ENTRE O TRONO E O ALTAR

Explore a idolatria política: como a adoração a líderes terrenos usurpa a devoção a Deus, desafiando cristãos a manterem a verdadeira lealdade espiritual.

ENTRE O TRONO E O ALTAR

“O coração humano é um constante fabricante de ídolos. A mente é uma fábrica perpétua de deuses. Todo homem, desde a queda, é não apenas um idólatra, mas um fabricante de ídolos. Não temos de ir muito longe para fazer de tudo um deus. Quer você tome os vícios grosseiros das nações ou as ideologias sofisticadas dos filósofos, o coração está constantemente criando novos objetos de adoração quando deveria estar adorando apenas ao Deus vivo.”

João Calvino, Institutas da Religião Cristã, Livro I, Capítulo XI, p. 108.

Há uma estranha conspiração entre nossos corações e os tronos deste mundo. Imagine-se caminhando pelas ruas empoeiradas da Roma antiga, no ano 121 d.C. Um oficial imperial desenrola um pergaminho e proclama: “Nosso mestre e nosso deus ordena que isso seja feito.” Não uma sugestão amigável, entenda bem, mas um decreto absoluto de Domiciano. Os súditos não ousariam dirigir-se ao imperador senão como “mestre e deus”.

Que extraordinária presunção! Um homem — cuja respiração é emprestada e cujos batimentos cardíacos são contados como moedas em uma bolsa furada — ousa sentar-se no trono que pertence somente ao Eterno. Isso me faz lembrar do que Agostinho escreveu com tanta perspicácia: “O grande pecado dos homens não é que desejam poder, mas que desejam ser adorados.”

E não é curiosamente trágico que estejamos sempre tão dispostos a conceder essa adoração? Como se houvesse um acordo tácito entre o coração que anseia adorar algo visível e o governante que anseia ser esse objeto. Aqui está o verdadeiro problema: nossa adoração é como água — sempre encontra um lugar para fluir. A questão não é se adoraremos, mas o que adoraremos.

Quando Paulo escreveu sua carta aos cristãos em Roma, entre 55 e 57 d.C., ele confrontava precisamente esta questão que ainda nos persegue como uma sombra persistente: Como podemos nos relacionar apropriadamente com a autoridade terrena sem cair nos extremos de rejeição anárquica ou da divinização idólatra?

“O poder político atrai os piores elementos da sociedade: aqueles que buscam poder por poder, aqueles que desejam controlar e dominar os outros. Eles não pensam em si mesmos como adoradores de ídolos, mas como realistas pragmáticos. No entanto, cada tirano começa como um servo do bem público, prometendo ordem e justiça antes de exigir adoração. A humanidade nunca se cansa de prostrar-se diante daqueles que prometem resolver seus problemas mais urgentes, sem perceber que trocou liberdade por falsa segurança.”

Fiódor Dostoiévski, Os Irmãos Karamázov, p. 287.

Nas ruelas apinhadas da Roma imperial, essa pergunta não era um exercício filosófico abstrato, mas uma questão dolorosamente prática. Um passo em falso poderia significar tanto traição ao Império quanto negação do Evangelho. E hoje, enquanto navegamos pelas praças digitais e reais do Brasil contemporâneo, não estamos nós diante do mesmo dilema fundamental? Quantos não tratam seus líderes como messias políticos, investindo-os de esperanças quase religiosas? Quantos de nós não depositamos na urna o que deveria ser confiado unicamente à Cruz?

A ordem estabelecida e a soberania superio

“Toda alma esteja sujeita às autoridades superiores; porque não há autoridade que não venha de Deus; e as que existem foram ordenadas por Deus.” Romanos 13:1.

Estas palavras de Paulo têm sido torcidas como um pano molhado nas mãos de tiranos ao longo dos séculos! Mas observem bem: não se trata de um chamado à submissão cega, mas de um reconhecimento da ordem divina em meio ao caos dos assuntos humanos. O verbo grego “hypotássō” carrega a ideia de “colocar-se sob a ordem estabelecida” — não de apagar-se como pessoa, mas de reconhecer um lugar providencialmente estabelecido.

Imagine um regimento de soldados em formação de batalha — é esta a imagem que o apóstolo evoca ao usar o termo “tetagménai” para descrever como as autoridades são “dispostas” por Deus. Note bem: o fato de Deus ordenar uma autoridade não significa que Ele aprove todos os seus atos. Como eu gostaria de dizer aos meus alunos em Oxford: “O fato de Deus ter ordenado um governante não significa que aprove tudo o que esse governante faça, assim como o fato de ter criado tubarões não significa que aprove quando devoram nadadores.”

