Mark Dever em Teologia Afetuosa (Editora Fiel), ensinava que a certeza genuína vem de três fontes:
“A consciência é uma ferramenta que Deus usa para confirmar ou questionar a profissão de fé. Quando descansa nas promessas de Deus e vê os frutos da graça em si mesmo, a consciência testifica: ‘Você é filho de Deus.’ Mas essa testemunha nunca se satisfaz completamente até que o Espírito Santo a acalme com a aplicação direta da Palavra.” Mark Dever, Teologia Afetuosa: O Coração Compassivo de Richard Sibbes, Editora Fiel, 2020.
Essas três fontes são: (1) as promessas de Deus na Escritura, (2) as marcas internas da graça (frutos do Espírito), e (3) o testemunho direto do Espírito à consciência. Quem descansa apenas em sentimentos oscila. Quem descansa nas promessas e nos frutos permanece.
“Existem graus de certeza?”
Resposta: Sim. A Confissão de Fé de Westminster (Cap. 18.3) reconhece que “ainda que os hipócritas possam iludir-se, os que verdadeiramente creem podem certificar-se.” A certeza cresce com o uso dos meios de graça: oração, Escritura, comunhão, autoexame. Você não nasce com certeza plena; você a cultiva.
DEUS ESTÁ POR NÓS—A LÓGICA ABSOLUTA DA GRAÇA
(Romanos 8:31-32)
Paulo abre com pergunta retórica demolidora: “Se Deus é por nós, quem será contra nós?” Não é dúvida; é proclamação. O “nós” refere-se aos crentes—aqueles que, em Rm 8:28-30, foram: conhecidos antes da fundação do mundo, predestinados, chamados, justificados e já glorificados (no propósito eterno de Deus).
Se o Deus Todo-Poderoso decisivamente toma partido pela salvação do crente, que força do universo—que inimigo, que lei, que perdição—poderia fazi frente? A pergunta não admite resposta: ninguém. Nada. Nenhuma.
Mas como Deus provou estar por nós? Pelo argumento do maior para o menor (v. 32): “Aquele que nem mesmo poupou o seu próprio Filho, antes, por todos nós o entregou, porventura, não nos dará graciosamente com ele todas as coisas?”
Abraão foi poupado de sacrificar Isaque (Gênesis 22). Mas Deus o Pai não foi poupado. Entregou o Filho ao desprezo, à cruz, à morte. Se suportou isso—o maior sacrifício—não suportará tudo mais? Se deu Cristo, por que reteria o perdão? Se deu o Filho, por que negaria vida eterna, ressurreição, glória?
Charles Hodge (1797-1878), teólogo presbiteriano de Princeton, em sua Teologia Sistemática, observou com precisão:
“O presente de Cristo é o compromisso de Deus de que nada mais será retido. Deus não fez concessão a contragosto; fez com amor paternal irrevogável. No sacrifício de Cristo, Deus se comprometeu até o limite—tornando impossível retroceder.” Charles Hodge, Teologia Sistemática, Vol. 3, T&T Clark, 1871.
Aqui reside a lógica que destrói toda dúvida: Deus não está em conflito conosco. Não está hesitando. Está totalmente, irreversivelmente, de nossa parte. A questão não é “Será que Deus nos ama?”, mas “Como, tendo dado Cristo, Ele negaria algo mais?”
NENHUMA ACUSAÇÃO, NENHUMA CONDENAÇÃO—A VERDADE LEGAL
(Romanos 8:33-34)
Paulo muda de tom, mas não de tema. Agora invoca a linguagem do tribunal celestial (tema que domina todo Romanos 1-8):
“Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? É Deus quem os justifica. Quem os condenará? É Cristo Jesus, quem morreu. Ou, antes, quem ressuscitou, o qual está à direita de Deus e também intercede por nós?”
As Acusações Abundam—Mas Não Prosperam
A consciência acusa. Os vizinhos acusam. Satanás, chamado “acusador dos irmãos” (Apocalipse 12:10), acusa sem cessar. O pecado passado grita: “Você foi adúltero, mentiroso, ganancioso.” Até a lei de Deus acusa: “Maldito aquele que não permanecer em todas as coisas escritas no Livro da Lei, para fazê-las” (Gálatas 3:10, NAA).
