O estudo sobre a liderança à luz de Jesus estabelece que o verdadeiro líder cristão deve refletir o caráter e métodos do Mestre, caracterizados por uma mentalidade transformada que valoriza humildade e mansidão, pelo completo desprendimento do ego em favor dos propósitos divinos, por uma compaixão visceral que o move à ação em favor dos necessitados, e por uma relação revolucionária com recursos materiais baseada em desprendimento e generosidade, fundamentando toda sua influência não em posições ou títulos, mas no serviço sacrificial e amor genuíno.
Palavra-chave: A Prática e o Ensino de Jesus.
Texto Básico: Mateus 9:35-38. “E percorria Jesus todas as cidades e povoados, ensinando nas sinagogas, pregando o evangelho do reino e curando toda sorte de doenças e enfermidades. Vendo ele as multidões, compadeceu-se delas, porque estavam aflitas e exaustas como ovelhas que não têm pastor. E, então, se dirigiu a seus discípulos: A seara, na verdade, é grande, mas os trabalhadores são poucos. Rogai, pois, ao Senhor da seara que mande trabalhadores para a sua seara.
Texto Áureo: Lucas 6:40. “O discípulo não está acima do seu mestre; todo aquele, porém, que for bem instruído (treinado) será como o seu mestre.”
Textos Bíblicos Relacionados
- Ezequiel 34:5 – “Então, se espalharam, por não haver pastor, e, ao se espalharem, serviram de pasto a todas as feras do campo.”
- João 15:5 – “Quem permanece em mim, e eu, nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer.”
- Marcos 10:43-44 – “Mas entre vós não é assim; pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro entre vós será servo de todos.”
- Filipenses 4:11-12 – “Já aprendi a contentar-me com o que tenho. Sei estar abatido e sei também ter abundância; em toda a maneira e em todas as coisas, estou instruído, tanto a ter fartura como a ter fome, tanto a ter abundância como a padecer necessidade.”
- 1 Pedro 5:2-3 – “Pastoreai o rebanho de Deus que há entre vós, não por constrangimento, mas espontaneamente, como Deus quer; nem por sórdida ganância, mas de boa vontade; nem como dominadores dos que vos foram confiados, antes, tornando-vos modelos do rebanho.”
- Mateus 20:26-28 – “Não é assim entre vós; pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro entre vós será vosso servo; tal como o Filho do Homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos.”
- 2 Coríntios 8:9 – “Sendo rico, se fez pobre por amor de vós, para que, pela sua pobreza, vos tornásseis ricos.”
Explicação do Texto Básico: Mateus 9:35-38
Contexto Histórico e Bíblico
Este texto se localiza na seção intermediária do Evangelho de Mateus, funcionando como uma transição estratégica entre os grandes blocos de ensino e narrativa. O versículo 35 serve como uma recapitulação deliberada de Mateus 4:23-25, criando uma moldura literária que encerra o ministério inicial de Jesus na Galileia e prepara o terreno para o envio dos doze discípulos no capítulo 10.
Historicamente, o texto se situa durante o ministério galileu de Jesus, por volta de 28-30 d.C., quando a região estava sob domínio romano e experimentava tensões sociais, religiosas e políticas significativas. O povo judeu vivia sob opressão estrangeira, com expectativas messiânicas intensificadas. Mateus, escrevendo principalmente para uma audiência judaico-cristã na década de 70-80 d.C., apresenta Jesus como o Messias cumpridor das profecias, cujo ministério estabelece o Reino dos Céus na terra.
O texto posiciona-se estrategicamente entre os grandes discursos de Jesus (o Sermão do Monte, caps. 5-7) e a comissão dos doze (cap. 10), ilustrando como o ministério pessoal de Jesus serve de modelo para a futura missão apostólica. Esta passagem revela a motivação compassiva por trás da expansão do ministério de Jesus através dos discípulos.
Termos Relevantes no Texto
O verbo grego (periēgen, “percorria”) no versículo 35 denota um movimento circular e intencional, sugerindo uma estratégia ministerial abrangente e sistemática. Isso contrasta com o ministério estacionário de João Batista, que esperava que as pessoas fossem até ele no deserto.
A expressão (kēryssōn to euangelion tēs basileias, “pregando o evangelho do reino”) contém dois termos significativos. kēryssōn deriva de kēryssō, que indica uma proclamação pública e autoritativa, semelhante ao anúncio de um arauto real. Euangelion significa “boas novas” e, no contexto judaico do primeiro século, carregava conotações de libertação e restauração nacional.
No versículo 36, (esplanchnisthē, “compadeceu-se”) é um verbo intensamente emotivo no grego, derivado de splanchna (entranhas), indicando uma compaixão profundamente visceral. Este termo é usado quase exclusivamente para Jesus nos evangelhos, revelando uma dimensão divina de sua misericórdia.
As palavras (eskylmenoi kai errimmenoi, “aflitas e exaustas”) descrevem graficamente a condição do povo. Eskylmenoi deriva de skyllō, significando “esfolar” ou “atormentar”, enquanto errimmenoi vem de rhiptō, “lançar ao chão” ou “prostrar”. Juntas, essas palavras retratam pessoas espiritualmente maltratadas e abandonadas.
Expressões Relevantes no Texto
A expressão “como ovelhas que não têm pastor” (v. 36) evoca deliberadamente imagens do Antigo Testamento, principalmente de Ezequiel 34 e Zacarias 11, onde o povo de Israel é descrito como um rebanho negligenciado por seus líderes espirituais. Esta referência intertextual é profundamente significativa, pois implicitamente posiciona Jesus como o verdadeiro pastor prometido por Deus, em contraste com os líderes religiosos contemporâneos que falharam em seu papel pastoral.
A metáfora da “seara” (therismos) no versículo 37 tem uma dupla significação teológica. Por um lado, representa as almas prontas para conversão; por outro, alude ao juízo escatológico final frequentemente simbolizado pela colheita na literatura profética e apocalíptica judaica. Esta imagem sugere urgência e oportunidade simultâneas: a colheita está madura agora, mas o tempo é limitado.
A expressão “rogai ao Senhor da seara” estabelece uma teologia da missão centrada em Deus. O termo “Senhor da seara” (kyrios tou therismou) enfatiza a soberania divina sobre a obra missionária, enquanto o imperativo “rogai” (deēthēte) destaca a dependência humana da iniciativa divina.
Aspectos da Geografia Relevantes no Texto
O texto menciona “todas as cidades e povoados” (pasas tas poleis kai tas kōmas), refletindo a geografia diversificada da Galileia do primeiro século. A Galileia era uma região relativamente pequena (aproximadamente 100 km por 50 km), mas densamente povoada, com cidades maiores como Cafarnaum, Corazim e Betsaida, além de numerosos povoados rurais.