“Devemos obedecer às autoridades civis, mas nossa obediência tem limites. O apóstolo não nos chama a obedecer cegamente ou absolutamente. Ele nos chama a sermos submissos, o que implica o reconhecimento da autoridade legítima em sua esfera própria. Qualquer autoridade que exige o que Deus proíbe, ou proíbe o que Deus exige, excedeu seu mandato. Os mártires da igreja primitiva são testemunhas vivas deste princípio. Eles estavam dispostos a morrer não por desobediência civil desenfreada, mas porque compreenderam que a última palavra sobre suas almas pertencia não a César, mas a Cristo.”

Abraham Kuyper, Palestras sobre o Calvinismo, p. 105.

E observe como Paulo constrói seu argumento em Romanos. Pouco antes de falar sobre nossa relação com o Estado (13:1-7), ele enfatiza o amor como princípio condutor da vida cristã (12:9-21), e logo após, retorna ao tema do amor (13:8-10). Isto não é uma coincidência insignificante! É como se Paulo estivesse dizendo: “Vocês não podem separar sua vida cívica da sua vida de amor cristão — ambas são expressões de uma mesma fidelidade a Cristo.”

Mas — e aqui precisamos marcar bem a linha na areia — há limites claros para esta submissão. Quando os apóstolos foram proibidos de pregar o Evangelho pelo Sinédrio, Pedro respondeu com palavras que deveriam estar gravadas em nossos corações com ferro e fogo: “É necessário obedecer antes a Deus do que aos homens” (Atos 5:29). Esta não foi uma declaração rebelde, mas o reconhecimento de uma hierarquia de lealdades que não pode ser invertida sem consequências espirituais devastadoras.

Lembram-se de Sadraque, Mesaque e Abede-Nego diante da estátua dourada de Nabucodonosor? Que cena magnífica! Enquanto a música tocava e multidões dobravam os joelhos como espigas ao vento, três figuras solitárias permaneciam obstinadamente de pé, como árvores desafiando a tempestade. “O nosso Deus, a quem servimos, é quem nos pode livrar… Mas, se não o fizer, fica sabendo, ó rei, que não serviremos a teus deuses” (Daniel 3:17-18).

Observem a profundidade espiritual desta confissão! Eles não exigem um milagre como condição para sua fidelidade. Sua lealdade transcende até mesmo a questão básica da sobrevivência física. “Mesmo que morramos,” dizem em essência, “ainda assim não nos curvaremos.” Esta é a verdadeira submissão — não ao poder terreno que se exibe como pavão, mas ao Rei invisível diante de quem todos os poderes são como sombras passageiras.

“A lei às vezes se torna um instrumento de crueldade; e quando isso acontece, o homem reto deve declarar que a lei está errada. Há uma lei superior, uma lei que não pode ser revogada por decretos humanos – é a lei escrita no coração do homem, que lhe diz que nenhuma autoridade terrena tem o direito de obrigá-lo a cometer atos contrários à sua consciência.”

Victor Hugo, Os Miseráveis, Parte I, Livro II, p. 123.

Paulo descreve o governante como “leitourgos” e “diakonos”, termos que significam ministro e servo. Que profunda reviravolta! O poderoso governante diante de quem trememos é, na verdade, um servo comissionado. Quando os governantes se compreendem como servos, exercem autoridade com justiça; quando se imaginam deuses, transformam-se em monstros que devoram aqueles que deveriam proteger.

Nenhuma autoridade humana é absoluta. Toda autoridade está “sob autoridade”, como o centurião que disse a Jesus com surpreendente insight: “também eu sou homem sujeito à autoridade” (Mateus 8:9). Esta compreensão não é mera teoria política; é libertação espiritual! Ela nos permite honrar o rei sem idolatrá-lo, pagar impostos sem vender a alma, obedecer às leis sem comprometer a consciência.

Como diz 1 Pedro 2:17: “Tratai a todos com honra, amai os irmãos, temei a Deus, honrai o rei.” Notaram a diferença crucial? Tememos a Deus, honramos o rei. Existe uma qualidade de submissão que pertence exclusivamente ao Eterno. A reverência que depositamos aos pés do Altíssimo jamais pode ser transferida a qualquer trono terreno, por mais imponente que seja.

