LIÇÃO 02: LIDERES QUE DEUS QUER USAR.

As características essenciais dos líderes que Deus escolhe usar na Sua obra, baseada em princípios bíblicos sólidos e na teologia reformada.

LIÇÃO 02: LIDERES QUE DEUS QUER USAR.

A liderança cristã autêntica começa no altar da oração e se desenvolve na fornalha das provações. Deus não está buscando líderes talentosos, mas submissos; não busca os eloquentes, mas os fiéis. O líder que Deus usa é aquele que reconhece que não tem nada a oferecer além de sua disponibilidade. O caráter do líder cristão é mais importante que seus dons, sua experiência ou seu conhecimento. Antes de enviar Seus líderes ao mundo, Deus primeiro os forma na intimidade com Ele. A liderança cristã é fundamentada em princípios bíblicos de serviço, caráter e dependência do Espírito Santo.

Palavra-chave: Características de um Líder Cristão.

Texto básico: Atos dos Apóstolos 13:1-3. “Havia na igreja de Antioquia profetas e mestres: Barnabé; Simeão, chamado Níger; Lúcio, de Cirene; Manaém, que tinha sido criado com Herodes, o tetrarca; e Saulo. Enquanto eles estavam adorando o Senhor e jejuando, o Espírito Santo disse: — Separem-me, agora, Barnabé e Saulo para a obra a que os tenho chamado. Então, jejuando e orando, e impondo as mãos sobre eles, os despediram.”

Leituras complementares

  1. 1 Timóteo 3:1-7 – Requisitos para os bispos na igreja, detalhando qualificações específicas para liderança.
  2. Tito 1:5-9 – Instruções de Paulo a Tito sobre as qualidades necessárias para presbíteros.
  3. Êxodo 18:13-26 – Jetro aconselha Moisés sobre delegação e seleção de líderes capazes.
  4. Neemias 1:1-11 – Retrata a compaixão, oração e preparação espiritual de um líder antes de agir.
  5. 2 Timóteo 2:1-7 – Paulo instrui Timóteo sobre a perseverança, disciplina e multiplicação na liderança.
  6. Filipenses 2:1-11 – O exemplo supremo de liderança servidora em Cristo, que se esvaziou para servir.
  7. 1 Pedro 5:1-5 – Exortação aos presbíteros sobre como devem pastorear o rebanho de Deus.

No mundo dos esportes, a escolha de um técnico para liderar uma equipe nacional frequentemente gera debates acalorados entre torcedores e especialistas. As críticas ao técnico da seleção brasileira durante a Copa do Mundo por exemplo, demonstram que mesmo em contextos esportivos, raramente existe unanimidade sobre quem é o melhor líder para determinada função. Se em assuntos temporais a seleção de líderes já é tão complexa, quanto mais em questões de importância eterna!

Imagine uma igreja que esta em busca de líderes. Mesmo depois de todo o processo de procura, conversas e tempo de oração, frequentemente surgem dúvidas: “Esse é realmente o líder que Deus quer usar em nossa congregação?” A questão é crucial porque a escolha da liderança afetará profundamente o direcionamento espiritual, o crescimento e a saúde de toda a comunidade.

Na Igreja primitiva, enfrentou um desafio semelhante em Antioquia. Em Atos 13:1-3, vemos um modelo inspirador de como Deus seleciona, prepara e envia líderes para sua obra. Este episódio não apenas ilustra o processo de identificação e separação de líderes, mas também revela características fundamentais dos que Deus deseja usar em Seu Reino.

Deus não está interessado apenas em habilidades naturais ou formação acadêmica, embora esses elementos tenham seu valor. Como veremos, Ele busca homens e mulheres com características específicas que os qualificam para liderar seu povo. Nossa lição explorará essas características essenciais, ajudando-nos a compreender e desenvolver os atributos que Deus valoriza em Seus líderes.

Explicação do Texto Básico

O texto de Atos 13:1-3 representa um momento crucial na história da igreja primitiva e na expansão do evangelho. Este trecho nos transporta a Antioquia, cidade que havia se tornado um centro importante para o cristianismo nascente, conforme vimos nos capítulos anteriores de Atos.

Contexto histórico: Antioquia era a terceira maior cidade do Império Romano, um importante centro comercial e cultural onde pela primeira vez os discípulos foram chamados cristãos, “E, quando o encontrou, levou-o para Antioquia. E, durante um ano inteiro, se reuniram naquela igreja e ensinaram numerosa multidão. Em Antioquia, os discípulos foram, pela primeira vez, chamados de cristãos.” (Atos 11:26). A igreja ali estabelecida tinha características singulares: era multiétnica, composta por judeus e gentios, e estava geograficamente distante de Jerusalém, o que lhe conferia certa autonomia. O capítulo 13 se inicia logo após Lucas mencionar o retorno de Barnabé e Saulo de Jerusalém para Antioquia, estabelecendo a continuidade narrativa.

Estrutura de liderança: O versículo 1 nos apresenta um quadro fascinante da liderança da igreja em Antioquia. “Havia na igreja de Antioquia profetas e mestres: Barnabé, Simeão, por sobrenome Níger, Lúcio de Cirene, Manaém, que fora criado com Herodes, o tetrarca, e Saulo.” Notamos uma liderança plural, sem hierarquia rígida, embora haja uma ordem na menção dos nomes que provavelmente reflete algum tipo de senioridade ou reconhecimento.

A designação “profetas e mestres” não estabelece uma divisão clara entre essas funções, como se alguns fossem exclusivamente profetas e outros mestres. Ao contrário, essa dupla designação indica que a igreja possuía entre suas lideranças as duas formas mais importantes do ministério da palavra: a proclamação diretamente inspirada pelo Espírito Santo, com discernimento espiritual e capacidade de antever o futuro (profetas), e o ensino doutrinário fundamentado, abordando questões práticas e pastorais (mestres). Nesse estágio da igreja, “carisma” e “ministério” ainda estavam completamente entrelaçados.

