Uma Herança de Fé e Renovação Espiritual
Não há solidão mais profunda que a da alma que perdeu seu caminho para casa. O homem moderno, em sua busca frenética por significado, esqueceu que o coração humano é um templo construído para adorar ao Eterno, e quando este templo permanece vazio, ecoa com o som oco de suas próprias ambições. Fiódor Dostoiévski, Os Irmãos Karamázov, p. 341.
A história de Jonathan Edwards entrelaça-se com os grandes movimentos de Deus na América colonial, refletindo não apenas a profundidade teológica reformada, mas também a realidade pastoral de um homem que viveu intensamente sua fé em família e ministério. Portanto, compreender Edwards significa mergulhar nas águas profundas do Grande Despertar1, onde a soberania divina encontrou expressão através de um jovem pastor que transformaria para sempre a teologia americana.
Em 1630, dez anos após os peregrinos estabelecerem Plymouth, uma grande imigração puritana fundou Massachusetts com propósitos distintos dos primeiros colonos. Assim como John Winthrop declarou que deveriam ser “uma cidade sobre a colina”, esses puritanos carregavam o ideal de criar uma comunidade cristã exemplar. No entanto, à medida que as gerações seguintes prosperavam materialmente, os propósitos espirituais originais começaram a esmorecer, criando o cenário onde Deus levantaria Jonathan Edwards como instrumento de renovação.

O Despertar de uma Nação: Edwards e o Grande Avivamento
A Formação de um Teólogo Excepcional
O verdadeiro avivamento não pode ser fabricado por técnicas humanas ou manipulação emocional. É obra soberana do Espírito Santo, que sopra onde quer. Nossa responsabilidade é pregar fielmente a Palavra, orar fervorosamente e aguardar que Deus aja conforme sua vontade soberana. D. Martyn Lloyd-Jones, Avivamento, p. 123.
Jonathan Edwards nasceu em um contexto onde a tradição puritana encontrava-se em declínio espiritual. Aos treze anos, ingressou na universidade, demonstrando precocidade intelectual extraordinária. Sob orientação de seu avô, o influente Solomon Stoddard2, Edwards assumiu o pastorado em Northampton, Massachusetts, quando Stoddard morreu em 1729. Além disso, seu casamento com Sarah Pierpont em 1727 estabeleceu uma parceria que duraria mais de trinta anos, caracterizada por profunda felicidade conjugal e dedicação familiar exemplar.
Durante o inverno de 1734 e ao longo do ano seguinte, uma transformação extraordinária aconteceu em Northampton. Edwards testemunhou: “o Espírito de Deus começou a trabalhar de maneira extraordinária.” Sua igreja foi invadida por ouvintes, muitos buscando certeza da salvação. Portanto, a cidade parecia estar cheia da presença de Deus, nunca tão repleta de amor nem de alegria, apesar das necessidades cotidianas. Disputas e fofocas desapareceram quando praticamente toda a cidade começou a frequentar a igreja.
O homem que orara e pregara por avivamento, no entanto, não possuía técnicas vistosas de pregação. Seus sermões concentravam-se na justificação pela fé, mostrando pendor intelectual. Embora não usasse métodos que apelavam às emoções, Jonathan Edwards recebia resposta emocional incrível. Os críticos ridicularizavam as lágrimas e contorções corporais que acompanhavam sua pregação de avivamento. Mais tarde, ao escrever sobre o Grande Despertar, Edwards admitiu alguns excessos emocionais, mas que foram evidências do Espírito Santo movendo corações humanos.
A experiência religiosa genuína sempre produz frutos práticos na vida moral e social. Não basta sentir a presença divina; é necessário que esta presença transforme nossa relação com o mundo e com nossos semelhantes, levando-nos a uma vida de maior santidade e serviço. William James, As Variedades da Experiência Religiosa, p. 287.
“Pecadores nas Mãos de um Deus Irado”: Teologia e Pastoral
“Não há nada que os mantenha fora do inferno a cada momento, a não ser a mera vontade prazerosa de Deus. As profundezas do inferno estão abertas; a boca do inferno está escancarada; e o fogo arde, e as chamas rugem.” “Não é a sua forte constituição, nem a sua diligência, nem a sua boa gestão, que mantém os pecadores fora do inferno, mas a mera mão de Deus que os segura sobre o abismo.” Jonathan Edwards, Pecadores nas Mãos de um Deus Irado.