Quando olhos não veem e ouvidos não ouvem

“Os ídolos deles são de prata e ouro… Têm boca, mas não podem falar; olhos, mas não podem ver… Tornem-se como eles aqueles que os fazem e todos os que neles confiam.” Salmo 115:4-8.

Se pudéssemos descrever nossa era em uma palavra, talvez fosse “idolatria” – não de estátuas em templos, mas de poderes e ideologias em pódios. Os primeiros mandamentos do Decálogo não são arbitrários: “Não terás outros deuses além de mim. Não farás para ti nenhum ídolo…” (Êxodo 20:3-4). Deus, em sua sabedoria infinita, sabia que nossa maior tentação não seria o ateísmo, mas a adoração deslocada.

A idolatria não é simplesmente adorar o mal; é transformar algo bom em bem supremo. Pense nisso: reconhecer qualidades em um líder político é legítimo; depositar nele confiança absoluta é idolatria. É possível apoiar políticas e programas sem divinizar seus proponentes. Quem disse que não podemos discernir entre a autoridade legítima e sua usurpação idólatra?

“Quando uma nação transfere sua fé dos princípios eternos para um homem mortal, esse homem, por mais nobre que seja inicialmente, inevitavelmente sucumbe à tentação de considerá-lo como merecedor dessa fé. Mesmo o melhor dos homens, quando adorado como um deus, eventualmente começa a acreditar em sua própria divindade. É a maldição do poder absoluto – não apenas corromper absolutamente, como dizem, mas convencer o poderoso de que sua corrupção é, na verdade, virtude. E o mais terrível é que os adoradores, tendo investido tanta esperança e fé em seu ídolo, tornam-se cúmplices voluntários na manutenção da ilusão.”

Liev Tolstói, Guerra e Paz, p. 642.

O que torna a idolatria política tão insidiosa é precisamente seu disfarce de virtude cívica. Começa com patriotismo saudável e termina em nacionalismo messiânico. Começa com esperança política legítima e termina em utopismo revolucionário. Como observou aquele velho professor de Oxford, C.S. Lewis: “O diabo sempre manda seus erros ao mundo em pares – pares de opostos. E nos convida a passar nosso tempo preocupados com qual é o pior.”

Ora, uma das consequências mais graves da idolatria política é a perda gradual do discernimento. Lembrem-se das palavras do salmista sobre os ídolos: “olhos têm, mas não veem; ouvidos têm, mas não ouvem.” E depois vem aquela afirmação arrepiante: “Tornam-se semelhantes a eles os que os fazem, e todos os que neles confiam.”

Você já notou como os devotos políticos perdem gradualmente a capacidade de ver falhas em seus líderes? Como se tornam surdos aos alertas mais óbvios? Como passam a justificar o injustificável? Não é este o cumprimento exato da profecia bíblica – que nos tornamos semelhantes àquilo que adoramos?

No Brasil contemporâneo, esta realidade é dolorosamente visível. Pessoas que antes se indignavam com corrupção passam a tolerar os mesmos atos quando praticados por seus heróis políticos. Pessoas que antes defendiam transparência tornam-se apologistas da obscuridade quando é conveniente para “seu lado”. Como disse Lloyd-Jones: “A primeira vítima da idolatria é sempre a verdade, seguida de perto pela integridade.”

No Império Romano, a adoração ao imperador começou não por decreto imperial, mas por iniciativa popular! As pessoas, temerosas das disputas pelo poder, buscavam o favor dos imperadores através da adoração. Não é notável? O impulso para divinizar o poder frequentemente vem de baixo para cima, não de cima para baixo. É nossa insegurança coletiva que cria os tiranos que depois nos oprimem.

“Nossa transformação à imagem daquilo que adoramos ocorre não apenas quando adoramos ao verdadeiro Deus, mas quando adoramos falsos deuses. A crescente incapacidade de enxergar o erro e o mal em nossos líderes favoritos não é mera cegueira política – é o cumprimento assustador da advertência do salmista de que nos tornamos semelhantes ao que adoramos. Quando colocamos nossa esperança final em soluções políticas e seguimos cegamente figuras políticas como se fossem infalíveis, começamos a desenvolver a mesma cegueira moral e espiritual que os caracteriza. Nossa capacidade de discernimento se atrofia, e nossa percepção da verdade se distorce para acomodar nossa nova lealdade.”

Augustus Nicodemus Lopes, A Idolatria do Poder, p. 143.

