O MISTÉRIO DA ALMA QUIETA: Confiando na Providência Divina

Descubra como o desmame espiritual revela a providência divina: Deus nos amadurece através da dor, conduzindo-nos à confiança serena de uma alma quieta.

O MISTÉRIO DA ALMA QUIETA: Confiando na Providência Divina

“Senhor, não é orgulhoso o meu coração, nem arrogante o meu olhar. Não ando à procura de coisas grandes, nem de coisas maravilhosas demais para mim. Pelo contrário, fiz calar e sossegar a minha alma. Como a criança desmamada se aquieta nos braços de sua mãe, assim é a minha alma dentro de mim.” Salmos 131:1-2.

O paradoxo do desmame divino

Uma mãe segura seu filho de três anos, sabendo que chegou o momento do desmame. Há algo inexplicavelmente comovente nessa imagem. Imaginem comigo: uma mãe israelita da antiguidade — não como nossas mães modernas que desmamam em questão de meses — mas uma que amamentou por dois ou três anos, formando laços que o pequeno já consegue articular em sua personalidade iniciante. Agora, o conforto primordial é retirado. E o que acontece?

A criança que antes se agarrava ao seio materno agora se aquieta simplesmente na presença da mãe. Não é extraordinário? Ela descobriu algo maior que o leite — descobriu a pessoa que o providencia.

Temo que muitos de nós, cristãos do século XXI, vivemos em perpétuo estado de desmame inacabado — debatendo-nos, esperneando, exigindo que Deus nos alimente exatamente da maneira que imaginamos ser a melhor. A teologia da prosperidade não é senão uma teologia de bebês não-desmamados, recusando-se a avançar para a carne sólida da maturidade espiritual (Hebreus 5:12-14).

A criança desmamada como mestre espiritual

A criança desmamada nos ensina algo vital sobre nossa jornada espiritual. Observe como ela não está simplesmente resignada ou amargurada pela perda do seio materno. Ela está aquietada — um estado ativo de contentamento. A palavra hebraica original sugere uma alma que deliberadamente se compôs, que escolheu a paz.

Quando George Herbert, aquele poeta-pastor inglês do século XVII, escreveu “em Deus encontro um leito e também um repouso”, ele captou precisamente esta verdade. A criança desmamada não se conformou com menos; ela descobriu algo maior. Ela agora valoriza a mãe por quem ela é, não apenas pelo que pode fornecer.

Não é essa a essência do primeiro mandamento? Amar a Deus por Ele mesmo, não pelos seus benefícios? John Wesley pregou certa vez que “a essência da religião não consiste em nada exterior, nada além do amor a Deus e ao próximo”. A criança desmamada compreendeu isso instintivamente — ela descobriu o contentamento na presença, não na provisão.

O grande engano da auto-dependência

Nossa cultura moderna celebra a independência como virtude suprema, mas a Escritura nos confronta com uma verdade desconcertante: fomos criados para dependência — não de coisas ou pessoas, mas do próprio Deus. O salmista não diz “tornei-me autoconfiante como um adulto emancipado”. Não! Ele se compara a uma criança nos braços da mãe.

Esta verdade subverte completamente nossa narrativa cultural de auto-realização. “Crescer espiritualmente é tornar-se mais dependente de Deus, não menos”. Que paradoxo! Nossa maturidade não está em precisar menos de Deus, mas em reconhecer mais profundamente quanto dependemos dele. Martyn Lloyd-Jones, com sua característica intensidade, disse: “A incredulidade é essencialmente orgulho — o orgulho de nos recusarmos a admitir que somos criaturas, finitas, dependentes”. Quando exigimos compreender os caminhos de Deus, estamos, na verdade, declarando nossa independência, erguendo-nos como juízes do Juiz Supremo.

O caminho para a alma quieta

O que significa, então, aquietar a alma como uma criança desmamada? Não é passividade ou apatia. É, antes, uma profunda confiança que transcende a necessidade de compreender. No filme “A Vida é Bela”, quando aquele pai transforma o horror de um campo de concentração em um jogo elaborado para seu filho. A criança confia, não porque entende a situação, mas porque seu pai está presente. Quão mais deveríamos confiar em nosso Pai celestial, cuja sabedoria e amor infinitamente excedem os de qualquer pai terreno?

Quando Annie Johnson Flint, uma poeta que conheceu profundo sofrimento físico, escreveu “Ele dá mais graça quando as cargas se tornam maiores”, ela não estava oferecendo platitudes baratas. Ela estava testemunhando a verdade vivida do Salmo 131 — que nas profundezas da dor, onde nossas explicações falham, a presença do Senhor é suficiente.

A sabedoria de reconhecer nossos limites

“Não é orgulhoso o meu coração, nem arrogante o meu olhar”, confessa o salmista. Que contraste com nossa cultura obcecada por opiniões sobre tudo! Vivemos numa era onde cada pessoa se considera especialista em política, economia, medicina e, sim, até na interpretação da providência divina. Este é o gênio perverso de nosso orgulho moderno: ter certeza sobre assuntos que estão muito além de nossa compreensão.