Em 8 de julho de 1741, em Enfield, Connecticut, Jonathan Edwards proferiu seu sermão mais famoso: “Pecadores nas Mãos de um Deus Irado”. Baseado em Deuteronômio 32:35 – “A mim pertence a vingança, a retribuição, a seu tempo, quando o pé deles resvalar; porque o dia da sua calamidade está próximo, e o seu destino se apressa em chegar”, Edwards proclamou a ira de Deus contra o pecado, apelando aos ouvintes para uma vida santa. Embora não fosse eloquente orador – sua voz era fraca e pregava com manuscrito quase memorizado – seus sermões combinavam lógica clara com intensidade espiritual.
Diferentemente de seus sermões habituais, nesse dia Edwards acrescentou ilustrações vívidas, revelando-se combinação poderosa. Enquanto pregava, pessoas choravam e clamavam por arrependimento, outras se agarravam às colunas da igreja como se sentissem o inferno engolindo-as. Ele precisou esperar as pessoas se acalmarem para continuar o sermão.
Contudo, ver esse sermão apenas como exemplo de severidade é perder a maior parte da verdade. Os pregadores desta época pregavam sobre o inferno porque acreditavam ser realidade terrível sobre a qual alertar as pessoas. Consideravam a doutrina da punição eterna misteriosa e aterrorizante, mas o próprio Jesus se referira a ela. Alertar os paroquianos quanto ao perigo real era ato de amor, e quanto mais o ministro pudesse ajudá-los a sentir verdadeiramente seu perigo, mais eficaz era a advertência.
O inferno não é vingança divina, mas a consequência lógica e justa da rejeição humana ao amor de Deus. É o lugar onde o homem finalmente obtém o que sempre desejou: existir sem Deus. A tragédia não está em Deus enviar alguém ao inferno, mas no homem escolher ir para lá. C. S. Lewis, O Grande Divórcio, p. 89.
A Vida Familiar: Exemplo de Piedade Doméstica
Um Matrimônio Exemplar

O relacionamento entre Jonathan Edwards e Sarah Pierpont começou de forma inspiradora. Apesar de muitos jovens cortejarem Sarah, foi o introspectivo Jonathan que conquistou seu coração através de sua devoção a Deus e profundo amor por ela. Casaram-se em 20 de julho de 1727, quando Sarah tinha dezessete anos e Jonathan vinte e três. O matrimônio durou mais de trinta anos, caracterizado por felicidade palpável.
Sarah era administradora eficiente da casa e do estudo do marido, trabalhando incansavelmente para educar os filhos de forma piedosa, abordando prontamente seus pecados quando surgiam. Foram abençoados com onze filhos, dos quais dez chegaram à idade adulta. Jonathan Edwards também reservava tempo diário para envolver-se com os filhos, brincando ou conversando com eles. A atmosfera de paz que permeava o lar impressionava todos os visitantes, sendo evidente o apoio e admiração mútuos entre marido e mulher, refletidos em orações diárias juntos e momentos únicos de adoração no lar.
George Whitfield, após passar alguns dias neste lar tranquilo e feliz, ficou tão impactado que decidiu se casar. Whitfield não pensava em casamento, sendo homem totalmente dedicado ao ministério, mas ao ver como Jonathan Edwards conciliava tão bem ambas as responsabilidades, resolveu se casar. Ele descreveu o casal Edwards como “o mais doce que já viu.”
O casamento é escola de santificação onde dois pecadores aprendem a amar como Cristo amou. É laboratório da graça onde o egoísmo natural é confrontado diariamente com a necessidade de abnegação. Nesta união, marido e mulher tornam-se instrumentos nas mãos de Deus para o crescimento espiritual mútuo. Wayne Grudem, Teologia Sistemática, p. 743.
O amor conjugal verdadeiro é aquele que permanece quando as paixões iniciais arrefecem, quando as dificuldades se multiplicam e quando o tempo revela as imperfeições do ser amado. É amor que se aprofunda com os anos, encontrando na companhia do cônjuge seu maior tesouro terreno. Jane Austen, Persuasão, p. 178.