Os líderes: É significativo observar quem são esses homens:

  • Barnabé: Figura proeminente, mencionado primeiro, levita de Chipre que serviu de elo entre Jerusalém e Antioquia. Seu nome significa “filho da consolação” (Atos 4:36).
  • Simeão chamado Níger: O cognome “Níger” significa “o negro” em latim, o que poderia indicar sua aparência física ou origem africana. Provavelmente estava relacionado aos homens de Cirene mencionados em Atos 11:20, “Alguns deles, porém, que eram de Chipre e de Cirene e que foram até Antioquia, falavam também aos gregos, anunciando-lhes o evangelho do Senhor Jesus”.
  • Lúcio de Cirene: Originário do norte da África (atual Líbia), possivelmente um dos fundadores da igreja de Antioquia.
  • Manaém: Figura intrigante, descrito como “irmão de criação de Herodes, o tetrarca”. Isso poderia significar que foi criado na mesma corte ou que sua mãe foi ama-de-leite de Herodes Antipas. De qualquer forma, era alguém com conexões na alta sociedade.
  • Saulo: Mencionado por último, ainda não o “grande Paulo”, mas um jovem iniciante no ministério, que posteriormente se tornaria o apóstolo dos gentios.

Esta lista evidencia a diversidade étnica, cultural e social da liderança em Antioquia: judeus da diáspora, possivelmente um africano, um homem conectado à realeza e um ex-perseguidor da igreja. Todos eram homens experimentados na fé, sem que nenhum fosse um recém-convertido de Antioquia.

O chamado missionário: Os versículos 2-3 descrevem uma mudança paradigmática na história da missão cristã. Até então, a expansão do evangelho havia ocorrido de maneira espontânea, impulsionada por circunstâncias como a perseguição (Atos 8:1-4) ou a iniciativa individual de crentes (Atos 11:19-21). Agora, porém, testemunhamos o envio intencional de missionários.

“Enquanto eles ministravam perante o Senhor e jejuavam, disse o Espírito Santo: Separai-me agora a Barnabé e a Saulo para a obra a que os tenho chamado.” Este é um momento extraordinário onde a iniciativa parte diretamente do Espírito Santo, não de planos humanos ou estratégias eclesiásticas. A expressão “ministravam” (λειτουργούντων/leitourgountōn) tem conotação de serviço litúrgico, indicando um contexto de adoração comunitária.

O jejum, mencionado duas vezes nesses versículos, não é apresentado como uma obra meritória, mas como uma disciplina espiritual que facilita a concentração e a receptividade à voz de Deus. É nesse ambiente de dedicação espiritual que o Espírito comunica sua vontade, provavelmente através dos profetas presentes.

Separação para a missão: A instrução do Espírito contém elementos significativos:

  1. “Separai-me” – Os escolhidos pertencem primariamente ao Espírito Santo, não à igreja local ou a projetos humanos.
  2. São enviados dois, não um só – seguindo o modelo de Jesus, que enviou seus discípulos “dois a dois” (Marcos 6:7; Lucas 10:1), proporcionando companheirismo, apoio mútuo e complementaridade.
  3. A escolha de Barnabé (o primeiro da lista) e Saulo (o último) demonstra que o Espírito Santo trabalha conforme Sua soberana vontade, não necessariamente seguindo hierarquias humanas.
  4. A missão é definida em termos gerais – “para a obra a que os tenho chamado” – sem detalhes específicos sobre destinos ou estratégias, exigindo fé e dependência contínua.

O envio: “Então, jejuando, orando e impondo sobre eles as mãos, os despediram.” A igreja reconhece e confirma o chamado divino através de três ações: jejum (demonstrando a seriedade do momento), oração (buscando a bênção divina) e imposição de mãos (simbolizando a identificação da comunidade com os enviados e a transmissão de autoridade). Este não foi um ritual vazio, mas a expressão visível de uma realidade espiritual: Barnabé e Saulo foram comissionados para representar Cristo e a igreja no mundo gentílico.

A simplicidade deste ato contrasta com a magnitude de suas consequências. Estava começando ali a maior empreitada missionária da história da igreja primitiva, que resultaria na expansão do evangelho por todo o mundo greco-romano e culminaria na chegada da mensagem de Cristo à capital do império.

I. O LÍDER COM O CORAÇÃO DE DEUS

O primeiro requisito essencial para um líder que Deus deseja usar é que ele possua um coração voltado para Deus. Não se trata apenas de habilidades, títulos ou experiência, mas de uma vida de intimidade e submissão ao Senhor.

A. A importância da oração na seleção de líderes

Jesus demonstrou a importância crucial da oração na seleção de líderes quando passou uma noite inteira em oração antes de escolher os doze apóstolos. Lucas 6:12-13 relata: “Naqueles dias, retirou-se para o monte, a fim de orar, e passou a noite orando a Deus. E, quando amanheceu, chamou a si os seus discípulos e escolheu doze dentre eles, aos quais deu também o nome de apóstolos.”

Esta prática de buscar a direção divina em oração antes de selecionar líderes tornou-se um padrão na igreja primitiva. Em Atos 1:24-26, vemos os apóstolos orando: “Tu, Senhor, que conheces o coração de todos, mostra qual destes dois tens escolhido para tomar o lugar neste ministério e apostolado.” Da mesma forma, em nosso texto básico, Atos 13:2-3, é durante um período de oração e jejum que o Espírito Santo indica Barnabé e Saulo para a obra missionária.

Hernandes Dias Lopes, em sua obra “O Valor da Oração na Vida Cristã”, afirma: “A oração não é apenas um dever cristão, mas o respirar da alma. É na oração que descobrimos a vontade de Deus e recebemos poder para executá-la. Toda seleção de líderes deve começar e terminar no altar da oração.” (p. 87).

Quando igrejas e organizações cristãs buscam novos líderes, o processo deve ser saturado de oração. Comitês de busca, conselhos e congregações precisam dedicar tempo significativo à oração, buscando discernir não apenas competências, mas o coração dos candidatos. A oração não é meramente uma formalidade, mas o reconhecimento de nossa dependência da sabedoria divina.