Esta referência geográfica abrangente destaca a natureza inclusiva do ministério de Jesus, que não se limitava aos centros urbanos importantes, mas alcançava também as comunidades marginalizadas. As “sinagogas” mencionadas eram não apenas edifícios religiosos, mas centros comunitários de ensino e vida social judaica, distribuídos em praticamente todas as localidades com população judaica significativa.
A mobilidade geográfica de Jesus (“percorria”) contrasta com a tradição rabínica estabelecida, onde os mestres geralmente permaneciam fixos em um local enquanto os discípulos vinham até eles. O ministério itinerante de Jesus reflete uma intencionalidade em alcançar aqueles que, por razões geográficas ou sociais, não teriam acesso aos centros religiosos tradicionais.
Aspectos Sociais e Culturais Relevantes no Texto
O contraste entre Jesus e os líderes religiosos judaicos da época é um elemento sociocultural fundamental nesta passagem. A afirmação do poeta romano Horácio (“Odeio o povo simples e mantenho-me longe dele”) e a atitude dos fariseus (“O povo que não sabe nada da lei é maldito”, Jo 7:49) exemplificam o desprezo das elites culturais e religiosas pelo povo comum.
A condição do povo como “ovelhas sem pastor” reflete também a realidade sociopolítica da Palestina sob domínio romano. O termo “aflitas” (eskylmenoi) poderia aludir não apenas à opressão espiritual, mas também à exploração econômica e política sofrida pela população.
O conceito de “trabalhadores” (ergatai) para a seara evoca a imagem dos diaristas contratados temporariamente durante a colheita, uma prática social comum na economia agrária da Palestina. Estes trabalhadores frequentemente eram pessoas marginalizadas economicamente, sem terras próprias. Jesus utiliza esta realidade social para ilustrar a necessidade urgente de envolvimento no trabalho espiritual.
A ênfase na oração por “trabalhadores” reflete também uma compreensão cultural sobre autoridade e propriedade: apenas o dono da seara tinha o direito de enviar trabalhadores para sua colheita. Ao identificar Deus como o “Senhor da seara”, Jesus estabelece que a missão é primariamente divina, não humana, invertendo assim a hierarquia social comum onde os líderes religiosos se consideravam proprietários do povo de Deus.
Este texto, portanto, não apenas descreve o ministério compassivo de Jesus, mas estabelece o fundamento teológico, social e estratégico para a expansão desse ministério através dos discípulos, apresentando um modelo de liderança servidora em contraste com os padrões autoritários predominantes na cultura da época.
INTRODUÇÃO
No romance “O Grande Abismo”, C.S. Lewis apresenta uma cena memorável em que um pastor que havia sido famoso na Terra chega ao céu completamente diminuído. Durante sua vida, ele havia construído uma reputação impressionante, acumulado poder, influenciado multidões com sua eloquência, mas ao chegar à eternidade, descobre-se uma figura quase transparente. A razão? Ele havia pastoreado para sua própria glória, não para a glória de Deus. Sua liderança, embora aparentemente bem-sucedida pelos padrões terrenos, falhou completamente pelos padrões celestiais.
Esta poderosa metáfora literária nos coloca diante da questão fundamental que exploramos hoje:
O que constitui uma liderança genuinamente cristã?
Qual é o modelo que devemos seguir ao assumir posições de influência no Reino de Deus?
Em um mundo saturado de teorias de liderança corporativa, estratégias de influência e métodos de gestão organizacional, a Igreja frequentemente se encontra seduzida por definições de liderança que pouco têm a ver com o exemplo de Jesus Cristo. Ele “percorria todas as cidades e povoados, ensinando nas sinagogas, pregando o evangelho do reino e curando toda sorte de doenças e enfermidades” (Mateus 9:35). Este retrato de Jesus revela um líder em movimento constante, totalmente engajado com as necessidades do povo, um modelo radicalmente diferente dos padrões de liderança autoritária predominantes na sua época – e na nossa.
A história da Igreja demonstra o quão frequentemente tem sido esquecido e descartado o modelo de Jesus e suas instruções sobre a liderança. Igrejas e denominações que não atentam para o seu ensino ou não seguem os princípios de liderança de Jesus hoje, cortejam o juízo e a condenação de Deus. Eles podem muito bem estar fracassados aos olhos de Deus, mesmo que estejam prosperando de acordo com a avaliação dos padrões desse mundo.
Ao contemplarmos Jesus como o líder por excelência, reconhecemos que Ele é a fonte inextinguível de instrução e ilustrações sobre a verdadeira liderança cristã. Nenhum outro líder na história da humanidade encarnou tão perfeitamente as qualidades que Deus busca em seus servos. A base de toda liderança está enraizada em Deus; é dele que nasce todo princípio verdadeiro de liderança piedosa. É por isso que encontramos o quadro mais completo e perfeito de liderança em seu próprio Filho.
Jesus ensinou claramente este princípio fundamental em Lucas 6:40: “O discípulo não está acima do seu mestre; todo aquele, porém, que for bem instruído (treinado) será como o seu mestre.” Esta declaração estabelece uma verdade fundamental: a verdadeira liderança cristã não consiste em superar Jesus, mas em refletir fielmente o seu caráter e métodos. Nosso objetivo como líderes não é inventar novos modelos, mas sermos modelados à imagem de nosso Mestre. Hoje, examinaremos a liderança de Jesus sob seis aspectos essenciais que devem moldar nossa própria prática de liderança.
1. A LIDERANÇA DE JESUS TRANSFORMA A MENTALIDADE HUMANA
O modelo de liderança de Jesus começou com uma escolha surpreendente: Ele não recrutou a elite religiosa ou intelectual de seu tempo, mas pessoas comuns. Como observamos no texto, “Ele não escolheu homens religiosos, como se esperaria. Jesus viu mais potencial em ‘leigos’ do que em clérigos.” Esta escolha deliberada revela algo profundo sobre a natureza da liderança cristã: ela não se fundamenta em credenciais humanas ou posições estabelecidas, mas na disposição para aprender e ser transformado.
Os pescadores da Galileia e os cobradores de impostos que Jesus chamou tinham menos resistência aos conceitos transformadores do Reino do que os religiosos profissionais, saturados de preconceitos e tradições humanas. Este padrão tem se repetido ao longo da história da Igreja: frequentemente, Deus escolhe usar pessoas comuns, que não possuem o “pedigree” religioso esperado, mas que estão abertas à transformação profunda que o evangelho opera.