Mas acusação, por feroz que seja, precisa de réu condenado. E aqui jaz a verdade de Romanos: O réu foi justificado. Romanos 8:1 afirma categoricamente: “Nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus” (NAA).
Como? Porque “Deus o justifica” (v. 33). A palavra grega dikaioo não significa “declarar inocente”—significa “declarar justo”. Não é absolvição por falta de provas. É imputação: a justiça perfeita de Cristo é creditada na conta do crente. A contabilidade divina marca: este crente não é debitário; é credor em Cristo.
“A justificação não é transformação moral, mas declaração legal. Deus olha para o crente e vê, não a corrupção interior, mas o manto da justiça de Cristo. Nenhuma acusação pode erodí-lo, pois repousa no sacrifício consumado.” Herman Bavinck, Dogmática Reformada, Vol. 3, 2008, p. 375.
Mas Há Mais: Cristo Ressuscitado Intercede
O versículo 34 oferece quatro razões pelas quais nenhuma condenação subsiste:
- Cristo morreu por nós (v. 34a): Tomou sobre si a condenação que merecíamos. Morrer era o castigo; Ele o cumpriu.
- Ressuscitou (v. 34b): A morte não reteve o Inocente. Se não pôde reter Jesus, não pode reter o crente que nele está enxertado. A ressurreição é declaração de Deus: “Esta condenação é injusta; este homem é justo.”
- Está à direita de Deus (v. 34b): Não no passado distante; agora. Cristo não descansou após a ascensão. Governa o universo (Efésios 1:20-23; Colossenses 1:17). Toda autoridade celeste e terrena lhe pertence (Mateus 28:18). Nenhuma principalidade pode opor-se ao decreto do trono.
- Intercede por nós (v. 34b): É aqui que o coração repousa. Cristo não apenas morreu e ressuscitou; continuamente intercede. Hebreus 7:25 revela:
“Pode também salvar perfeitamente os que por ele se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles.” (NAA)
Imagine o cenário celestial: satanás acusa diante do Pai: “Este crente pecou! Merece condenação!” E Cristo responde: “Pai, ele é meu. Morri por ele. Ressuscitei em seu lugar. Intercedo eternamente por sua absolvição. Nenhuma condenação prevalecerá.”
Aqui está o coração do evangelho: A condenação foi condenada. A lei foi cumprida. A justiça foi satisfeita. O crente está coberto—não por si, mas por Cristo ressuscitado que intercede.
NENHUMA FORÇA CÓSMICA PODE SEPARAR—A VITÓRIA TRANSCENDENTE
(Romanos 8:35-39)
Paulo culmina sua argumentação com a pergunta suprema: “Quem nos separará do amor de Cristo?” Não é mais “quem será contra nós?” ou “quem acusará?” É: quem romperá o vínculo entre nós e Cristo?
Esta é a pergunta que toca o coração humano em sua profundidade. Porque não é ameaça externa que nos destrói; é desespero interno—a suspeita de que Deus nos abandonou, de que o amor de Deus é condicional, de que uma adversidade final nos separará dEle.
As Adversidades Terrenas: Tribulação, Fome, Morte
Paulo enumera adversidades que ele mesmo enfrentava (v. 35):
“Será tribulação, ou angústia, ou perseguição, ou fome, ou nudez, ou perigo, ou espada?”
Não são hipotéticas. São reais. E ele cita Salmo 44:22 para ancorá-las na Escritura:
“Por amor de ti, somos entregues à morte o dia todo; fomos considerados como ovelhas para o matadouro.” (NAA)
A teologia ingênua promete prosperidade ao cristão. Mas Paulo diz: ser cristão significa estar marcado para morte. Não metafórica—real. Histórica. Os mártires primitivos não foram promessas de conforto; foram gladiadores espirituais lançados à arena.
Mas aqui está o paradoxo irresistível (v. 37):
“Mas, em todas estas coisas, somos mais que vencedores, por aquele que nos amou.”
A palavra grega hypernikomen literalmente significa “hipervencer” ou “supervencer.” Não apenas vencer, mas vencer de forma tão esmagadora que a derrota é impossível. Como? Não pela força humana. Pela força irresistível do amor de Cristo.