B. Reconhecendo o chamado divino

Um aspecto fundamental na seleção de líderes cristãos é o reconhecimento, tanto pelo indivíduo quanto pela comunidade de fé, de que existe um chamado divino. A Escritura é clara ao apresentar o chamado não como uma mera aspiração pessoal, mas como uma convocação de Deus. Em Atos 13:2, lemos: “E, servindo eles ao Senhor e jejuando, disse o Espírito Santo: Separai-me a Barnabé e a Saulo para a obra a que os tenho chamado.” Esse versículo demonstra que o chamado ministerial é, antes de tudo, uma iniciativa divina, sendo Deus quem separa e capacita aqueles que servirão na liderança da Igreja.

John Stott, em sua análise do livro de Atos, ressalta essa dupla dimensão do chamado divino ao afirmar: “O chamado divino é tanto interno quanto externo. Internamente, há a convicção pessoal; externamente, há o reconhecimento e confirmação da igreja. Ambos são necessários para validar o chamado ao ministério. (Stott, A Mensagem de Atos, p. 219). Esse entendimento é essencial porque evita dois erros comuns na nomeação de líderes: por um lado, a ênfase excessiva na experiência subjetiva, sem uma avaliação comunitária; por outro, a nomeação de líderes apenas com base em critérios organizacionais ou institucionais, sem considerar a vocação genuína.

Jonathan Edwards, no século XVIII, desenvolveu um pensamento semelhante ao enfatizar que “o verdadeiro chamado de Deus se manifesta não apenas por uma convicção interior, mas por frutos visíveis na vida do chamado e pelo reconhecimento desses frutos por parte do povo de Deus.” (Edwards, Obras Completas, Vol. 2, p. 147). Edwards argumenta que aqueles que são chamados para a liderança não apenas sentirão um peso interior pelo ministério, mas também demonstrarão evidências concretas de sua vocação. Esse ponto é coerente com a exortação de Jesus em Mateus 7:16: “Pelos seus frutos os conhecereis.”

Herman Bavinck, em sua Dogmática Reformada, complementa essa visão ao destacar que o chamado é mais do que uma inclinação pessoal: “A vocação ministerial se diferencia de outras profissões porque não depende meramente de habilidades naturais ou interesses pessoais, mas de uma convocação divina específica, confirmada pelo corpo de Cristo.” (Bavinck, Dogmática Reformada, Vol. 4, p. 420). Isso significa que a liderança cristã não é uma carreira na qual alguém entra por decisão própria, mas uma obediência ao chamado soberano de Deus.

João Calvino, ao tratar do chamado em suas Institutas da Religião Cristã, argumenta que a confirmação comunitária do chamado não é um mero formalismo, mas uma forma pela qual Deus governa sua Igreja: “Ninguém deve arrogar-se esta honra por si mesmo, pois a Igreja é a guardiã do chamado e reconhece aqueles a quem Deus levantou.” (Calvino, Institutas, IV.3.10). Isso nos ensina que o chamado não é individualista, mas se manifesta no contexto da comunhão dos santos.

A tradição reformada, portanto, reforça a importância de considerar tanto o aspecto interno quanto o externo do chamado divino. Um líder cristão verdadeiro não apenas sente em seu coração a convicção de que foi chamado, mas demonstra esse chamado por meio de sua vida, caráter e serviço. Além disso, a Igreja, como corpo de Cristo, desempenha um papel fundamental ao discernir e confirmar esse chamado. É assim que Deus edifica sua Igreja, chamando, equipando e enviando aqueles que foram escolhidos para sua obra.

II. O LÍDER APROVADO E PROVADO

Deus não coloca novatos em posições de grande responsabilidade. Ele seleciona aqueles que foram testados e aprovados através de experiências e situações desafiadoras.

A. O perigo da imaturidade na liderança

Paulo advertiu contra a nomeação de recém-convertidos para posições de liderança: “não neófito, para não suceder que se ensoberbeça e incorra na condenação do diabo” (1 Timóteo 3:6). A história do rei Saul ilustra vividamente os perigos da imaturidade espiritual e emocional na liderança. Quando confrontado por Samuel sobre sua desobediência, Saul ofereceu desculpas em vez de arrependimento genuíno (1 Samuel 15:14-15), “Mas Samuel perguntou: Então que balido de ovelhas é este nos meus ouvidos e o mugido de bois que estou escutando? Saul respondeu: Trouxeram isso dos amalequitas. Porque o povo guardou o melhor das ovelhas e dos bois, para os sacrificar ao Senhor, o seu Deus. O resto nós destruímos totalmente.” demonstrando um raciocínio infantil e carente de princípios.

Augustus Nicodemus, em seu comentário sobre 1 Timóteo, explica: “O termo ‘neófito’ literalmente significa ‘recém-plantado’. Paulo está preocupado com a maturidade espiritual, não necessariamente com a idade cronológica. Um líder imaturo, mesmo que bem-intencionado, pode causar grande dano ao rebanho de Cristo e a si mesmo.” (Comentário Expositivo de 1 Timóteo, p. 122).

B. O processo de desenvolvimento de líderes

A liderança cristã não se resume a um dom concedido por Deus no momento do chamado, mas envolve também um processo contínuo de desenvolvimento e aperfeiçoamento. R.C. Sproul destaca essa realidade ao afirmar: “O ministério cristão não é apenas uma questão de dom, mas também de desenvolvimento. O talento sem treinamento geralmente leva à tragédia na igreja. Deus chama, equipa, mas também prepara seus servos através de processos que desenvolvem tanto o caráter quanto a competência.” (Sproul, Chamados para Servir, p. 76). Essa perspectiva ressoa com a narrativa bíblica, na qual Deus não apenas chama, mas também molda seus líderes ao longo do tempo. Moisés passou 40 anos no deserto antes de ser chamado para libertar Israel (Êx 3:1-12), Davi foi ungido rei enquanto ainda era um jovem pastor (1Sm 16:12-13), mas enfrentou anos de provações antes de assumir o trono, e os discípulos de Jesus passaram por um período intenso de aprendizado antes de serem enviados ao ministério (Mc 3:14).