Esta transformação começa pela mentalidade. No Sermão do Monte, Jesus articula as características da nova mentalidade que deve distinguir seus seguidores:
“Em primeiro lugar, Jesus enfatizou a felicidade dos que adotam a sua própria mentalidade. Essa nova ‘mente’ teria as características vividas pelo próprio Senhor Jesus. Não são os altivos e os arrogantes, mas os humildes que observam fielmente os valores do Reino. ‘Deles é o reino dos céus’ (Mateus 5.3).”
As bem-aventuranças apresentam um contraste radical com os valores dominantes, tanto na sociedade romana quanto na elite religiosa judaica do primeiro século. Enquanto o mundo valoriza o poder, a autoafirmação e o domínio sobre os outros, Jesus exalta a humildade, a mansidão e o serviço. Este é o fundamento da liderança cristã: uma transformação radical da mentalidade.
A cultura romana contemporânea de Jesus expressava desprezo pelos humildes, como vemos nas palavras do poeta Horácio: “Odeio o povo simples e mantenho-me longe dele”. De modo semelhante, a elite religiosa judaica manifestava seu desdém quando dizia: “O povo que não sabe nada da lei é maldito” (João 7:49). Contra esta corrente cultural dominante, Jesus propõe um modelo de liderança que começa com a humildade, a compaixão e o serviço aos mais fracos.
Jesus estabelece claramente que não pode haver liderança eficaz sem esta transformação fundamental: “Cristo ensinou claramente que uvas não se colhem dos espinheiros, e nem figos dos abrolhos (Mateus 7:16). Quer dizer que, onde falta uma transformação radical, não poderá haver esperança de resultados positivos.”
O (kēryssōn) de Jesus – sua proclamação pública e autoritativa – não se limitava a palavras, mas se manifestava em seu próprio exemplo. Como um arauto real, Jesus não apenas anunciava a chegada do Reino, mas o encarnava em sua maneira de liderar. Sua autoridade não derivava de títulos ou posições institucionais, mas de sua perfeita integração entre mensagem e vida.
A liderança cristã, portanto, não começa com técnicas ou estratégias, mas com uma transformação profunda da mentalidade do líder para refletir a mentalidade de Cristo. Paulo expressou esta verdade fundamental em Filipenses 2:5: “Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus.”
Jesus não apenas demonstrou um modelo de liderança compassiva, mas também ensinou seus discípulos a adotar uma nova mentalidade que contrastava radicalmente com os valores predominantes em sua cultura. Esta transformação de mentalidade é fundamental para a liderança cristã eficaz.
Jesus enfatizou a felicidade dos que adotam sua própria mentalidade. No Sermão do Monte (Mateus 5-7), Ele delineou as características dessa nova mente que os líderes do Reino deveriam desenvolver. Não são os altivos e os arrogantes que são abençoados, mas os humildes que observam fielmente os valores do Reino. “Deles é o reino dos céus” (Mateus 5:3).
Esta nova mentalidade inclui:
- Humildade – “Bem-aventurados os humildes de espírito” (Mateus 5:3)
- Compaixão – “Bem-aventurados os que choram” porque se compadecem dos perdidos e dos miseráveis (Mateus 5:4)
- Mansidão – Os mansos, como Jesus, entregam seus direitos para poderem amar os inimigos (Mateus 5:5)
- Fome e sede de justiça – Não se isolam dos pecadores por se acharem santos, mas alegram-se na graça perdoadora de Deus (Mateus 5:6)
- Misericórdia – Têm pouca dificuldade em perdoar os que os maltratam (Mateus 5:7)
- Pureza de coração – Valorizam a integridade e os relacionamentos cristalinos (Mateus 5:8)
- Pacificação – Buscam reconciliação entre raças, tribos, inimigos (Mateus 5:9)
- Perseverança na perseguição – Não se intimidam diante da oposição por causa da justiça (Mateus 5:10-12)
É importante lembrar que Jesus garantiu consequências e galardões para todos os que, pelo poder do Espírito, passassem por essa transformação radical de atitude. Sem essa transformação de mentalidade, não podemos esperar resultados positivos em nossa liderança. Como Jesus ensinou: “Não se colhem uvas dos espinheiros, nem figos dos abrolhos” (Mateus 7:16).
Além desta nova mentalidade, Jesus também ensinou que a verdadeira liderança requer uma morte para si mesmo. “Em verdade, em verdade vos digo: se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, produz muito fruto” (João 12:24). Para Jesus, a liderança nunca foi sobre auto-promoção ou ganho pessoal, mas sobre auto-sacrifício para o benefício dos outros.
No entanto, essa morte para si mesmo não significa “suicídio psicológico” ou tornar-se apático. Como explica o Dr. Vernon Grounds:
“Deus não está no negócio de derrubar cristãos, reduzindo-os a zeros à esquerda. Deus está no negócio de levantar cristãos, maximizando seus talentos e atingindo seus potenciais… A essência do indivíduo é o que eu e você somos como seres humanos, criados na imagem de Deus. Não somente isso, se nós somos cristãos, fomos remidos pelo precioso sangue de nosso Senhor, o Espírito Santo mora em nós, e nós temos garantida a nossa conformidade a Jesus. Deus, então, está no negócio de fazer-nos como seus filhos, as mais felizes, as melhores e mais produtivas pessoas que podemos ser. Mas para maximizar a nossa essência como pessoas, Deus tem que nos ajudar a abandonar nossa auto-centralidade, nossa auto-preocupação, nosso orgulho pecaminoso. Deus tem que nos ajudar a largar nossas expectativas, sonhos, ambições, vontades e desejos auto-centralizados.”
O que isso significa, então, é que o líder, para ser como Jesus, necessita abandonar sua própria vontade e abraçar a vontade de Deus. Com a ajuda de Deus, ele precisa desenvolver a “forma de pensar do Getsêmani”, onde Jesus orou: “Todavia, não seja como eu quero, mas como tu queres” (Mateus 26:39).
Betty Scott Stam, que juntamente com seu marido John foi decapitada pelos comunistas na China, exemplificou esta mentalidade em sua oração pessoal (encontrada na Bíblia de Betty Elliot):
“Senhor, eu abandono todos os meus planos e propósitos, todos os meus desejos e expectativas e aceito a tua vontade para a minha vida. Eu dou a mim mesma, a minha vida, o meu tudo, completamente a Ti para ser Tua para sempre. Encha-me e manda-me com o Teu Espírito Santo. Usa-me como Tu queres, manda-me para onde Tu quiseres. Faça o Teu desejo por completo em minha vida a qualquer custo, agora e para sempre.”
