ROBÔ SELVAGEM: Pensando nossa conexão com a Criação

ROBÔ SELVAGEM - A animação que nos confronta com nossa artificialidade e nos reconecta com o propósito divino para a humanidade.

ROBÔ SELVAGEM: Pensando nossa conexão com a Criação

“A animação que nos confronta com nossa artificialidade e nos reconecta com o propósito divino para a humanidade!”

O Paradoxo da Criação Mecânica

Você já notou como, às vezes, aquilo que criamos para nos servir acaba por nos ensinar o que esquecemos de nós mesmos? Há uma ironia deliciosa – e um pouco desconfortável – em ver uma máquina redescobrir o que significa pertencer ao mundo criado por Deus, enquanto nós, feitos à imagem do Criador, vivemos cada vez mais distantes desse propósito original. É precisamente este paradoxo que “Robô Selvagem”, a recente animação da DreamWorks, nos apresenta com cores vibrantes e uma narrativa que penetra muito além da superfície do entretenimento.

Eis a questão com a qual nos confrontamos: enquanto nossa tecnologia avança a passos gigantescos, nossa humanidade parece recuar na mesma proporção. Construímos torres de Babel digitais, buscando alcançar os céus por nossos próprios meios, enquanto perdemos a capacidade de ouvir o canto dos pássaros ou sentir o frescor da grama sob nossos pés descalços. “Qual o proveito para o homem se ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?” (Marcos 8:36). Este é o dilema que o filme, com sua narrativa aparentemente simples, coloca diante de nós?

Uma máquina no Éden

A história de Roz – inicialmente apenas uma designação numérica, Rosum 7134 – ecoa, de forma surpreendente, a antiga narrativa do Éden. Como Adão, ela desperta em um mundo que não criou, cercada por criaturas cuja linguagem não compreende. Contudo, diferente de Adão, ela não recebeu o sopro divino de vida ou o mandato para cuidar do jardim. Ela é um produto, programada para servir, não para ser.

Quando os animais a ativam por acidente, ela se vê diante de um dilema existencial que poucos de nós temos a coragem de enfrentar: qual o propósito de sua existência quando não há ordens para seguir? Como escreveu C.S. Lewis em “Cristianismo Puro e Simples”: “Deus não criou o homem como um autômato, mas como uma criatura livre. E o homem, por livre escolha, rompeu seu relacionamento com Deus, tornando-se assim um estranho – tanto para si mesmo quanto para o mundo ao seu redor.”

Não é esta a realidade que muitos de nós experimentamos? Andamos pelos corredores climatizados de shoppings, sentamos em escritórios iluminados artificialmente, comunicamo-nos através de telas brilhantes – e, no entanto, sentimo-nos tão desconectados como um robô em uma ilha selvagem. Há algo de profundamente revelador no fato de que uma máquina precise se reconectar com a natureza para encontrar sua identidade, enquanto nós, filhos de Adão, cada vez mais nos afastamos das raízes que nos dão vida.

A Linguagem Perdida do Jardim

“No princípio era o Verbo” (João 1:1). A linguagem não é apenas um meio de comunicação; é o próprio tecido da realidade criada. Quando Deus falou, o mundo veio à existência. Quando Adão nomeou os animais, ele estabeleceu uma relação de mordomia e cuidado com a criação.

Em uma das cenas mais poéticas do filme, Roz ativa seu “modo de aprendizado” e senta-se para observar. Ela não impõe sua presença; ela se esvazia de si mesma, tornando-se receptiva à linguagem do mundo criado. Durante dias, ela apenas escuta, codificando os sons, tentando entender. Não se trata de uma conquista ou dominação, mas de uma rendição – a rendição do ego que precede qualquer entendimento verdadeiro.

Não é isso que fazemos quando nos ajoelhamos em oração? Quando silenciamos o ruído constante de nossos pensamentos para ouvir a voz suave do Espírito? Como escreveu Eugene Peterson em “A Mensagem”: “Aprender a orar é aprender a escutar, a estar presente, a prestar atenção ao que está realmente acontecendo.”