Herman Bavinck reforça essa necessidade de preparação ao afirmar que “ninguém está naturalmente apto para o ministério da Palavra, pois a tarefa de proclamar o evangelho e guiar a Igreja de Cristo exige não apenas conhecimento doutrinário, mas um caráter santificado e uma profunda comunhão com Deus.” (Bavinck, Dogmática Reformada, Vol. 4, p. 424). A liderança cristã, portanto, não é um título concedido com base apenas em dons naturais, mas um chamado que exige discipulado, aprendizado e transformação pessoal.

João Calvino também enfatiza esse princípio ao argumentar que Deus trabalha através da formação e disciplina, preparando aqueles a quem chama para que possam exercer o ministério com fidelidade e eficácia. Ele escreve: “Aqueles que são chamados ao ministério devem primeiro ser provados, pois ninguém pode presidir a Igreja de Deus sem que antes tenha sido preparado por Ele.” (Institutas da Religião Cristã, IV.3.12). Esse conceito está alinhado com a exortação de Paulo a Timóteo: “Procura apresentar-te a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade.” (2Tm 2:15). O apóstolo enfatiza que um líder cristão deve não apenas possuir um chamado, mas também demonstrar dedicação ao estudo e à prática da Palavra.

Jonathan Edwards reforça essa ideia ao afirmar que “os dons naturais podem atrair seguidores, mas somente um caráter moldado pelo Espírito Santo pode sustentar um ministério frutífero e duradouro.” (Edwards, Obras Completas, Vol. 2, p. 153). Em outras palavras, a competência ministerial não se limita à capacidade intelectual ou habilidades comunicativas, mas se baseia em um caráter transformado pela graça de Deus. Essa verdade é visível na vida de líderes como Paulo, cuja formação antes e depois do encontro com Cristo foi essencial para que ele pudesse se tornar o apóstolo dos gentios (Gl 1:15-18).

Portanto, a tradição reformada enfatiza que o chamado divino inclui não apenas a escolha soberana de Deus, mas também um período de preparo, treinamento e maturação. Aqueles que são chamados ao ministério precisam reconhecer que o processo de crescimento é tão essencial quanto o próprio chamado, pois é nele que Deus desenvolve a humildade, a resiliência e a fidelidade necessárias para liderar seu povo.

III. O LÍDER DISPONÍVEL E DEDICADO

Deus busca homens e mulheres não apenas capazes, mas disponíveis – pessoas dispostas a abandonar suas próprias agendas e prioridades para seguir Seu chamado.

A. A prioridade do Reino sobre interesses pessoais

O chamado de Cristo para seus discípulos sempre exigiu uma entrega total e uma disposição radical para colocar o Reino de Deus acima de qualquer outra consideração. Em Lucas 9:59-62, Jesus estabelece um padrão elevado de compromisso: a um homem que queria primeiro sepultar seu pai, Ele respondeu: “Deixa aos mortos o sepultar os seus próprios mortos.” A outro que desejava despedir-se de sua família, advertiu: “Ninguém que, tendo posto a mão no arado, olha para trás é apto para o reino de Deus.” Essas palavras refletem a urgência do chamado ao discipulado e a exigência de uma lealdade inabalável a Cristo, superior até mesmo às obrigações familiares e sociais.

O apóstolo Paulo exemplificou essa prioridade no ministério ao elogiar Timóteo por sua disponibilidade excepcional: “Porque a ninguém tenho de igual sentimento que, sinceramente, cuide dos vossos interesses; pois todos eles buscam o que é seu próprio, não o que é de Cristo Jesus” (Fp 2:20-21). Em contraste com outros que colocavam suas preocupações pessoais acima da missão do evangelho, Timóteo demonstrou a verdadeira marca de um servo de Cristo: um coração totalmente voltado para os interesses do Senhor. João Calvino, em seus comentários sobre Filipenses, destaca essa disposição como um sinal distintivo de um verdadeiro ministro: “O verdadeiro ministro de Cristo é reconhecido quando busca não seus próprios interesses, mas somente a glória de seu Mestre e o bem daqueles a quem serve. Tal abnegação é rara, mas essencial.” (As Institutas da Religião Cristã, IV.3.12).

Essa abnegação e entrega total não são apenas recomendadas, mas são marcas distintivas do discipulado autêntico. Herman Bavinck argumenta que “o Reino de Deus exige prioridade absoluta, pois seu valor é incomparável. Aqueles que tentam combiná-lo com ambições pessoais acabam comprometendo sua fidelidade a Cristo.” (Dogmática Reformada, Vol. 4, p. 254). Esse princípio é refletido nas palavras de Jesus em Mateus 6:33: “Buscai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas.”

Jonathan Edwards reforça essa necessidade de desprendimento ao afirmar que os verdadeiros discípulos de Cristo não consideram sua própria comodidade, reputação ou segurança acima da glória de Deus. Eles estão dispostos a abandonar tudo, se necessário, para seguir seu Senhor.” (Obras Completas, Vol. 2, p. 189). A vida dos apóstolos ilustra essa realidade: todos, exceto João, sofreram martírio por causa do evangelho, demonstrando que o chamado de Cristo é, muitas vezes, um chamado ao sofrimento e à renúncia pessoal.

Martinho Lutero também enfatizou essa verdade ao confrontar a busca por segurança e conforto na vocação cristã. Ele afirmou: “Um verdadeiro ministro de Deus não pergunta: ‘O que é mais seguro para mim?’, mas sim: ‘O que glorifica mais a Cristo?’ A cruz é a marca do discipulado.” (Sobre a Liberdade Cristã, p. 37). Sua própria vida exemplificou esse princípio, pois enfrentou perseguição, exílio e oposição feroz por causa da verdade do evangelho.

Portanto, a tradição reformada enfatiza que a liderança cristã exige uma entrega total, na qual os interesses pessoais são subordinados à missão do Reino. Isso não significa negligência irresponsável das responsabilidades familiares ou cotidianas, mas sim a disposição de colocar Cristo acima de tudo. Como escreveu Dietrich Bonhoeffer: “Quando Cristo chama um homem, ele ordena que venha e morra.” (O Custo do Discipulado, p. 79). Seguir a Cristo significa viver uma vida onde o Reino de Deus é a prioridade absoluta, e qualquer coisa que nos impeça de avançar na fé deve ser deixada para trás.