“O cristão que sofre não sofre sozinho; sofre enxertado em Cristo sofrente. Assim, sua fraqueza torna-se força—pois é a força de Cristo que a sustém. A vitória não é escapismo; é enraizamento na realidade da ressurreição.” Augustus Nicodemus Lopes, Romanos: Introdução e Comentário, Vida Nova, 2007, p. 295.
Os Poderes Cósmicos: Morte e Vida, Anjos e Principados
Mas Paulo não se contenta com adversidades terrenas. Expande o horizonte para forças cósmicas (v. 38-39):
“Porque eu estou bem certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas do presente, nem do porvir, nem os poderes, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor.”
Cada dupla é significativa:
- Morte e vida: Toda a existência humana. Nem o término (morte) nem a continuidade (vida) podem romper o vínculo.
- Anjos e principados: Seres espirituais—tanto celestiais quanto demoníacos. Nenhuma hierarquia angélica, nenhuma força rebelde, pode interferir.
- Presente e futuro: O tempo em sua totalidade. Nada que já ocorreu, nada que ainda virá.
- Altura e profundidade: O espaço cósmico. Nenhuma distância, nenhum abismo.
- Qualquer outra criatura: Síntese total. Se algo não foi mencionado, cai aqui.
“O universo está sob o domínio de Cristo ressuscitado. Não há potência que escape a seu controle. Portanto, nenhuma potência, nem visível nem invisível, pode arrebatar de Seu trono aqueles que Ele resgatou pelo sangue. A segurança não repousa em nossa fraqueza, mas em Seu poder absoluto.” Abraham Kuyper, A Soberania de Deus, Grands Rapids: Eerdmans, 1975, p. 182.
O ponto não é escapismo. É realismo radical: este mundo caído está repleto de potências hostis—demoníacas, políticas, cósmicas. Mas todas elas estão sob o jugo de Cristo exaltado. Nenhuma delas tem poder irrefreável sobre o crente.
A Conclusão Inabalável
Paulo encerra com certeza, não dúvida: “Eu estou bem certo de que…” O verbo grego pepo significa estar plenamente persuadido, convicto para além de qualquer dúvida racional. Como é possível tanta certeza? Porque não repousa em análise especulativa, mas em revelação garantida. Deus revelou seu amor na cruz. Revelou seu poder na ressurreição. Revelou sua intenção pela Escritura.
CONCLUSÃO
Romanos 8:31-39 responde a pergunta que tormenta cada cristão genuíno: “Estou salvo? Realmente? Para sempre?” Três certezas convergem para uma resposta indiscutível:
Primeira: Deus está por nós, não contra nós. Provou isso entregando o Filho. Se deu o maior, dará o menor.
Segunda: Somos justificados legalmente. Nenhuma acusação prospera. Cristo ressuscitado intercede. A condenação foi condenada.
Terceira: Nenhuma força—terrena ou celestial, presente ou futura, visível ou invisível—pode romper o vínculo entre nós e o amor de Cristo. Somos hipervencedores.
Se Deus entregou seu Filho por você, nenhuma força no universo pode arrancá-lo de suas mãos.
A certeza da salvação não é privilégio do piedoso perfeito ou do emocionalmente estável. É direito indisputável de todo crente que repousa não em si mesmo, mas em Cristo. A Bíblia não oferece dúvida como virtude espiritual; oferece confiança como fruto maduro da fé.
Romanos 8:31-39 proclama verdade arrebatadora: você é amado com amor eterno, justificado com justiça perfeita, guardado com poder irresistível. Essa não é presunção. É realismo evangélico. Não é escapismo. É enraizamento na rocha concreta do Evangelho. A dúvida não é marca de espiritualidade profunda; é sintoma de descrença na promessa.
“Tarde te amei, ó beleza tão antiga e tão nova! Tarde demais te amei. Eis que habitavas dentro de mim, e eu te procurava lá fora. Deformado, atirava-me sobre essas coisas formosas que criaste. Tu estavas comigo, e eu não estava contigo.” Agostinho, Confissões, Livro 10, Cap. 27, Tradução Editora Paulus, 2002, p. 246.
O testemunho de Agostinho é paradigmático: a certeza não vem de análise intelectual, mas de encontro pessoal com Deus. A razão segue; a fé precede.
Portanto, dirija-se à cruz. Contemple Cristo ali—não por sentimento, mas por fé revestida de razão. Veja o Pai declarando: “Este sacrifício é suficiente.” Ouça o Espírito testemunhando: “Você é meu filho.” E repouso lhe virá—não sempre sentido, mas sempre real.