A robô aprende a rugir, a guinchar, a piar – não por imposição tecnológica, mas por humildade e paciência. E quando finalmente consegue se comunicar, percebemos que nós, seres humanos, perdemos essa capacidade. Somos como os construtores de Babel, confusos em nossas línguas, incapazes de entender a linguagem simples e direta da criação.

Como disse o salmista: “Os céus declaram a glória de Deus, e o firmamento anuncia a obra das suas mãos. Um dia fala a outro dia, e uma noite revela conhecimento a outra noite. Não há linguagem, nem há palavras, e deles não se ouve nenhum som” (Salmo 19:1-3). A criação fala sem palavras – mas nós, em nossa tagarelice tecnológica, perdemos a capacidade de ouvir.

O ninho quebrado e a redenção inesperada

Quando Roz, em um ato acidental, esmaga o ninho e mata a mãe ganso, deixando apenas um ovo intacto, somos confrontados com a realidade do mundo caído. A destruição não era sua intenção, mas o dano está feito. Não é esta a condição humana? Nossa tecnologia, criada com boas intenções, tantas vezes traz consequências devastadoras que não previmos.

E, no entanto, é precisamente nesse momento de tragédia que começa o caminho da redenção. Ao decidir proteger o ovo remanescente, Roz dá o primeiro passo em direção ao propósito mais elevado que sua programação jamais imaginou. Como disse Lloyd-Jones em um de seus sermões: “A graça de Deus nunca brilha tão intensamente quanto quando incide sobre nossas feridas mais profundas.”

A relação que se desenvolve entre Roz, o filhote de ganso e o raposo Astuto é uma parábola viva da comunidade redimida. Três criaturas quebradas – uma máquina vista como monstro, um predador solitário e um órfão desajeitado – formam uma família improvável. É como se o lobo e o cordeiro realmente se deitassem juntos, como profetizou Isaías.

Não precisamos forçar a analogia para ver as implicações espirituais. A Igreja é precisamente essa comunidade de pessoas quebradas, diferentes, que encontram um ao outro e a si mesmas ao encontrarem um propósito comum em Deus. Como escreveu Paulo: “Não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus” (Gálatas 3:28).

O poder transformador dos nomes

Há algo profundamente bíblico na transformação que ocorre quando Rosum 7134 se torna simplesmente “Roz”, e quando o filhote de ganso recebe o nome de “Bico Vivo”. Os nomes na Escritura sempre carregam significado, sempre conferem identidade e propósito. Abrão torna-se Abraão; Sarai torna-se Sara; Simão torna-se Pedro.

Quando Deus nos chama pelo nome, somos transformados. Não somos mais um número em uma série, uma estatística em um gráfico, ou uma engrenagem na grande máquina da economia global. Somos filhos e filhas, cada um único, cada um irreplicável, cada um chamado por nome pelo Criador do universo.

“Não temas, porque eu te remi; chamei-te pelo teu nome, tu és meu” (Isaías 43:1). Estas palavras do profeta ecoam através do tempo e nos lembram que nossa identidade mais profunda não vem de nossos próprios esforços ou realizações, mas do Deus que nos conhece intimamente e nos ama incondicionalmente.

No filme, é significativo que a descoberta de nomes pessoais aconteça em comunidade. Ninguém se nomeia sozinho; é no reflexo nos olhos do outro que descobrimos quem realmente somos. Como escreveu Peterson: “Não é coincidência que a palavra ‘pessoa’ venha do latim ‘persona’, que originalmente se referia à máscara usada por atores em peças teatrais. Nós só nos tornamos pessoas de verdade quando estamos em relacionamento.”

A luta contra a limitação e o rigor do inverno

O treinamento de Bico Vivo para voar, apesar de sua anatomia menos favorecida, ressoa com a luta do cristão contra sua natureza pecaminosa. Há algo heroico e comovente na imagem de um ganso desajeitado que se esforça além de suas capacidades aparentes, impulsionado pelo amor e pelo desejo de pertencer.