B. O espírito de sacrifício

A verdadeira liderança cristã é inseparável do espírito de sacrifício. Jesus deixou claro que seguir a Ele exigiria renúncia e disposição para abrir mão de bens, relacionamentos e segurança pessoal pelo Reino de Deus. Em Mateus 19:29, Ele declarou: “E todo aquele que tiver deixado casas, ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe, ou mulher, ou filhos, ou campos, por causa do meu nome, receberá cem vezes mais e herdará a vida eterna.” Essa promessa destaca tanto o custo quanto a recompensa do discipulado: o chamado para servir a Cristo não é isento de sofrimento, mas traz consigo a certeza da plenitude em Deus.

Dietrich Bonhoeffer, um dos mais notáveis teólogos do século XX, sintetizou essa realidade com uma de suas frases mais marcantes: “Quando Cristo chama um homem, ele o convida a vir e morrer.” (O Custo do Discipulado, p. 89). Essa declaração, nascida em meio à perseguição nazista, ressoa com as palavras de Jesus em Lucas 9:23: “Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome cada dia a sua cruz e siga-me.” Bonhoeffer não via o discipulado como algo opcional ou confortável, mas como um chamado radical ao sacrifício, algo evidente em sua própria vida, que terminou em um campo de concentração por sua oposição ao regime de Hitler.

A tradição reformada enfatiza que o sacrifício na vida cristã não é um fardo sem propósito, mas uma resposta natural à soberania de Cristo sobre todas as coisas. Abraham Kuyper, ao afirmar que “Não há um centímetro quadrado em todo o domínio da existência humana sobre o qual Cristo, que é Soberano de tudo, não clame: ‘É meu!'” (Sermões sobre a Soberania de Deus, p. 14), ensina que a totalidade da vida do crente pertence a Deus. Isso significa que cada aspecto da nossa existência—trabalho, família, bens e ambições—deve estar subordinado ao senhorio de Cristo. O líder cristão, portanto, não busca poder ou influência para si mesmo, mas entrega sua vida ao serviço de Deus e do próximo.

Jonathan Edwards reforça esse princípio ao descrever a verdadeira piedade como um amor tão profundo por Deus que leva à disposição de abrir mão de qualquer coisa por Ele: “O verdadeiro cristão está disposto a abandonar tudo por Cristo, porque seu coração já pertence inteiramente a Ele.” (Obras Completas, Vol. 2, p. 163). Edwards via o espírito de sacrifício como a marca de um coração verdadeiramente regenerado, que compreende o valor supremo de Cristo acima de todas as outras coisas.

João Calvino, em sua Institutas da Religião Cristã, ensina que A vida cristã é uma vida de constante autonegação. O crente não é chamado a buscar sua própria glória, mas a ser um sacrifício vivo, consagrado a Deus.” (Institutas, Livro III. Capítulo VII. seção I). Ele baseia essa afirmação em Romanos 12:1, onde Paulo exorta os crentes a oferecerem seus corpos como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus. Para Calvino, a verdadeira liderança cristã não se mede pelo sucesso ou pelo reconhecimento humano, mas pela disposição de servir e sofrer pelo evangelho.

Martinho Lutero também abordou o custo do discipulado ao afirmar: “Uma fé que não custa nada não vale nada.” (Comentário sobre Gálatas, p. 112). Ele entendia que o evangelho genuíno inevitavelmente traria perseguição e dificuldades, mas que essas provas eram o caminho para a verdadeira comunhão com Cristo. A história da Reforma está repleta de exemplos de líderes que, seguindo esse princípio, sacrificaram suas vidas e reputações pela verdade do evangelho.

O espírito de sacrifício, portanto, não é uma opção na liderança cristã, mas uma característica essencial. O próprio Cristo, o modelo supremo de liderança, não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos (Marcos 10:45). Seguir os passos do Mestre significa abraçar uma vida de renúncia, confiando que aquele que nos chama também nos sustentará. Como disse Charles Spurgeon: “Deus nunca desperdiça a vida de Seus servos. Se Ele os chama ao sacrifício, é porque há uma colheita maior a ser feita.” (Sermões Selecionados, p. 211).

Um caso real de alguém expulso e atacado por sua própria família após se converter a Cristo ocorreu em Uganda. Em agosto de 2015, um homem muçulmano espancou sua esposa e seu filho de 18 anos até deixá-los quase mortos após descobrir que eles haviam se convertido ao cristianismo. O filho mais novo conseguiu escapar com ferimentos leves, mas a mãe e o filho mais velho sofreram ferimentos graves e precisaram de atendimento médico. Esse episódio é um dos muitos casos de perseguição contra cristãos ex-muçulmanos na região, onde extremistas têm pressionado e atacado aqueles que abandonam o Islã.

Esse tipo de perseguição é um reflexo do crescente extremismo islâmico em Uganda, apesar de o país ter maioria cristã. Relatos indicam que grupos extremistas, como a Aliança das Forças Democráticas, têm recrutado jovens para espalhar essa ideologia, aumentando a pressão sobre os convertidos ao cristianismo.

Portanto, a liderança cristã autêntica é marcada por uma disposição de entregar tudo por Cristo. Seja renunciando à segurança, à reputação ou até mesmo à própria vida, o líder fiel compreende que o verdadeiro valor não está no que é perdido, mas no que é ganho: Cristo mesmo, a recompensa suprema.

IV. O LÍDER DISPOSTO A APRENDER E ENSINAR

O líder que Deus deseja usar é tanto um eterno estudante quanto um professor eficaz. Ele nunca para de crescer em conhecimento e sabedoria, enquanto compartilha fielmente o que aprendeu.