Teologia Doméstica: O Lar Como Reflexo da Fé
Jonathan Edwards via sua própria vida familiar como ilustração viva de fé. Em seu sermão “O Casamento da Igreja com seus Filhos e seu Deus” – Isaías 62:4-5, destacou a importância do casamento como metáfora da união entre Cristo e sua igreja. Enfatizou que essa metáfora é recorrente nas Escrituras, simbolizando a união íntima e abençoada entre Cristo e seus seguidores. Por causa disso, Edwards sentia grande responsabilidade de resplandecer isso através da vida familiar.
Os Edwards enfrentaram sua parcela de críticas. Embora Sarah não fosse gastadora extravagante, tinha gostos refinados, especialmente em roupas e comida. Jonathan Edwards também foi alvo de ira quando se recusou a admitir certas pessoas à comunhão da igreja. Os últimos anos da vida do casal foram marcados por turbulências e pobreza.

Edwards, que tinha vida acadêmica brilhante, acabou aceitando a presidência da universidade hoje conhecida como Princeton, mas contraiu varíola. Em seu leito de morte, suas últimas palavras foram para Sarah: “Dê minha mais gentil licença à minha querida esposa e diga-lhe que a união comum que existe há tanto tempo entre nós tem sido de natureza que acredito ser espiritual e, portanto, continuará para sempre. Espero que ela seja apoiada sob tão grande provação e se submeta alegremente à vontade de Deus.”
A família é microcosmo da sociedade e termômetro da saúde espiritual de uma nação. Quando os lares são piedosos, a igreja se fortalece e a sociedade se beneficia. Quando os lares se corrompem, toda estrutura social sofre as consequências desta deterioração moral. Victor Hugo, Os Miseráveis, p. 445.
Legado Duradouro: O Impacto Teológico de Edwards
Influência Teológica Transcendente
Apesar das adversidades enfrentadas nos últimos anos de vida, o legado de Jonathan Edwards perdura até hoje. Sua obra teológica influenciou gerações, destacando-se por profundidade e clareza. Edwards é amplamente reconhecido como um dos maiores teólogos da história americana. Seu impacto transcende fronteiras denominacionais, inspirando tanto calvinistas quanto arminianos. Sua abordagem rigorosa e profunda de teologia continua sendo estudada em seminários e universidades ao redor do mundo.
A ênfase de Jonathan Edwards na soberania de Deus e na importância da regeneração espiritual continua influenciando a espiritualidade cristã contemporânea. Bebendo profundamente das fontes do calvinismo, Edwards naturalmente acreditava na doutrina da eleição. Embora aceitasse que Deus escolhe quem deveria ser salvo e quem não seria, Edwards queria que todo mundo fizesse parte dos eleitos. Sabia que isso não poderia acontecer, mas insistia que os pastores deveriam pregar sobre a gravidade do pecado e a necessidade do coração se voltar para Deus.
Durante seus sessenta anos de ministério, Solomon Stoddard viu cinco “colheitas” – períodos de grande convicção espiritual que resultaram em mudanças na vida das pessoas e maior devoção a Deus. Na década de 1730, Jonathan Edwards orou pedindo por uma colheita, vendo o relaxamento dos padrões morais e sentindo que a crescente aceitação do arminianismo poderia criar época de autoconfiança espiritual.
O Grande Despertar demonstrou que Deus ainda age poderosamente na história, despertando gerações inteiras para a realidade espiritual. Estes movimentos de avivamento são lembretes de que o Evangelho não perdeu seu poder transformador e que o Espírito Santo continua convencendo o mundo do pecado, da justiça e do juízo.
Lições para Hoje
A vida de Jonathan Edwards nos lembra a importância da fé, da dedicação à família e do impacto duradouro que podemos ter mesmo diante das adversidades. Sua paixão pela verdade e busca incessante por Deus deixaram legado que ecoa através dos séculos. Quando estudamos a história da família Edwards, vemos que foi legado que perdurou durante muitas gerações.
Assim como Edwards enfrentou o declínio espiritual de sua época, a igreja contemporânea enfrenta desafios similares. A secularização crescente, o relativismo moral e a superficialidade espiritual requerem resposta teológica robusta e pastoral sensível. Jonathan Edwards oferece modelo de como combinar rigor doutrinário com fervor evangelístico, profundidade intelectual com simplicidade comunicativa.