Jim Elliot, esposo de Betty Elliot e também martirizado pelos índios aucas em janeiro de 1956, compreendeu profundamente esta verdade quando escreveu: “Não é tolo quem larga o que não pode segurar para pegar o que não pode perder”.
Essa abordagem de liderança contrasta radicalmente com os modelos de liderança centrados em poder, prestígio e controle. A verdadeira liderança cristã nasce da auto-negação e do compromisso com o bem-estar dos outros, seguindo o exemplo de Cristo que “não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos” (Mateus 20:28).
2. A LIDERANÇA ITINERANTE E INCLUSIVA DE JESUS
O versículo 35 começa com uma declaração aparentemente simples, mas profundamente reveladora: “Jesus percorria todas as cidades e povoados”. No original grego, o verbo (periēgen, “percorria”) denota um movimento circular e intencional, sugerindo uma estratégia ministerial abrangente e sistemática. Esta mobilidade geográfica contrasta drasticamente com a tradição rabínica estabelecida, onde os mestres geralmente permaneciam fixos em um local enquanto os discípulos vinham até eles.
A liderança de Jesus foi marcada por uma iniciativa intencional de alcançar pessoas. Ele não esperava que as multidões viessem até Ele, como João Batista fazia no deserto. Em vez disso, Jesus ia até onde as pessoas estavam. Esta abordagem itinerante revela um princípio fundamental da liderança cristã: a iniciativa compassiva que busca ativamente aqueles que precisam ser alcançados.
O texto menciona “todas as cidades e povoados”, refletindo a geografia diversificada da Galileia do primeiro século. Esta não era uma região muito extensa (aproximadamente 100 km por 50 km), mas era densamente povoada, com cidades importantes como Cafarnaum, Corazim e Betsaida, além de numerosos povoados rurais. Esta referência geográfica abrangente destaca a natureza inclusiva do ministério de Jesus, que não se limitava aos centros urbanos importantes, mas alcançava também as comunidades marginalizadas.
Jesus estabeleceu seu ministério em três dimensões complementares: “ensinando nas sinagogas, pregando o evangelho do reino e curando toda enfermidade e doença”. É importante notar que (kēryssōn, “pregando”) deriva de um verbo que indica uma proclamação pública e autoritativa, semelhante ao anúncio de um arauto real. Enquanto isso, (euangelion, “evangelho”) significa “boas novas” e, no contexto judaico do primeiro século, carregava conotações de libertação e restauração nacional.
Jesus não era apenas um mestre teórico; Ele combinava o ensino com a ação prática, demonstrando compaixão tangível através da cura de “toda enfermidade e doença”. Um verdadeiro líder cristão, seguindo o modelo de Jesus, deve integrar três dimensões em seu ministério:
- Ensino – transmitindo conhecimento e sabedoria com clareza e autoridade.
- Proclamação – anunciando com confiança as boas novas do Reino de Deus.
- Ação compassiva – atendendo às necessidades concretas das pessoas.
Esta abordagem tripla de Jesus nos lembra que a liderança cristã autêntica nunca se limita apenas à transmissão de informações. É um ministério integral que atende ao ser humano em todas as suas dimensões. Como afirmou Jesus: “O discípulo não está acima do seu mestre; todo aquele, porém, que for bem instruído (treinado) será como o seu mestre” (Lucas 6:40).
Jesus iniciou seu ministério de liderança com um convite feito a homens comuns. Surpreendentemente, Ele não escolheu “profissionais religiosos“, como seria esperado. Jesus viu mais potencial em “leigos” do que em clérigos. Os pescadores e coletores de impostos tinham menos resistência aos conceitos revolucionários de Jesus do que os religiosos profissionais que estavam impregnados de preconceitos e tradições rígidas.
Esta escolha de Jesus nos ensina algo profundo sobre liderança: muitas vezes, as pessoas que consideramos menos qualificadas são aquelas com maior potencial para serem transformadas em líderes eficazes. Jesus via além das aparências e enxergava o potencial escondido em pessoas comuns. Como notamos em Atos 4:13, as pessoas “reconheciam que eles haviam estado com Jesus” – a marca distintiva da verdadeira liderança cristã não é o credenciamento formal, mas o tempo passado na presença do Mestre.
A liderança que Jesus modelou era fundamentalmente diferente do padrão dominante da época. Enquanto os líderes religiosos e políticos buscavam prestígio e exerciam autoridade de cima para baixo, Jesus estabeleceu um padrão de liderança servidora que começava com a humildade e o sacrifício pessoal.
Como Jesus mesmo ensinou: “O discípulo não está acima do seu mestre; todo aquele, porém, que for bem instruído (treinado) será como o seu mestre” (Lucas 6:40). Isto significa que os seguidores de Cristo não devem tentar dirigir as vidas dos outros sem primeiro serem devidamente treinados pelo Mestre. O verdadeiro treinamento inclui tanto a instrução verbal quanto a prática em ações, e Jesus advertiu severamente que ouvir sua palavra sem colocá-la em prática resultaria em desastre (Mateus 7:27).
A escola de discípulos que Jesus fundou era ambulante. Ele não priorizava uma estrutura acadêmica formal, mas sim a formação do caráter, da lealdade e do serviço ao Senhor. Seu objetivo não era criar especialistas em teologia, mas “pescadores de homens” (Mateus 4:19). Isto deve nos desafiar a refletir sobre como Jesus transformou homens voltados à pescaria e ao comércio em evangelistas e discipuladores eficazes (Mateus 28:19).
3. A LIDERANÇA DE JESUS EXIGE A MORTE DO EGO
O segundo aspecto revolucionário da liderança de Jesus é seu chamado à morte do ego – não um suicídio psicológico que nos torna ineficazes, mas uma reorientação radical de nossas prioridades e desejos:
Jesus exigiu que os seus discípulos morressem para que realmente pudessem viver. Morte para alcançar uma vida centrada em Cristo é a condição da liderança produtiva. “Em verdade, em verdade vos digo: se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, produz muito fruto” (Jo 12.24).
Esta morte para o ego vai muito além de mera abnegação superficial ou sacrifícios temporários. Trata-se de uma reorientação completa da vida, onde os próprios desejos, ambições e projetos são submetidos à vontade de Deus. Jesus ilustrou esta verdade em sua própria vida, especialmente no jardim do Getsêmani, quando orou: “Não seja feita a minha vontade, mas a tua” (Lucas 22:42).
A história de George Müller exemplifica poderosamente esta dimensão da liderança cristã:
“Quando perguntaram qual era o seu segredo: ‘Ele respondeu, abaixando-se cada vez mais até tocar o chão, foi no dia em que eu morri. Morri totalmente. Morri para George Müller, suas opiniões, preferências, gostos, e vontade. Morri para o mundo, sua aprovação ou censura. Morri para a aprovação ou culpa de qualquer um de meus irmãos e amigos; e desde então, eu tenho estudado somente para apresentar-me aprovado por Deus’.”