A. O compromisso com o crescimento contínuo

O compromisso com o crescimento contínuo é um dos pilares fundamentais da liderança cristã. Em 1 Timóteo 3:2, Paulo enfatiza que os presbíteros devem ser “aptos para ensinar”, o que pressupõe uma busca constante pelo conhecimento e pela maturidade espiritual. Essa aptidão não é inata, mas sim fruto de um processo de aprendizado contínuo e diligente. Martinho Lutero reconhecia essa necessidade ao afirmar: “Aquele que ensina a outros deve ser sempre estudante da Palavra de Deus” (Conversas À Mesa De Lutero, p. 234).

A história bíblica reforça essa ideia ao mostrar que mesmo os líderes mais experientes precisavam continuar aprendendo. Moisés, já avançado em idade e com décadas de caminhada com Deus, recebeu a promessa: “Vai, pois, agora, e eu serei com a tua boca e te ensinarei o que hás de falar” (Êxodo 4:12). Isso demonstra que a capacitação divina e o crescimento no conhecimento da verdade não cessam com o tempo, mas acompanham o líder durante toda a sua jornada. João Calvino, comentando sobre esse episódio, observa: “Deus não escolhe aqueles que já são perfeitos, mas aqueles que, reconhecendo suas fraquezas, estão dispostos a ser moldados por Ele.” (Comentário sobre Êxodo, p. 176).

Wayne Grudem reforça essa perspectiva ao afirmar que “o crescimento no conhecimento da Palavra de Deus não é opcional para líderes cristãos, mas essencial. A estagnação intelectual frequentemente precede a estagnação espiritual” (Teologia Sistemática, p. 976). Isso significa que a formação contínua não é apenas uma questão de aprimoramento pessoal, mas um requisito para a eficácia no ministério.

Herman Bavinck, em sua Dogmática Reformada, também enfatiza que o estudo das Escrituras deve ser uma prática constante para todo líder cristão: “O conhecimento da verdade não é um estado estático, mas um rio que flui. O ministro da Palavra deve se aprofundar continuamente nas Escrituras, pois nelas há sempre mais a ser descoberto” (Vol. 1, p. 312). Isso se alinha com a exortação de Paulo a Timóteo: “Medita estas coisas; ocupa-te nelas, para que o teu progresso a todos seja manifesto” (1 Timóteo 4:15).

Essa busca pelo crescimento contínuo não se restringe ao conhecimento acadêmico, mas também envolve o aperfeiçoamento do caráter e a vida de oração. R.C. Sproul destaca que “nenhum líder cristão pode guiar seu povo além do nível de sua própria piedade” (A Santidade de Deus, p. 92). Dessa forma, além do estudo, é necessário que o líder cultive uma vida de intimidade com Deus, pois a liderança eficaz nasce da comunhão profunda com Ele.

Em suma, o verdadeiro líder cristão é aquele que entende que nunca está completamente formado, mas está sempre em crescimento. Ele não apenas ensina, mas aprende; não apenas lidera, mas também é moldado por Deus e pela Sua Palavra. Como disse Charles Spurgeon: “Aquele que deixa de crescer deixa de liderar.” (Lições aos meus Alunos, p. 56).

B. A responsabilidade de ensinar com fidelidade

A responsabilidade de ensinar com fidelidade é um dos aspectos mais solenes da liderança cristã. Tiago 3:1 nos alerta: “Meus irmãos, não vos torneis, muitos de vós, mestres, sabendo que havemos de receber maior juízo.” Esta advertência não tem o propósito de desestimular o ensino, mas de destacar a seriedade da tarefa de comunicar a verdade de Deus. Aquele que ensina não apenas influencia a vida de outros, mas também presta contas diante de Deus sobre a maneira como transmite a Palavra.

D.A. Carson ressalta que “o julgamento mais severo para mestres não se refere primariamente aos que conscientemente distorcem a verdade, mas àqueles que, por preguiça intelectual e descuido, falham em expor fielmente a Palavra de Deus” (A Cruz e o Ministério Cristão, p. 112). Isso significa que não basta ter boas intenções ao ensinar; é necessário zelo, estudo e compromisso com a precisão teológica. João Calvino reforça essa ideia ao afirmar que “a integridade de um mestre é demonstrada por sua fidelidade às Escrituras, pois não é sua opinião pessoal que deve prevalecer, mas a verdade de Deus” (Comentário sobre Tiago, p. 67).

Além da responsabilidade de transmitir corretamente a verdade bíblica, há o dever de viver em conformidade com o ensino. Michael Horton observa que “ensinar não é apenas transmitir informações, mas formar pessoas à imagem de Cristo. Por isso, o próprio professor deve ser continuamente formado pela Palavra que ensina” (O Cristão e a Cultura, p. 203). Essa ideia ressoa com a advertência de Paulo a Timóteo: “Tem cuidado de ti mesmo e da doutrina; persevera nestas coisas; porque, fazendo isto, te salvarás, tanto a ti mesmo como aos que te ouvem” (1 Timóteo 4:16).

Herman Bavinck aprofunda essa perspectiva ao afirmar que “a autoridade do ensino cristão não está na eloquência do pregador, mas na fidelidade com que ele comunica a Palavra de Deus. O ensino é um meio pelo qual a igreja é edificada e preservada na verdade” (Dogmática Reformada, Vol. 4, p. 98). Isso implica que todo líder cristão deve se esforçar continuamente para crescer no conhecimento das Escrituras, evitando a superficialidade e o ensino irresponsável.

O compromisso com a fidelidade no ensino se reflete também na atitude do mestre em relação à Palavra. Charles Spurgeon exorta: “Pregadores e mestres devem mergulhar tão profundamente nas Escrituras que suas palavras sejam como um rio que transborda da fonte divina, e não como um balde raso retirado de um poço seco” (Lições aos meus Alunos, p. 84). Isso exige disciplina no estudo e oração para que o ensino não seja apenas uma transmissão de informações, mas um instrumento para a transformação de vidas.

V. O LÍDER PERSEVERANTE E FIEL

Finalmente, Deus busca líderes que perseveram diante das adversidades e permanecem fiéis até o fim. A liderança cristã é uma maratona, não uma corrida de velocidade.