Como escreveu Isaías, numa passagem que deveria nos deixar tremendo: “Ai daquele que discute com o seu Criador, sendo um simples caco entre outros cacos de barro! Será que o barro pergunta ao oleiro: “O que você está fazendo?” Ou diz: “Este seu vaso não tem alça!” (Isaías 45:9). Ou como C.S. Lewis colocaria: “Imagino que a maioria de nós tem uma sensação particular de desprezo quando ouvimos ou lemos a crítica de alguém que obviamente não entende o assunto que critica.” E não é exatamente isso que fazemos quando questionamos a providência divina?

Quando perguntamos “Por que Deus permitiu isto?”, estamos frequentemente dizendo, em termos velados: “Eu teria feito diferente se estivesse no controle”. Quão extraordinariamente presunçoso! O salmista, em contraste, descobriu a liberdade paradoxal de não se envolver “com coisas grandiosas nem maravilhosas demais” para ele. Há uma reverência profunda — e libertadora — em reconhecer os limites de nossa compreensão.

Cultivando uma alma de criança desmamada

Talvez hoje você esteja passando por seu próprio processo de desmame espiritual. Aquela sensação de conforto familiar foi retirada — um relacionamento, um emprego, uma certeza teológica que parecia inabalável. A providência divina pode parecer incompreensível ou até cruel. Permita-me sugerir três práticas a partir do Salmo 131:

  1. Reconheça humildemente seus limites: Comece cada dia com a confissão: “Senhor, não sou grande o suficiente para compreender teus caminhos, e está tudo bem assim”. Como Dietrich Bonhoeffer escreveu da prisão nazista: “Não é a experiência religiosa que nos torna cristãos, mas a fé”.
  2. Transforme suas exigências em perguntas, e suas perguntas em confiança: Quando você se pegar exigindo explicações de Deus, faça uma pausa. Reconheça suas questões, mas não se detenha nelas. Avance para a declaração de confiança: “Ainda que não entenda, confiarei”.
  3. Pratique o contentamento ativo: A criança desmamada não está simplesmente ausente de agitação; ela está positivamente contente. Cada dia, identifique um aspecto da presença de Deus que você pode celebrar independentemente de circunstâncias. Como o grande hino de Horatio Spafford “It Is Well With My Soul – Está tudo bem com a minha alma”, escrito após perder suas filhas em um naufrágio: “Seja o que for que me sobrevenha, Tu me ensinaste a dizer: está bem, está bem com a minha alma!”

O tesouro oculto na simplicidade

No já mencionado “A Vida é Bela”, esta comovente história retrata o paradoxo da providência divina: é justamente nas situações em que menos entendemos que mais precisamos confiar.

A providência divina não promete ausência de tempestades, mas sim uma âncora segura em meio a elas. O contentamento cristão não é resultado de circunstâncias favoráveis, mas da convicção inabalável de que nosso Pai celestial orquestra todas as coisas para nosso bem eterno, mesmo quando o processo é doloroso ou confuso.

Cultivando uma alma tranquila

Talvez hoje você esteja em seu próprio processo de “desmame espiritual”. Aquele conforto familiar foi retirado, aquela certeza abalada, aquele plano frustrado. A providência divina pode parecer distante ou até cruel neste momento. Permita-me convidá-lo a uma prática transformadora: transforme suas exigências em perguntas, e suas perguntas em confiança.

Quando a confusão surgir, não negue suas perguntas, mas subordine-as à confiança. Pratique dizer: “Meu Pai está no comando aqui e está trabalhando para meu bem como seu filho. Não preciso entender, pois posso confiar nele. Eu tenho a ele, e ele é suficiente para mim.”

À medida que você exercita essa confiança, descobrirá a verdade paradoxal da providência divina: é na rendição que encontramos liberdade, na aceitação de nossos limites que experimentamos paz, na confissão de nossa pequenez que descobrimos nossa verdadeira grandeza como filhos amados.

Pai celestial, cuja providência divina transcende nossa compreensão limitada, acalma nossos corações inquietos. Perdoa nosso orgulho quando exigimos explicações, nossa arrogância quando questionamos teus caminhos. Ensina-nos a confiar como uma criança desmamada, segura nos braços de sua mãe. Em meio às tempestades da vida, que possamos dizer com convicção: “Minha alma está calma, pois meu Pai está no controle.” Em nome de Jesus, amém.

Somente Cristo! Pr. Reginaldo Soares.

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Meu chamado para o ministério pastoral veio em 1994, sendo encaminhado ao conselho da Igreja Presbiteriana (IPB) em Queimados e em seguida ao Presbitério de Queimados (PRQM). Iniciei meus estudos no ano seguinte, concluindo-os em 1999. A ordenação para o ministério pastoral veio em 25 de junho de 2000, quando assumi pastoreio na IPB Inconfidência (2000-2003) e da IPB Austin (2002-2003). Desde de 2004 tenho servido como pastor na Igreja Presbiteriana em Engenheiro Pedreira (IPEP), onde sigo conduzido esse amado rebanho pela graça de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Sou casado há 22 anos com Alexsandra, minha querida esposa, sou pai de Lisandra e Samantha, preciosas bênçãos de Deus em nossas vidas. Me formei no Seminário Teológico Presbiteriano Ashbel Green Simonton, no Rio de Janeiro, e consegui posteriormente a validação acadêmica pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pela bondade de nosso Senhor, seguimos compartilhando fé, amor e buscando a cada dia crescimento espiritual. Somente Cristo!

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