“Toda disciplina, com efeito, no momento não parece ser motivo de alegria, mas de tristeza; ao depois, entretanto, produz fruto pacífico aos que têm sido por ela exercitados, fruto de justiça” (Hebreus 12:11). As palavras do autor aos Hebreus poderiam bem descrever o árduo treinamento pelo qual Bico Vivo passa.

E então vem o inverno – o tempo de teste, a noite escura da alma, o deserto em que somos provados. A animação, em sua sabedoria, não nos poupa da realidade da morte e da perda. Mesmo com todo o esforço de Roz e Astuto para salvar os animais, alguns sucumbem ao frio. É uma lição sobre os limites da tecnologia e da ciência, sim, mas também sobre a fragilidade da vida e a inevitabilidade do sofrimento.

Não existe uma teodiceia fácil aqui – nenhuma explicação limpa para o problema do mal e do sofrimento. Apenas a luta contínua, a fidelidade em meio à adversidade, e a promessa implícita da primavera que sempre sucede ao inverno mais rigoroso. Como escreveu Lewis em “Um Ano com C.S. Lewis”: “A dor é o megafone de Deus para despertar um mundo surdo.”

A redoma da artificialidade humana

A cidade tecnológica em que os gansos encontram refúgio durante a migração é uma imagem inquietante da condição humana moderna. Uma sociedade que superou os desafios naturais criando um ambiente totalmente artificial – e, no processo, perdeu algo essencial de sua humanidade.

A Golden Gate submersa sugere um cataclismo natural – talvez consequência de nossa própria irresponsabilidade com a criação. Mas em vez de aprender com o desastre, a humanidade respondeu com mais arrogância tecnológica: se não podemos viver em harmonia com a natureza, criaremos nossa própria “natureza” controlada.

Há uma ironia amarga nessa escolha. Como observou Neil Postman, que o filme sabiamente evoca, estamos em perigo de nos tornarmos um “tecnopólio” – uma cultura em que a tecnologia não apenas auxilia, mas determina, nossas prioridades mais fundamentais. Ou, como C.S. Lewis escreveu profeticamente em “A Abolição do Homem”: “O que chamamos de poder do Homem sobre a Natureza revela-se como o poder exercido por alguns homens sobre outros, com a Natureza como instrumento.”

Os humanos na redoma excluíram a “selvageria” da natureza, apenas para recriá-la na programação dos Robôs Caçadores. Não é este o padrão repetido ao longo da história humana? Fugimos da selva apenas para construir novas selvas de concreto e vidro, onde a competição e a violência tomam formas mais sutis, mas não menos mortais.

“Não importa para onde fujamos, não dá para fugir de nós mesmos.” A frase do filme “O Poço” ressoa com a verdade bíblica de que o problema fundamental não está em nossa tecnologia ou em nosso ambiente, mas em nossos corações. “Porque de dentro, do coração dos homens, é que procedem os maus pensamentos” (Marcos 7:21).

O sacrifício e o retorno ao lar

O clímax do filme, quando Roz aceita ser levada para salvar a ilha e seus habitantes, ecoa o sacrifício redentor central de nossa fé. “Ninguém tem maior amor do que este: de dar alguém a própria vida em favor dos seus amigos” (João 15:13). A robô, que era desprezada, rejeitada e considerada monstruosa, sacrifica-se por aqueles que a excluíram.

Não é este o padrão que vemos em Cristo? “Ele veio para o que era seu, e os seus não o receberam” (João 1:11). E, no entanto, ele entregou sua vida por aqueles mesmos que o rejeitaram. Como escreveu Lloyd-Jones: “A cruz não é apenas o meio pelo qual somos salvos; é o padrão para toda a vida cristã.” E então, no final emocionante, Bico Vivo encontra Roz na cidade tecnológica. Mesmo tendo sido “resetada”, ela ainda sabe quem é e a quem pertence.