Esta morte para o ego não é um fim em si mesma, mas o caminho para uma frutificação extraordinária. O próprio Müller, ao morrer para si mesmo e viver para Cristo, pôde cuidar de mais de 10.000 órfãos, estabelecer escolas que educaram cerca de 150.000 crianças, e distribuir milhões de Bíblias e materiais cristãos. Sua vida ilustra o princípio paradoxal do evangelho: é morrendo que produzimos muito fruto.
É importante esclarecer, como faz o Dr. Vernon Grounds, que esta morte para o ego não significa autodestruição ou autodepreciação:
“Deus não está no negócio de derrubar cristãos, reduzindo-os a zeros à esquerda. Deus está no negócio de levantar cristãos, maximizando seus talentos e atingindo seus potenciais. Ele não quer rebaixar a essência do indivíduo… A essência do indivíduo é o que eu e você somos como seres humanos, criados na imagem de Deus.”
A morte ao ego significa abandonar não nossa humanidade ou individualidade, mas nossa “auto-centralidade, nossa auto-preocupação, nosso orgulho pecaminoso.” É deixar de lado “nossas expectativas, sonhos, ambições, vontades e desejos auto-centralizados” para abraçar os propósitos de Deus.
Betty Scott Stam, missionária que foi martirizada na China junto com seu esposo John, expressou belamente esta rendição em uma oração encontrada em sua Bíblia:
“Senhor, eu abandono todos os meus planos e propósitos, todos os meus desejos e expectativas e aceito a sua vontade para a minha vida. Eu dou a mim mesma, a minha vida, o meu tudo, completamente a Ti para ser Tua para sempre. Encha-me e manda-me com o Teu Espírito Santo. Usa-me como Tu queres, manda-me para onde Tu quiseres. Faça o Teu desejo por completo em minha vida a qualquer custo, agora e para sempre.”
A estratégia ministerial de Jesus, descrita no texto base como um movimento circular e intencional (περιῆγεν – periēgen), contrasta significativamente com o ministério estacionário de João Batista. Enquanto João esperava que as pessoas fossem até ele no deserto, Jesus percorria ativamente cidades e aldeias, buscando as pessoas onde elas estavam. Esta mobilidade não era apenas geográfica, mas espiritual – um reflexo de sua disposição em renunciar ao conforto e ao status em favor da missão.
A liderança à imagem de Cristo, portanto, não busca construir plataformas para autopromoção ou estabelecer domínios pessoais, mas se entrega completamente ao serviço do Reino de Deus, mesmo quando isso exige sacrifício pessoal.
4. A LIDERANÇA DE JESUS É IMPULSIONADA PELA COMPAIXÃO
O terceiro aspecto distintivo da liderança de Jesus é sua profunda compaixão pelas pessoas. O texto base nos apresenta uma das afirmações mais reveladoras sobre a motivação de Jesus: “Vendo ele as multidões, compadeceu-se delas, porque estavam aflitas e exaustas como ovelhas que não têm pastor” (Mateus 9:36).
O termo grego usado aqui, (esplanchnisthē), derivado de splanchna (entranhas), transmite uma ideia de compaixão visceral, um sentimento tão profundo que afeta fisicamente a pessoa. Não é uma simples emoção superficial ou um sentimento passageiro, mas uma reação física de empatia profunda diante do sofrimento alheio. Esta compaixão profunda era o motor do incansável ministério de Jesus:
“A terceira lição que Jesus ensinou aos seus seguidores foi a da importância da compaixão. Porque Jesus trabalhou tão arduamente? Porque ele não tirou férias ou agradou-se com a tentativa de seus discípulos de proteger sua privacidade? A resposta é simples. Jesus sentiu profunda compaixão dos necessitados.”
A descrição do povo como “aflitos e exaustos” (eskylmenoi kai errimmenoi) utiliza termos extremamente gráficos. Eskylmenoi deriva de skyllō, significando “esfolar” ou “atormentar”, enquanto errimmenoi vem de rhiptō, “lançar ao chão” ou “prostrar”. Esta linguagem retrata pessoas espiritualmente maltratadas e abandonadas, literalmente “esfoladas e jogadas ao chão”.
A metáfora de “ovelhas sem pastor” evoca as denúncias proféticas do Antigo Testamento, particularmente Ezequiel 34, onde Deus condena os líderes de Israel que, em vez de cuidar do rebanho, exploravam-no para benefício próprio. Jesus olhou para seu povo e viu não apenas necessidades físicas, mas uma liderança espiritual que havia falhado completamente em sua responsabilidade pastoral.
Esta compaixão de Jesus traduzia-se em ações concretas: “Jesus curou os doentes. Mesmo os desprezados e os rejeitados leprosos despertaram sua compaixão” (Marcos 1.41). Ao contrário dos líderes religiosos que evitavam os impuros e marginalizados, Jesus tocava os intocáveis, aproximava-se dos evitados, e restaurava os rejeitados à comunidade. A compaixão de Jesus estendia-se especialmente aos grupos mais vulneráveis da sociedade:
“Mulheres e crianças foram preciosas para o Senhor, pois elas eram os membros de menor importância da sociedade. Surpreendente foi o elogio de Jesus à mulher pecadora da cidade que veio à casa de Simão, o fariseu. Ela ungiu a sua cabeça com alabastro de ungüento, molhou os seus pés com lágrimas e revelou seu grande amor por ele (Lc 7.36-50). Tal conduta, da parte de um dos líderes religiosos do primeiro século na Palestina, era impensável.”
Os episódios em que Jesus demonstra compaixão por mulheres, crianças, estrangeiros e pessoas ritualmente impuras não são acidentais, mas revelam um aspecto fundamental de sua liderança: a preocupação com aqueles que a sociedade marginaliza e desvaloriza.
Quando os discípulos tentaram impedir que as mães trouxessem suas crianças para Jesus, ele ficou indignado com eles. Sua resposta – “Deixai vir a mim os pequeninos e não os impeçais, porque dos tais é o reino de Deus” (Marcos 10:14) – não era apenas uma gentileza para com as crianças, mas uma declaração revolucionária sobre a natureza do Reino e sobre quem é valorizado nele.
Esta ênfase na compaixão contrasta radicalmente com os modelos de liderança prevalentes na cultura greco-romana, que valorizavam o poder, a autoridade e a dominação. A compaixão não era vista como uma virtude de liderança no mundo antigo, assim como frequentemente não é valorizada nos modelos contemporâneos de liderança.