A. A importância da consistência

A consistência na liderança cristã não se baseia apenas em começos promissores, mas na capacidade de perseverar até o fim. John Haggai, após estudar personalidades históricas e líderes contemporâneos, afirmou: “Um fator distingue a organização que vence: a habilidade de permanecer.” Essa perseverança é resultado de convicções profundas e de um compromisso inabalável com o chamado divino. A constância na fé não é um mero traço de personalidade, mas uma virtude cultivada pela graça de Deus.

A Bíblia está repleta de exemplos de perseverança. José, mesmo enfrentando traição e anos de prisão injusta, manteve-se fiel à visão dada por Deus (Gênesis 37–50). Moisés, chamado para libertar Israel, precisou esperar quarenta anos no deserto antes de cumprir seu propósito (Êxodo 2–3). Samuel serviu fielmente desde a infância até a velhice, sendo um exemplo de constância diante das dificuldades (1 Samuel 3; 7:15). Estes homens não apenas começaram bem, mas terminaram bem, demonstrando que a consistência é um atributo essencial para a liderança piedosa.

Charles Spurgeon reforça essa verdade ao dizer: “Por graça somos chamados a um ministério; essa mesma graça pode nos capacitar a ser fiéis nele até o fim. Firmeza na fé, constância no serviço, habitação no amoroso serviço do Senhor – estas são as coisas que devemos buscar diligentemente.” (Palestras aos Meus Estudantes, p. 189). A firmeza no ministério não é sustentada pela força humana, mas pela capacitação divina. João Calvino enfatiza essa dependência de Deus ao declarar que “somente aquele que se apoia continuamente na graça de Cristo pode perseverar em meio às provações, pois a resistência não é mérito humano, mas fruto da obra do Espírito” (As Institutas da Religião Cristã, Livro III, Capítulo II, Seção 40).

Além disso, Martinho Lutero destaca que a perseverança não é apenas um chamado para os momentos de dificuldade, mas uma marca distintiva do verdadeiro líder cristão: “A cruz e as tribulações são os verdadeiros sinais do ministério cristão. O líder que deseja evitar o sofrimento pela verdade não é digno do evangelho que proclama” (Sobre o Cativeiro Babilônico da Igreja, p. 78). Esse espírito de fidelidade até o fim é ilustrado na exortação de Paulo a Timóteo: “Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé” (2 Timóteo 4:7).

Herman Bavinck também enfatiza a necessidade da consistência na liderança cristã ao afirmar: “O caráter do verdadeiro servo de Deus não se mede apenas por suas palavras ou feitos momentâneos, mas por sua fidelidade constante ao longo da vida. A perseverança é um testemunho vivo da obra da graça no coração do crente” (Dogmática Reformada, Vol. 4, p. 412). Assim, a liderança cristã não é definida por eventos isolados, mas por um compromisso contínuo e firme com o evangelho.

Diante disso, cabe uma reflexão: Você tem buscado essa perseverança em sua caminhada cristã? Que passos concretos pode tomar para garantir que sua fé e liderança permaneçam firmes até o fim?

B. A disciplina da perseverança

A perseverança na liderança cristã não é meramente um ato de resistência passiva, mas uma disciplina ativa que exige dedicação, esforço e constância. O autor de Hebreus nos exorta: “Corramos, com perseverança, a carreira que nos está proposta” (Hebreus 12:1). Essa imagem de uma corrida sugere que a caminhada cristã requer preparo, resistência e comprometimento contínuo. Martinho Lutero enfatizava essa necessidade ao afirmar que “a perseverança na fé não consiste em uma mera disposição de ânimo, mas em uma luta diária contra o pecado, o mundo e o próprio coração” (Sobre a Liberdade Cristã, p. 94).

John Wesley, um exemplo notável de perseverança, pregou aproximadamente 40.000 sermões e viajou cerca de 400.000 quilômetros a cavalo para proclamar o evangelho. Sua disciplina e dedicação ao ministério resultaram no movimento metodista, que impactou profundamente a Inglaterra e o mundo. Sua vida ilustra o que Paulo ensina em 1 Coríntios 15:58: “Sede firmes e constantes, sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que o vosso trabalho não é vão no Senhor.”

Jonathan Edwards enfatiza essa necessidade de perseverança em sua sexta resolução: “A resolução que quero que vocês tomem é esta: que nunca desistirão, nem perderão o ânimo na busca pela santidade, na preservação da obra de Deus em suas almas, na luta contra o pecado mundano, na empreitada pela glória de Deus e pelo avanço do Reino de Cristo no mundo” (Resoluções, n° 6). Edwards compreendia que a caminhada cristã exige uma determinação constante, sustentada pela graça divina.

John Owen, outro teólogo reformado, reforça esse princípio ao escrever: “A perseverança dos santos não é um mero estado de inércia, mas uma guerra espiritual constante. Deus preserva Seu povo, mas Ele também os chama a batalhar pela fé” (A Morte da Morte na Morte de Cristo, p. 204). Owen aponta para a interação entre a soberania de Deus e a responsabilidade humana, um ponto também destacado por Solano Portela: “A perseverança é tanto um dom de Deus quanto uma responsabilidade humana. Os santos perseveram porque são preservados, mas são chamados a uma disciplina diária de fidelidade e constância” (A Doutrina da Perseverança dos Santos, p. 142).

João Calvino, ao tratar da perseverança, reforça a dependência da graça divina: “Se dependêssemos de nossa própria força, nossa perseverança seria impossível. Mas porque o Espírito nos sustenta, nossa perseverança está assegurada” (As Institutas da Religião Cristã, Livro III, Capítulo XXIV, Seção 6). Essa verdade confere confiança ao líder cristão: ele não precisa perseverar apenas por seu próprio esforço, mas pela ação soberana de Deus.