Com Domiciano, vemos o primeiro imperador a exigir adoração formal como deus. E por que os cristãos dos primeiros séculos foram martirizados? Precisamente porque recusaram-se a queimar incenso para o imperador, a declarar “César é Senhor”. Quando o idoso Policarpo, discípulo direto de João, foi instado pelos soldados romanos a negar Cristo e queimar incenso ao imperador, respondeu com palavras que deveriam nos assombrar: “Oitenta e seis anos eu tenho servido a Cristo, e ele nunca me fez mal; como posso blasfemar contra meu Rei e Salvador?”

Oh, que possamos ter a coragem deste velho pastor! Que possamos, como ele, reconhecer o verdadeiro objeto de nossa lealdade final e nos recusar a transferi-la para qualquer poder terreno, por mais intimidador que seja.

A besta que emerge das águas

“Vi emergir do mar uma besta que tinha dez chifres, sete cabeças… E adoraram o dragão porque deu a sua autoridade à besta…” Apocalipse 13:1,4.

“O Apocalipse não deve ser lido primariamente como uma previsão detalhada de eventos futuros, mas como uma exposição dramática das realidades espirituais por trás dos acontecimentos históricos. A besta que emerge do mar, com seu poder aparentemente irresistível, representa não apenas uma figura histórica específica, mas o princípio do poder político divinizado que reaparece em cada era. Roma foi apenas uma manifestação deste princípio. Nas palavras blasfemas da besta, escutamos o eco de todo império que exige de seus súditos a lealdade que pertence apenas a Deus. E na adoração que a besta recebe, vemos a tendência humana para divinizar o poder bruto e a violência organizada.”

N.T. Wright, O Novo Testamento e o Povo de Deus, p. 456.

O livro do Apocalipse – tão mal compreendido, tão raramente apreciado em sua profundidade – nos apresenta uma das imagens mais impactantes sobre a idolatria política: a besta que emerge do mar. Esta visão não é um quebra-cabeça para adivinharmos “quem” ela representa especificamente, mas um arquétipo poderoso do poder político que se coloca no lugar de Deus.

Notem a blasfêmia implícita no cântico de adoração à besta: “Quem é semelhante à besta? Quem pode pelejar contra ela?” Esta é uma paródia perversa de Êxodo 15:11: “Quem é semelhante a ti, ó Senhor, entre os deuses?” A besta não apenas demanda poder, mas a adoração devida somente ao Criador.

E aqui está uma verdade espiritual que devemos encarar: quando os homens adoram o poder político, frequentemente não percebem que estão se submetendo, em última análise, a uma autoridade demoníaca. Como escreveu Richard Bauckham: “A visão de João desmascara os poderes que se escondem por trás dos impérios humanos – revela que a batalha política é, em seu nível mais profundo, uma batalha espiritual.”

A besta não apenas recebe adoração, mas persegue os fiéis: “Foi-lhe dado também que pelejasse contra os santos e os vencesse.” Isto não deve nos surpreender, pois os “deuses civis” invariavelmente odeiam concorrência. A história confirma este padrão: do Império Romano às ditaduras modernas, os regimes totalitários sempre têm como primeiro alvo aqueles que reconhecem uma autoridade superior à do Estado.

No entanto, há uma palavra de esperança nesta visão aparentemente sombria: “Adorá-lo-ão todos os que habitam sobre a terra, aqueles cujos nomes não foram inscritos no Livro da Vida do Cordeiro” (Apocalipse 13:8). Há aqueles cujos nomes estão escritos no Livro da Vida – aqueles que, pela graça de Deus, resistirão à idolatria política mesmo sob perseguição.

“Devemos entender que, na visão apocalíptica, a bestialidade não está associada apenas à brutalidade explícita, mas à aparente racionalidade e benevolência. A besta surge como salvadora, não como destruidora. Por isso Jesus nos adverte sobre falsos profetas que vêm vestidos como ovelhas. O perigo mais sutil não é o lobo que se apresenta como lobo, mas aquele que se disfarça de pastor. Da mesma forma, os sistemas políticos mais perigosos não são aqueles que abertamente declaram guerra à humanidade, mas aqueles que, sob o disfarce de progresso e bem-estar, corroem gradualmente a liberdade humana e a dignidade concedida por Deus. O totalitarismo do século XXI não virá com botas militares, mas com sorrisos burocráticos.”

Franklin Ferreira, Apocalipse e Política: Uma Leitura Cristã do Poder, p. 178.