Além disso, seu exemplo matrimonial e familiar continua relevante numa época de crise da família. O compromisso de Edwards com Sarah, sua dedicação aos filhos e sua integração bem-sucedida entre ministério público e vida doméstica oferecem paradigma para líderes cristãos contemporâneos. Sua capacidade de ser simultaneamente teólogo brilhante, marido amoroso, pai dedicado e servo fiel de Deus desafia nossas tendências modernas de compartimentalizar diferentes aspectos da vida.
A santidade não é perfeição moral inalcançável, mas direção espiritual constante. É progresso gradual na semelhança com Cristo, marcado mais pela dependência da graça que pela confiança nas próprias forças. O santo não é aquele que não peca, mas aquele que não se conforma com o pecado. John Piper, Desiring God, p. 234.
Portanto, que possamos nos inspirar na vida de Jonathan Edwards não apenas como teólogo brilhante, mas também como marido amoroso, pai dedicado e servo fiel de Deus. Que sua história nos desafie a buscar a verdade e viver com integridade, amando incondicionalmente. Que o exemplo de Edwards nos motive a vivermos nossas vidas com propósito e significado, deixando legado de fé e esperança para as gerações futuras. O legado espiritual de Jonathan Edwards permanece como farol de fé e dedicação, continuando a inspirar milhões de pessoas em sua jornada de fé.
Somente Cristo! Pr. Reginaldo Soares.
Leia também:
- John Wesley: A Chama Que Despertou a Inglaterra
- Ashbel Green Simonton: O Jovem que Transformou o Brasil
- LEONAD RAVENHILL: O Profeta do Avivamento
- Por volta dos anos 1730 e 1740, uma onda de renovação espiritual varreu as colônias americanas, tirando as pessoas de uma “sonolência” espiritual. Esse foi o Primeiro Grande Despertamento Espiritual. Pregadores como Jonathan Edwards, com seus sermões poderosos e cheios de paixão (“Pecadores nas Mãos de um Deus Irado”), e o carismático George Whitefield, que viajava por todas as colônias, agitavam multidões e despertavam um intenso senso de pecado, arrependimento e a necessidade de uma conversão pessoal. Foi um tempo onde a fé deixou de ser algo formal e tradicional e se tornou uma experiência viva e transformadora para milhares de pessoas, impactando não só a religião, mas também a sociedade e até as ideias de liberdade que levariam à Revolução Americana. ↩︎
- Solomon Stoddard foi uma figura e tanto na Nova Inglaterra do século XVII e início do XVIII, conhecido como o avô do famoso Jonathan Edwards. Este pastor respeitado e de testemunho poderoso, que liderou a influente igreja de Northampton, Massachusetts, por quase 60 anos! Stoddard era um pregador eloquente e um pensador teológico ousado para sua época. Sua influência foi imensa, moldando o cenário religioso que seu neto, Edwards, mais tarde tentaria redefinir com sua ênfase na experiência de conversão genuína. ↩︎

Meu chamado para o ministério pastoral veio em 1994, sendo encaminhado ao conselho da Igreja Presbiteriana (IPB) em Queimados e em seguida ao Presbitério de Queimados (PRQM). Iniciei meus estudos no ano seguinte, concluindo-os em 1999. A ordenação para o ministério pastoral veio em 25 de junho de 2000, quando assumi pastoreio na IPB Inconfidência (2000-2003) e da IPB Austin (2002-2003). Desde de 2004 tenho servido como pastor na Igreja Presbiteriana em Engenheiro Pedreira (IPEP), onde sigo conduzido esse amado rebanho pela graça de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Sou casado há 22 anos com Alexsandra, minha querida esposa, sou pai de Lisandra e Samantha, preciosas bênçãos de Deus em nossas vidas. Me formei no Seminário Teológico Presbiteriano Ashbel Green Simonton, no Rio de Janeiro, e consegui posteriormente a validação acadêmica pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pela bondade de nosso Senhor, seguimos compartilhando fé, amor e buscando a cada dia crescimento espiritual. Somente Cristo!