APLICAÇÃO ATUAL
A vida cristã contemporânea é vivida em contexto de crise existencial tripla: perda de comunidade, profusão de informação (que gera dúvida), e isolamento emocional. O cristão de hoje é bombardeado por mensagens contraditórias: o TikTok grita “ame-se a si mesmo”; o corpo grita “satisfaça-se”; o coração grita “pertença a alguém”; e a fé sussurra “confie em Deus.”
Romanos 8:31-39 oferece verdade incontroversa neste caos: Você já pertence. Já é amado. Já é seguro. Não precisa mais buscar. Pode finalmente repousar.
Beda, o Venerável (c. 672/673-735), em sua História Eclesiástica do Povo Inglês, registra a conversão dos cristãos primitivos britânicos não como decisão isolada, mas como integração em comunidade. Como observou o historiador:
“A certeza crescia quando o convertido via outros vivendo a fé, compartilhando o martírio, confirmando mutuamente a verdade. Isolado, o crente vacilava; em comunhão, afirmava-se.” Beda o Venerável, História Eclesiástica do Povo Inglês, Livro II, Cap. 1, Oxford University Press, 1990.
Esta verdade liberta para ação corajosa. O missionário que enfrenta perseguição, a mãe que ora pelo filho desviado, o adolescente que rejeita o pecado popular, o empresário que escolhe integridade sobre lucro—todos ganham intrepidez. Por quê? Porque sabem: mesmo na derrota, na morte, na incompreensão total, o amor de Deus os segura.
Assim, o chamado de Romanos 8:31-39 é triplo:
Primeiro, confesse a certeza. Não esconda sua fé. Quando perguntarem “É você cristão?”, responda: “Sim. Sou filho de Deus, redimido por Cristo, selado pelo Espírito.” Não por arrogância, mas por convicção.
Segundo, viva a certeza. Deixe que a segurança em Cristo liberte você do medo—do fracasso, da rejeição, até mesmo da morte. Obedece porque ama, não porque teme. Sirva porque é grato, não porque é cobrado.
Terceiro, compartilhe a certeza. Seu irmão ou irmã que duvida não precisa de sua interpretação obscura; precisa ouvir: “Deus é por você. Você é eleito. Nada o separará.” É mensagem que transforma vidas—porque é verdade que liberta.
PERGUNTAS PARA REFLEXÃO
- Qual é meu maior obstáculo à certeza da salvação—dúvida racional, sentimento de indignidade, ou medo de abandono por Deus? Como Romanos 8:31-39 responde especificamente a esse obstáculo?
- Consigo nomear três evidências concretas de que sou cristão—não apenas sentimentos, mas mudanças visíveis em meu caráter, relacionamentos ou prioridades? Ou essa prova me falta?
- Quando me sinto acusado—pela consciência, pelo passado, ou por circunstâncias difíceis—consigo descansar em Romanos 8:33: “Deus é quem os justifica”? Como cultivar essa convicção forense?
- Qual “força” em meu contexto atual me tenta a desesperar—morte iminente, solidão, injustiça, perseguição? Como Romanos 8:38-39 oferece vitória exatamente aí?
- Se repouso verdadeiramente na segurança da salvação, como isso transformaria minha ousadia no testemunho, meu perdão das ofensas, ou minha generosidade?
ADVERTÊNCIA CONTRA FALSA SEGURANÇA
Romanos 8:31-39 não autoriza negligência espiritual. A Confissão de Fé de Westminster (Cap. 18.4) claramente afirma que a segurança pode ser “abalada, diminuída e interrompida” por pecado deliberado e afastamento dos meios de graça:
“Contudo, eles nunca ficam inteiramente privados daquela semente de Deus e da vida da fé, daquele amor a Cristo e aos irmãos, daquela sinceridade de coração e consciência do dever. Dessas bênçãos, a certeza de salvação poderá, no tempo próprio, ser restaurada pela operação do Espírito.”
Confissão de Fé de Westminster, Cap. 18, Seção 4.