No entanto, para Jesus, a compaixão não é um acréscimo opcional à liderança, mas seu núcleo motivacional. A liderança cristã autêntica flui de um coração partido pelas mesmas coisas que partem o coração de Deus. Como líderes cristãos, devemos perguntarnos: o que nos move à ação? É a busca por reconhecimento, influência ou poder? Ou é uma genuína compaixão pelas pessoas que servimos?
A metáfora da “seara” (therismos) que Jesus utiliza em Mateus 9:37 transmite tanto um senso de urgência quanto de oportunidade. As almas estão prontas para a colheita, mas o tempo é limitado. Esta urgência não nasce de ambição pessoal ou de pressão institucional, mas de genuína preocupação com pessoas que estão “aflitos e exaustos”. A compassividade de Jesus se traduzia em uma clara consciência da necessidade de mais trabalhadores para a seara – não para construir seu ministério pessoal, mas para atender às profundas necessidades espirituais do povo.
5. A LIDERANÇA DE JESUS REVOLUCIONA A RELAÇÃO COM OS RECURSOS MATERIAIS
O quarto aspecto distintivo da liderança de Jesus é sua abordagem revolucionária dos recursos materiais e financeiros. Em um contexto religioso onde prosperidade material frequentemente era interpretada como bênção divina, Jesus apresentou uma perspectiva radicalmente diferente:
“Jesus ensinou uma nova maneira de pensar sobre o dinheiro. Não devemos concluir que ele não se interessou por dinheiro, mas, sua maneira de tratar as posses e recursos financeiros não tem muitos adeptos hoje. Paulo descreveu Jesus como aquele que viveu na graça de Deus na área financeira. ‘Sendo rico, se fez pobre por amor de vós, para que, pela sua pobreza, vos tornásseis ricos’ (2Co 8.9).”
Jesus não era indiferente às questões financeiras, mas apresentou princípios que desafiavam – e continuam desafiando – a sabedoria convencional sobre dinheiro e posses. Em sua perspectiva, a verdadeira riqueza não se mede por acumulação material, mas pela generosidade sacrificial e pelo investimento no Reino de Deus. O contraste entre o modelo de liderança financeira de Jesus e os padrões mundanos aparece em várias de suas declarações:
“Jesus ensinou que era errado ajuntar tesouros na Terra. O lugar certo para guardar dinheiro é no Céu: ‘onde ladrões não escavam nem roubam’ (Mt 6.19,20). Ser um servo (escravo) de ‘mamom’ (riquezas), significa ter perdido o direito de servir ao Senhor (Mt 6.24).”
Este princípio não advoga pela irresponsabilidade financeira, mas por uma reorientação radical de valores. A questão fundamental não é quanto possuímos, mas o que nos possui. O líder cristão deve estar livre da escravidão às riquezas para poder servir a Deus com liberdade e integridade.
Jesus demonstrou este princípio em sua própria vida e ministério, vivendo de forma simples e dependendo da provisão divina. Quando enviou seus discípulos em missão, Jesus os instruiu a viajarem sem dinheiro ou provisões extras, ensinando-lhes a viverem pela fé e pela dependência de Deus:
“O Senhor enviou seus aprendizes para preparar o caminho para a sua pregação. Ele lhes enviou sem dinheiro ou trocas de roupa (Mt 10.7-10). Eles foram obrigados a depender de Deus para abrir portas amigáveis e encontrar lares em que pudessem receber a alimentação e o cuidado. Eles tinham que viver pela fé.”
Esta prática missionária, aparentemente imprudente pelos padrões convencionais, continha uma lição profunda: a obra de Deus não depende primariamente de recursos humanos, mas da providência divina. Como afirmou Hudson Taylor, fundador da Missão do Interior da China: “A obra de Deus, feita à maneira de Deus, não poderia jamais sofrer falta de recursos.”
Jesus também ensinou a importância da generosidade e do desprendimento material. Em seu encontro com o jovem rico (Marcos 10:17-22), Jesus identificou precisamente o obstáculo que impedia o jovem de seguí-lo plenamente – seu apego às riquezas. A instrução de Jesus para que vendesse tudo, desse aos pobres e o seguisse não era uma regra universal, mas uma prescrição específica para a idolatria daquele homem em particular.
No entanto, o princípio subjacente aplica-se a todos os líderes cristãos: não podemos servir a Deus e às riquezas simultaneamente. A liderança cristã exige um desprendimento dos recursos materiais que nos liberta para seguir a Cristo sem reservas.
Jesus também enfatizou o valor eterno da generosidade: “Mais bem-aventurado é dar que receber” (Atos 20:35). Em vez de acumular para si, o líder cristão deve distribuir generosamente, reconhecendo que os recursos que administra pertencem ultimamente a Deus.
O episódio de Maria ungindo Jesus com perfume caro (João 12:1-8) ilustra outro aspecto importante da perspectiva de Jesus sobre recursos. Quando Judas criticou o “desperdício”, sugerindo que o dinheiro deveria ser dado aos pobres, Jesus defendeu o ato de adoração de Maria: “Porque os pobres, sempre os tendes convosco, mas a mim nem sempre me tendes.”
Esta resposta surpreendente nos ensina que, embora o cuidado com os pobres seja uma obrigação constante, há momentos em que o uso extravagante de recursos para honrar a Deus é plenamente justificado. A liderança cristã busca sabedoria para discernir como os recursos devem ser utilizados para a máxima glória de Deus em cada situação específica.
6: A DEPENDÊNCIA DE DEUS NA FORMAÇÃO DE NOVOS LÍDERES
No versículo 37-38, Jesus apresenta uma metáfora agrícola poderosa que revela um aspecto fundamental da liderança cristã: “A seara, na verdade, é grande, mas os trabalhadores são poucos. Rogai, pois, ao Senhor da seara que mande trabalhadores para a sua seara.”
A metáfora da “seara” (therismos) tem uma dupla significação teológica. Por um lado, representa as almas prontas para conversão; por outro, alude ao juízo escatológico final frequentemente simbolizado pela colheita na literatura profética judaica. Esta imagem sugere urgência e oportunidade simultâneas: a colheita está madura agora, mas o tempo é limitado.
Esta passagem estabelece princípios fundamentais para a formação de novos líderes no Reino de Deus:
- O Reconhecimento da Necessidade – Jesus começa identificando uma realidade: há uma grande obra a ser feita (“a seara é grande”), mas recursos humanos insuficientes (“os trabalhadores são poucos”). O primeiro passo na formação de líderes é reconhecer a necessidade deles.