A visão de João não é apenas uma profecia sobre eventos futuros, mas um alerta permanente para a igreja. Em cada geração surgem sistemas que demandam lealdade absoluta, que se apresentam como salvadores, que prometem segurança em troca de adoração. E em cada geração, o Espírito Santo capacita os fiéis a discernir estes espíritos e a resistir, mesmo ao custo do martírio.

Como escreveu Eugene Peterson em sua paráfrase de Tiago 4:4: “Vocês acham que as Escrituras não têm sentido quando dizem que o espírito que habita em nós anseia com inveja? Amizade com o mundo é inimizade com Deus. Quem quer ser amigo do mundo torna-se inimigo de Deus.”

Quando o joelho não se dobra

Como, então, devemos viver como cristãos em um mundo dominado por idolatria política? Como podemos navegar as águas turbulentas de nossa realidade política sem naufragar na fé? Permita-me oferecer três âncoras para nossa jornada.

1. Não dobrar os joelhos diante de César

Não é coincidência que a postura física de dobrar o joelho seja comum tanto à adoração quanto à submissão política. O corpo expressa o que a alma decide. Os cristãos primitivos compreendiam isto instintivamente – podiam pagar impostos, obedecer às leis justas, até mesmo servir no exército romano, mas recusavam-se terminantemente a dobrar o joelho para César.

Dietrich Bonhoeffer, aquele profeta moderno executado por resistir a Hitler, escreveu: “A lealdade última do cristão nunca pode pertencer a qualquer líder político, partido ou nação. Nossa lealdade final pertence a Jesus Cristo.”

Isto não significa afastar-se da participação política! Pelo contrário, devemos participar ativamente como cidadãos – votando, fazendo campanhas, fiscalizando as autoridades – mas sempre com um propósito final: a glória de Deus em todas as esferas da vida.

O princípio fundamental a lembrar é que o poder não provém primariamente do povo nem do presidente, mas de Deus. “Não há autoridade que não venha de Deus.” Isto significa que toda autoridade humana é delegada, limitada e provisória. Aqueles que exercem poder político são “ministros”, não messias. Quando um líder exige lealdade absoluta, ultrapassou seus limites legítimos e tornou-se um ídolo.

Como Sophie Scholl, a jovem estudante alemã executada por distribuir panfletos contra Hitler, devemos ter a coragem de dizer: “Alguém, afinal, tinha que começar.” Quando o espírito de nossa época exige conformidade moral e política absoluta, o simples ato de permanecer fiel aos princípios do Reino já é um ato revolucionário de adoração autêntica.

2. Não depositar esperança naquilo que é terreno

“Nós, segundo a sua promessa, aguardamos novos céus e nova terra, nos quais habita a justiça.” 2 Pedro 3:13.

A esperança cristã é fundamentalmente escatológica – olhamos para o futuro cumprimento das promessas de Deus. Esta perspectiva nos protege da tentação de depositar esperanças messiânicas em sistemas políticos ou líderes humanos. O novo céu e a nova terra não virão por decreto legislativo ou executivo, mas pela intervenção soberana de Cristo. “Se você lê a história, descobrirá que os cristãos que fizeram mais pelo mundo presente foram aqueles que pensaram mais no mundo vindouro.”

Quando projetamos esperança excessiva em ideologias específicas (sejam de esquerda, direita ou centro), perdemos a perspectiva bíblica. Como cristãos, reconhecemos os limites intrínsecos de todas as soluções políticas. Podemos e devemos trabalhar para melhorar este mundo, mas sabemos que a solução final para os problemas humanos está na obra redentora de Cristo Jesus.

Esta perspectiva nos protege tanto do desespero (quando nossos candidatos perdem) quanto da idolatria (quando vencem). Podemos manter um engajamento político saudável precisamente porque não depositamos nossa esperança última na política.

Como disse o salmista: “Não confiem em príncipes, em mortais, que não podem salvar” (Salmo 146:3). E como acrescentaria Eugene Peterson em sua paráfrase: “Ponha sua confiança no Deus de Jacó, que fez céu e terra, os mares e tudo o que neles há – o Deus que mantém para sempre a sua palavra.”

3. Confessar Jesus como o Senhor último neste mundo político

Quando questionado sobre impostos, Jesus respondeu: “Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” (Mateus 22:21). Esta resposta aparentemente simples contém uma profunda verdade teológica: enquanto reconhecemos a legitimidade da autoridade civil em sua esfera apropriada, reconhecemos também que nossa devoção final pertence somente ao Senhor.