Conclusão

Ao examinarmos as características dos líderes que Deus deseja usar, percebemos um padrão consistente através das Escrituras. Deus não escolhe necessariamente os mais talentosos, eloquentes ou carismáticos segundo os padrões humanos. Em vez disso, Ele busca homens e mulheres com certos atributos espirituais fundamentais:

  1. Um coração totalmente voltado para Deus, sensível à Sua voz e dependente da oração
  2. Um caráter provado e aprovado através de testes e desafios
  3. Uma disposição completa para servir, independentemente do custo pessoal
  4. Um compromisso com o aprendizado contínuo e o ensino fiel
  5. Uma perseverança inabalável em face da adversidade

É significativo que, em nosso texto básico, o Espírito Santo escolheu Barnabé (o primeiro da lista) e Saulo (o último), demonstrando que Deus frequentemente trabalha fora de nossas expectativas humanas. O poderoso apóstolo Paulo começou como Saulo, o último nome em uma lista de líderes em Antioquia. Sua jornada nos lembra que a liderança cristã é um processo de desenvolvimento, não um destino instantâneo.

Como observa R.C. Sproul: “Deus não está apenas interessado em usar líderes; Ele está interessado em formá-los. O processo muitas vezes é doloroso, mas sempre proposital.” (Surpreendido pelo Sofrimento, p. 78).

A história da igreja está repleta de exemplos de líderes improváveis que Deus usou poderosamente: Moisés, o gago; Davi, o mais jovem irmão; Pedro, o pescador impulsivo; Paulo, o ex-perseguidor. O denominador comum entre eles não era seu talento natural, mas sua submissão à obra transformadora de Deus em suas vidas.

Eugene Peterson capta essa verdade quando escreve: “O que qualifica alguém para liderança na igreja de Jesus Cristo não é uma personalidade dominante, realizações táticas, ou força de vontade, mas uma capacidade de ser guiado pelo Espírito Santo, uma disposição de sofrer pelo amor, e um desejo de servir, não ser servido.” (O Pastor Contemplativo, p. 17).

Aplicação Prática

À luz dos princípios que examinamos, como podemos desenvolver e reconhecer as características de liderança que Deus valoriza? Aqui estão algumas aplicações práticas:

  1. Cultive uma vida profunda de oração
    • Estabeleça tempos regulares de oração e reflexão
    • Pratique o jejum para sensibilizar seu espírito à voz de Deus
    • Reúna-se com outros crentes para buscar a direção de Deus em oração conjunta
  2. Submeta-se a processos de teste e desenvolvimento
    • Aceite oportunidades de serviço em pequenas responsabilidades
    • Busque mentoria de líderes mais experientes
    • Receba feedback honesto sobre suas forças e fraquezas
  3. Avalie sua disponibilidade
    • Identifique áreas de sua vida que você ainda não entregou completamente a Cristo
    • Esteja disposto a ajustar suas prioridades pessoais em favor da obra de Deus
    • Desenvolva um espírito de sacrifício, começando com pequenas renúncias
  4. Invista em crescimento contínuo
    • Estabeleça um plano sistemático de estudo bíblico e leitura teológica
    • Participe de conferências, cursos e grupos de estudo
    • Aprenda com líderes de diferentes gerações e tradições
  5. Fortaleça sua perseverança
    • Desenvolva disciplinas espirituais que nutram sua alma nos tempos difíceis
    • Cultive relacionamentos com outros cristãos que possam encorajá-lo
    • Medite frequentemente em seus votos e compromissos com Deus

Wayne Grudem nos lembra: “A liderança cristã não é uma conquista, mas um chamado; não um direito, mas uma responsabilidade; não uma posição de honra, mas uma postura de humildade.” (Teologia Bíblica, p. 347).

Que cada um de nós, seja chamado para liderar ou para seguir, busque desenvolver essas características que agradam a Deus e beneficiam Sua igreja. E que possamos, como a igreja em Antioquia, estar sempre atentos à voz do Espírito Santo, separando para Seu serviço aqueles que Ele chamou.

Somente Cristo! Pr. Reginaldo Soares.

Referências Bibliográficas

Bonhoeffer, Dietrich. O Custo do Discipulado. São Paulo: Editora Vida, 2000.

Calvino, João. As Institutas da Religião Cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 2006.

Carson, D.A. A Cruz e o Ministério Cristão. São Paulo: Vida Nova, 2008.

Edwards, Jonathan. Obras Completas. Vol. 2. New Haven: Yale University Press, 2009.

Grudem, Wayne. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2010.

Habecker, E.B. The Other Side of Leadership. Wheaton: Victor Books, 1987.

Horton, Michael. O Cristão e a Cultura. São Paulo: Cultura Cristã, 2018.

Lopes, Hernandes Dias. O Valor da Oração na Vida Cristã. São Paulo: Hagnos, 2012.

Nicodemus, Augustus. Comentário Expositivo de 1 Timóteo. São Paulo: Vida Nova, 2015.

Peterson, Eugene. O Pastor Contemplativo. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2017.

Portela, Solano. A Doutrina da Perseverança dos Santos. São Paulo: Cultura Cristã, 2014.

Sproul, R.C. Chamados para Servir. São Paulo: Cultura Cristã, 2013.

Sproul, R.C. Surpreendido pelo Sofrimento. São Paulo: Cultura Cristã, 2008.

Stott, John. A Mensagem de Atos. São Paulo: ABU Editora, 2005.

Meu chamado para o ministério pastoral veio em 1994, sendo encaminhado ao conselho da Igreja Presbiteriana (IPB) em Queimados e em seguida ao Presbitério de Queimados (PRQM). Iniciei meus estudos no ano seguinte, concluindo-os em 1999. A ordenação para o ministério pastoral veio em 25 de junho de 2000, quando assumi pastoreio na IPB Inconfidência (2000-2003) e da IPB Austin (2002-2003). Desde de 2004 tenho servido como pastor na Igreja Presbiteriana em Engenheiro Pedreira (IPEP), onde sigo conduzido esse amado rebanho pela graça de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Sou casado há 22 anos com Alexsandra, minha querida esposa, sou pai de Lisandra e Samantha, preciosas bênçãos de Deus em nossas vidas. Me formei no Seminário Teológico Presbiteriano Ashbel Green Simonton, no Rio de Janeiro, e consegui posteriormente a validação acadêmica pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pela bondade de nosso Senhor, seguimos compartilhando fé, amor e buscando a cada dia crescimento espiritual. Somente Cristo!

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