- A Soberania de Deus na Chamada – A expressão “Senhor da seara” (kyrios tou therismou) enfatiza a soberania divina sobre a obra missionária. Jesus estabelece claramente que Deus é o proprietário da seara, não os líderes humanos. Os líderes religiosos de sua época frequentemente se consideravam “donos” do povo de Deus, mas Jesus inverte esta compreensão.
- A Oração como Método Primário de Recrutamento – Surpreendentemente, Jesus não diz: “Ide e recrutai mais trabalhadores” ou “Criai programas de treinamento de líderes”. Em vez disso, ele instrui: “Rogai ao Senhor da seara”. O imperativo “rogai” (deēthēte) destaca a dependência humana da iniciativa divina. A oração não é apenas uma preliminar ao recrutamento de líderes; é o próprio método de recrutamento.
O conceito de “trabalhadores” (ἐργάται, ergatai) para a seara evoca a imagem dos diaristas contratados temporariamente durante a colheita, uma prática social comum na economia agrária da Palestina. Estes trabalhadores frequentemente eram pessoas marginalizadas economicamente, sem terras próprias. Jesus utiliza esta realidade social para ilustrar a necessidade urgente de envolvimento no trabalho espiritual.
Jesus entende que a formação de líderes começa com a dependência de Deus. Esta perspectiva contrasta fortemente com métodos humanos que dependem primariamente de técnicas, estratégias e recursos materiais. Para Jesus, os novos líderes são, antes de tudo, uma resposta de Deus à oração fervorosa do seu povo.
O que é notável nesta passagem é que imediatamente após instruir seus discípulos a orarem por trabalhadores, Jesus os envia como a resposta a essa própria oração (Mateus 10:1-4). Isto nos ensina um princípio profundo: aqueles que sinceramente oram por mais trabalhadores frequentemente se tornam a resposta às suas próprias orações. A verdadeira liderança cristã começa com um coração quebrantado pelas necessidades do mundo e uma disposição de ser parte da solução divina.
Jesus compartilhou com seus discípulos que a dependência de Deus deve se estender a todas as áreas da vida e ministério, incluindo o aspecto financeiro. Ele ensinou uma nova maneira de pensar sobre dinheiro e recursos, que vai contra a corrente dos valores mundanos.
Paulo descreveu Jesus como aquele que viveu na graça de Deus na área financeira: “Sendo rico, se fez pobre por amor de vós, para que, pela sua pobreza, vos tornásseis ricos” (2 Coríntios 8:9). Um líder cristão deve adotar essa mesma postura, reconhecendo que é errado ajuntar tesouros na terra. O lugar certo para guardar riquezas é no céu, “onde ladrões não escavam nem roubam” (Mateus 6:19-20). Jesus enviou seus discípulos para preparar o caminho para sua pregação sem dinheiro ou trocas de roupa (Mateus 10:7-10). Eles foram obrigados a depender de Deus para abrir portas amigáveis e encontrar lares onde pudessem receber alimentação e cuidado. Eles tiveram que viver pela fé, assim como muitos líderes cristãos ao longo da história.
Jesus também ensinou generosidade através de suas palavras e ações, afirmando que “mais bem-aventurado é dar que receber” (Atos 20:35). Esta perspectiva contracultural sobre finanças é parte integrante da mentalidade transformada que caracteriza a verdadeira liderança cristã. O elemento mais fundamental da liderança cristã eficaz é a permanência em Cristo. Como Jesus ensinou em João 15:5: “Quem permanece em mim, e eu, nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer.” O segredo do sucesso de dar frutos está em manter um relacionamento íntimo e vital com Jesus Cristo. Este “permanecer” em Cristo tem dois aspectos principais:
- Um relacionamento íntimo e espiritual – Na última Ceia, Jesus lavou os pés dos discípulos, ilustrando como Ele realiza a remoção diária dos pecados dos cristãos. Quando Pedro contestou este ato, Jesus disse: “Se eu não te lavar, não tens parte comigo” (João 13:8). A comunhão contínua com Cristo é essencial para a liderança eficaz.
- Obediência às suas palavras – Jesus deixou claro: “Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor” (João 15:10). A verdadeira liderança cristã flui de uma vida de obediência à vontade de Cristo. Como João escreveria mais tarde: “Todo aquele que permanece nele não vive pecando” (1 João 3:6).
CONCLUSÃO
Em 1915, o missionário médico Albert Schweitzer, que havia abandonado uma promissora carreira como músico e teólogo na Europa para servir em uma remota região da África Equatorial Francesa (atual Gabão), escreveu uma frase que captura a essência do que temos explorado: “Exemplo não é a principal coisa em influenciar outros, é a única coisa.” A vida de Schweitzer, que dedicou mais de 50 anos ao serviço médico em Lambaréné, exemplifica o modelo de liderança que Jesus estabeleceu – uma liderança caracterizada pela renúncia voluntária, pela compaixão ativa e pelo serviço sacrificial.
Nosso estudo da liderança de Jesus, baseado em Mateus 9:35-38, revela os princípios transformadores que devem moldar nossa compreensão e prática da liderança cristã:
A liderança de Jesus começa com uma transformação da mentalidade. Contra os valores dominantes de seu tempo e do nosso, Jesus estabelece um novo paradigma onde os humildes, os mansos, os pacificadores e os misericordiosos são exaltados. Esta inversão de valores não é periférica, mas central para a liderança cristã autêntica. Como Jesus ensinou claramente: “Uvas não se colhem dos espinheiros, e nem figos dos abrolhos.” A transformação interna precede a influência externa.
A liderança de Jesus exige a morte do ego. O chamado a tomar a cruz e seguir a Cristo não é uma metáfora pitoresca, mas um princípio fundamental. O líder cristão deve, morrer para suas próprias opiniões, preferências, gostos e vontade, buscando apenas a aprovação de Deus. Esta morte para o ego não diminui a pessoa, mas a liberta para uma frutificação extraordinária.
A liderança de Jesus é impulsionada pela compaixão autêntica. A liderança cristã é marcada por uma compaixão profunda pela obra do Senhor, não um sentimento superficial. Jesus foi movido por genuína empatia pelas multidões “aflitas e exaustas” – uma preocupação que se estendeu especialmente aos marginalizados e vulneráveis. A liderança cristã flui de um coração que se compadece como Jesus se compadeceu.
A liderança de Jesus revoluciona nossa relação com os recursos materiais. Em contraste com uma cultura obcecada por acumulação e segurança financeira, Jesus ensinou seus seguidores a confiar na provisão divina, a praticar a generosidade radical e a investir em tesouros eternos. O líder cristão reconhece que não pode servir simultaneamente a Deus e às riquezas.