Paulo escreve: “Ninguém pode dizer ‘Jesus é Senhor’ senão pelo Espírito Santo” (1 Coríntios 12:3). No contexto do Império Romano, onde “Kyrios” (Senhor) era frequentemente aplicado a César, confessar “Jesus é Senhor” tinha implicações políticas explosivas. Era declarar implicitamente que “César não é o senhor último”, uma afirmação potencialmente fatal.

Esta confissão, que Jesus Cristo é o Senhor soberano sobre todos os poderes e autoridades, continua sendo fundamental para a identidade cristã em um mundo politicamente fraturado. Quando enfrentamos pressões para comprometer nossa fidelidade a Cristo em favor de lealdades políticas, o Espírito Santo nos capacita a confessar com ousadia que Jesus, não qualquer líder ou partido político, é o Senhor.

Se você tem se sentido frágil e covarde diante das pressões culturais, se tem cedido ao espírito de César em seus compromissos, volte a buscar o poder do Espírito Santo. Quando o mundo tentar destruir você por causa da sua fé, o Espírito o fortalecerá sobrenaturalmente, e você conseguirá confessar com convicção que Jesus é o Senhor sobre tudo e sobre todos – ainda que isso custe seu status social, seu emprego ou seus relacionamentos.

Entre o trono e o altar

“A primeira vez que o homem se encontra entre o trono e o altar, inclina-se para um ou para outro; mas quando compreende que sua lealdade final não pertence a nenhum dos dois, encontra a verdadeira liberdade.”

Dietrich Bonhoeffer

Ao concluirmos nossa jornada, sinto-me como viajante que avistou terras familiares com olhos renovados. A tensão que exploramos – entre submissão legítima à autoridade e resistência à idolatria – não é meramente teórica, mas profundamente prática e atual.

Esta tensão nos coloca perpetuamente entre o trono e o altar. Quando compreendemos que nossa lealdade final não pertence a nenhum deles, mas ao Cristo crucificado e ressurreto, encontramos a verdadeira liberdade. “Ele que se ajoelha diante de Deus consegue permanecer de pé diante de qualquer homem.”

É precisamente nossa devoção exclusiva a Cristo que nos liberta para sermos os melhores cidadãos possíveis. Porque não depositamos nossa esperança última nas estruturas terrenas, podemos trabalhar pelo bem comum sem idolatrar processos políticos. Porque nossa identidade está fundamentada no céu, não somos escravizados pelos ventos de doutrinas políticas que sopram ora deste, ora daquele lado.

Na visão cristã autêntica, a política nunca é o palco final da redenção humana – é apenas um campo no qual somos chamados a testemunhar do reino vindouro de Deus. Este reino, sabemos pela fé, não virá por estratégias políticas ou revoluções humanas, mas pela intervenção soberana de Cristo, o verdadeiro Rei, diante de quem todo joelho se dobrará e toda língua confessará que Ele é o Senhor, para a glória de Deus Pai. Como cantou Charles Wesley:

“Jesus, o nome sobre todos,
Em inferno, terra e céu;
Anjos, homens se prostrarão,
Demônios hão de ceder.”

Que possamos, como Policarpo, permanecer fiéis até o fim, confessando com todo o nosso ser que há um só nome digno de adoração – não César, não qualquer líder terreno, mas Jesus Cristo, o mesmo ontem, hoje e para sempre.

Somente Cristo! Pr. Reginaldo Soares.

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Meu chamado para o ministério pastoral veio em 1994, sendo encaminhado ao conselho da Igreja Presbiteriana (IPB) em Queimados e em seguida ao Presbitério de Queimados (PRQM). Iniciei meus estudos no ano seguinte, concluindo-os em 1999. A ordenação para o ministério pastoral veio em 25 de junho de 2000, quando assumi pastoreio na IPB Inconfidência (2000-2003) e da IPB Austin (2002-2003). Desde de 2004 tenho servido como pastor na Igreja Presbiteriana em Engenheiro Pedreira (IPEP), onde sigo conduzido esse amado rebanho pela graça de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Sou casado há 22 anos com Alexsandra, minha querida esposa, sou pai de Lisandra e Samantha, preciosas bênçãos de Deus em nossas vidas. Me formei no Seminário Teológico Presbiteriano Ashbel Green Simonton, no Rio de Janeiro, e consegui posteriormente a validação acadêmica pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pela bondade de nosso Senhor, seguimos compartilhando fé, amor e buscando a cada dia crescimento espiritual. Somente Cristo!

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