A segurança verdadeira produz fruto visível. Não repousa em profissão vazia (“sou cristão”), mas em mudança palpável. Um “cristão” que vive em pecado sem arrependimento, que nega a fé na prática, que ignora Cristo nos irmãos—esse não pode validamente invocar Romanos 8:31-39 como garantia. A certeza não é cheque em branco; é selo de uma obra genuína.
A HUMILDADE QUE ACOMPANHA A CERTEZA
Paradoxalmente, quem verdadeiramente repousa na segurança em Cristo torna-se mais humilde, não mais arrogante. Por quê? Porque reconhece: nada disso vem dele. Eleição? Graça de Deus. Justificação? Obra de Cristo. Santificação? Operação do Espírito. Preservação? Intercessão de Cristo.
“Os três fundamentos da certeza—as promessas de Deus, as evidências internas da graça, e o testemunho do Espírito—nunca produzem arrogância no crente genuíno. Pelo contrário, quanto mais um crente repousa nesses fundamentos, mais humilde se torna. Pois reconhece: ele é apenas o receptáculo da graça, não seu merecedor.” Joel R. Beeke, Puritan Theology: Doctrine for Life, Reformation Heritage Books, 2019, p. 402.
O cristão seguro não caminha com soberba; caminha em gratidão profunda—maravilhado de que Deus o tenha escolhido, não porque era digno, mas porque é amado. Essa maravilha gera humildade, não presunção.
“A certeza da salvação em Cristo não é fuga do mundo; é enraizamento tão profundo no amor de Deus que permite ao cristão enfrentar o mundo com alegria indômita. Pois sabe: mesmo que tudo desmorone, o fundamento permanece. E esse fundamento é Cristo ressuscitado, intercedendo eternamente.” Jaroslav Pelikan, The Christian Tradition: A History of the Development of Doctrine, Vol. 1, University of Chicago Press, 1971, p. 387.
Somente Cristo! Pr. Reginaldo Soares.
Leia também:
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- A VOLTA DE CRISTO
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- JEJUM NA BÍBLIA
- O MILÊNIO DE APOCALIPSE 20
REFERÊNCIA COMPLETA
- João Calvino, Institutas da Religião Cristã, Livro 3, Cap. 2, Calvin Translation Society, 1845.
- Charles Hodge, Teologia Sistemática, Vol. 3, T&T Clark, 1871.
- Herman Bavinck, Dogmática Reformada, Vol. 3, T&T Clark, 2008.
- Abraham Kuyper, A Soberania de Deus, Eerdmans, 1975.
- Augustus Nicodemus Lopes, Romanos: Introdução e Comentário, Vida Nova, 2007.
- Mark Dever, Teologia Afetuosa: O Coração Compassivo de Richard Sibbes, Editora Fiel, 2020.
- Confissão de Fé de Westminster, Cap. 18, Seções 1-4, Tradução Oficial, Editora Fiel, 1992.
- Agostinho, Confissões, Livro 10, Cap. 27, Tradução Editora Paulus, 2002.
- Beda o Venerável, História Eclesiástica do Povo Inglês, Livro II, Cap. 1, Oxford University Press, 1990.
- Joel R. Beeke, Puritan Theology: Doctrine for Life, Reformation Heritage Books, 2019.
- Jaroslav Pelikan, The Christian Tradition: A History of the Development of Doctrine, Vol. 1, University of Chicago Press, 1971.

Meu chamado para o ministério pastoral veio em 1994, sendo encaminhado ao conselho da Igreja Presbiteriana (IPB) em Queimados e em seguida ao Presbitério de Queimados (PRQM). Iniciei meus estudos no ano seguinte, concluindo-os em 1999. A ordenação para o ministério pastoral veio em 25 de junho de 2000, quando assumi pastoreio na IPB Inconfidência (2000-2003) e da IPB Austin (2002-2003). Desde de 2004 tenho servido como pastor na Igreja Presbiteriana em Engenheiro Pedreira (IPEP), onde sigo conduzido esse amado rebanho pela graça de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Sou casado há 22 anos com Alexsandra, minha querida esposa, sou pai de Lisandra e Samantha, preciosas bênçãos de Deus em nossas vidas. Me formei no Seminário Teológico Presbiteriano Ashbel Green Simonton, no Rio de Janeiro, e consegui posteriormente a validação acadêmica pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pela bondade de nosso Senhor, seguimos compartilhando fé, amor e buscando a cada dia crescimento espiritual. Somente Cristo!