Toda liderança cristã eficaz flui da união vital com Cristo. Jesus deixou isso claro quando disse: “Quem permanece em mim, e eu, nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer” (João 15:5). Esta permanência em Cristo envolve tanto um relacionamento íntimo e espiritual com o Senhor quanto a obediência prática às suas palavras. Desconectados da videira, os ramos não podem produzir fruto algum.
O modelo de liderança de Jesus contrasta radicalmente com os padrões dominantes, tanto em sua época quanto na nossa. Enquanto o mundo valoriza o poder, o status e o controle, Jesus exemplificou e ensinou uma liderança baseada no serviço, no sacrifício e na submissão à vontade de Deus. Como declarou explicitamente: “Quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro entre vós será servo de todos; tal como o Filho do Homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos” (Mateus 20:26-28).
Este paradoxo fundamental – que a verdadeira grandeza no Reino se encontra no serviço e no sacrifício – permanece como o princípio definidor da liderança cristã autêntica. Como Jesus demonstrou em sua própria vida, a verdadeira influência espiritual não vem do poder institucional ou da autoridade posicional, mas do amor sacrificial e do serviço humilde.
A Liderança à Luz de Jesus na Prática
Ao contemplarmos o modelo de liderança de Jesus Cristo, somos chamados a uma aplicação prática e transformadora em nosso contexto atual. Esta não é uma teoria abstrata, mas um chamado à ação concreta em nossas famílias, igrejas, comunidades e ambientes de trabalho.
Examine sua mentalidade de liderança
Comece por fazer uma avaliação honesta: Quais valores realmente guiam sua liderança? Você busca posições, reconhecimento e aplausos, ou genuinamente deseja servir e edificar os outros? Assim como Jesus valorizou os humildes e mansos, cultive deliberadamente estas qualidades. Reserve tempo diário para meditar nas bem-aventuranças (Mateus 5:3-12) e permita que estas transformem suas prioridades. Identifique áreas específicas onde valores mundanos de poder e prestígio influenciam suas decisões, e trabalhe para substituí-los pelos valores do Reino.
Pratique a morte diária para o ego
Comprometa-se com a morte diária para suas próprias opiniões, preferências e ambições. Estabeleça práticas concretas de rendição: comece cada dia com uma oração de submissão à vontade de Deus; busque feedback honesto dos outros sobre seu estilo de liderança; aceite críticas construtivas com gratidão; e submeta seus planos e projetos ao discernimento da comunidade. Quando surgirem oportunidades para servir que não oferecem reconhecimento público, abrace-as como exercícios de humildade. Lembre-se que a verdadeira influência não vem da autopromoção, mas da semelhança com Cristo.
Desenvolva compaixão visceral
A compaixão de Jesus era acompanhada por ação concreta. Identifique os “aflitos e exaustos” em seu contexto: podem ser colegas sobrecarregados, membros da igreja enfrentando crises, ou pessoas marginalizadas em sua comunidade. Crie espaço em sua agenda para estar genuinamente presente para estas pessoas. Dedique tempo regular para visitar os doentes, os idosos, os prisioneiros ou outros grupos vulneráveis. Ouça atentamente suas histórias e necessidades. Permita que seu coração seja movido à ação, seguindo o exemplo de Jesus que “percorria todas as cidades e povoados” levando cura e esperança.
Revolucione sua relação com recursos
Avalie honestamente sua relação com dinheiro e posses. Estabeleça limites claros para seu estilo de vida, independentemente de quanto você ganhe. Pratique a generosidade radical, movendo-se além do dízimo para uma vida de doação sacrificial. Considere adotar um “teto de renda” – determinando um valor máximo para seu padrão de vida e doando o excedente. Desenvolva hábitos de simplicidade voluntária. Como líder organizacional, resista à tentação de medir sucesso por orçamentos crescentes ou instalações impressionantes, focando-se em vez disso na transformação de vidas e comunidades.
Promova uma cultura organizacional cristocêntrica
Se você lidera uma equipe, igreja ou organização, trabalhe intencionalmente para incorporar estes valores à cultura institucional. Estabeleça estruturas que recompensem o serviço e não apenas resultados visíveis. Crie mecanismos para que vozes marginalizadas sejam ouvidas. Desenvolva processos de tomada de decisão que valorizem discernimento comunitário e não apenas eficiência. Modele pessoalmente a vulnerabilidade e a prestação de contas. Resista à tentação de criar hierarquias rígidas que contradizem o ensinamento de Jesus de que “o maior entre vós será vosso servo”.
A verdadeira liderança cristã não é apenas uma questão de técnicas ou estratégias, mas de caráter transformado. À medida que incorporamos estes princípios em nossa vida diária, tornamo-nos não apenas líderes mais eficazes, mas também testemunhas vivas do Reino que Jesus proclamou – um Reino onde grandeza se mede por serviço, riqueza por generosidade, e sucesso por fidelidade à missão de Deus. Que possamos, como o próprio Jesus, não buscar “ser servidos, mas servir e dar a vida” pelos outros.
Referências Bibliográficas
LEWIS, C.S. O Grande Abismo.
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ELLIOT, Jim. Diários ou correspondências.
STAM, Betty Scott. Oração encontrada em sua Bíblia.
TAYLOR, Hudson. [Obra não especificada no texto original].
ALFARO JR., Paulo. Testemunho sobre a fundação da igreja Nova Jerusalém em Presidente Prudente.
SCHWEITZER, Albert. [Obra de 1915 não especificada no texto original].
MÜLLER, George. Autobiografia ou testemunho pessoal.

Meu chamado para o ministério pastoral veio em 1994, sendo encaminhado ao conselho da Igreja Presbiteriana (IPB) em Queimados e em seguida ao Presbitério de Queimados (PRQM). Iniciei meus estudos no ano seguinte, concluindo-os em 1999. A ordenação para o ministério pastoral veio em 25 de junho de 2000, quando assumi pastoreio na IPB Inconfidência (2000-2003) e da IPB Austin (2002-2003). Desde de 2004 tenho servido como pastor na Igreja Presbiteriana em Engenheiro Pedreira (IPEP), onde sigo conduzido esse amado rebanho pela graça de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Sou casado há 22 anos com Alexsandra, minha querida esposa, sou pai de Lisandra e Samantha, preciosas bênçãos de Deus em nossas vidas. Me formei no Seminário Teológico Presbiteriano Ashbel Green Simonton, no Rio de Janeiro, e consegui posteriormente a validação acadêmica pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pela bondade de nosso Senhor, seguimos compartilhando fé, amor e buscando a cada dia crescimento espiritual. Somente Cristo!