Uma parábola para nossa era

“Robô Selvagem” nos oferece uma parábola para o nosso tempo. Através do olhar de uma máquina que aprende a amar, somos convidados a redescobrir nossa própria humanidade e nosso lugar na criação divina.

Como escreveu Francis Schaeffer, citado no texto original: “O homem não apenas luta com o mundo natural; ele pode, no ato de cooperar com o mundo, também moldar e modificá-lo.” Esta é a visão bíblica da mordomia – não dominação exploratória, mas cooperação amorosa com a criação. Não somos chamados a escapar do mundo natural para redomas artificiais, mas a restaurar a relação harmoniosa que foi perdida na Queda.

A beleza da criação – os lírios do campo, as aves do céu, as borboletas que se dispersam em cores vivas quando tocadas – não é apenas um acidente cósmico ou um recurso a ser explorado. É um reflexo do Criador, um testemunho de Sua glória, um convite ao louvor e à gratidão.

E se este mundo caído, com todas as suas feridas e imperfeições, já revela tanta beleza, quanto mais maravilhosa será a nova terra que nos aguarda? Como escreveu C.S. Lewis em “O Problema do Sofrimento”: “No momento, se temos alguma ideia da realidade além de todas as preferências, interesses e experiências sensoriais, é-nos dado pelo nosso sentido do belo e do sublime.” A beleza que experimentamos agora é apenas um vislumbre da glória que será revelada.

O peregrino e o lar eterno

Terminamos nossa jornada com “Robô Selvagem” não com desespero, mas com esperança. O filme nos alerta sobre os perigos da desconexão com a natureza e da idolatria tecnológica, mas também nos lembra que, assim como Roz encontrou sua identidade e propósito, nós também podemos redescobrir quem somos e para que fomos criados.

Como C.S. Lewis observou, citado no texto original, temos “desejos que nada nessa terra pode satisfazer, e a única explicação lógica para isso é que fomos feitos para outro mundo”. Somos peregrinos em migração, como os gansos que cruzam os céus. Nossa pátria verdadeira não é a redoma artificial que construímos para nos proteger, mas o Reino de Deus que vem ao nosso encontro.

Em Cristo, não somos mais náufragos em uma ilha deserta, nem robôs perdidos em um mundo para o qual não fomos programados. Somos filhos e filhas, criados à imagem e semelhança de Deus, e chamados a um propósito eterno.

Um dia, como Roz no final do filme, seremos plenamente restaurados à nossa identidade verdadeira. Veremos o rosto de Cristo e, nesse momento, receberemos o abraço que nos fará compreender, finalmente, a quem sempre pertencemos, quem realmente somos e onde habitaremos por toda a eternidade. Como diz o hino de Robert Robinson, “Come, Thou Fount of Every Blessing”:

Propenso a vagar, Senhor, eu sinto,
Propenso a deixar o Deus que amo.
Aqui está meu coração, toma e sela-o,
Sela-o para Teus átrios acima.

Que este filme nos desperte do sono tecnológico e nos reconecte com o propósito para o qual fomos criados: conhecer a Deus, amá-Lo e desfrutar dele para sempre, enquanto participamos do cuidado e da redenção de Sua criação.

O que o filme “Robô Selvagem” nos ensina sobre nossa conexão com a natureza?

O filme nos mostra como nos distanciamos da natureza devido à nossa busca por avanço tecnológico e conforto. Através da jornada de Roz, somos lembrados da importância de reconectar com o mundo natural ao nosso redor e do chamado divino para sermos mordomos da criação.

Como podemos equilibrar progresso tecnológico e cuidado com a criação de Deus?

Seguindo o exemplo de Francis Schaeffer, devemos buscar uma relação simbiótica com a natureza, usando a tecnologia para melhorar a vida humana sem destruir o ambiente. Isso envolve decisões coletivas que considerem o impacto ambiental, a sustentabilidade e o respeito pela criação como obra divina.

Por que a busca por identidade e pertencimento é um tema tão importante no filme e na teologia cristã?

Tanto no filme quanto na teologia cristã, entendemos que nossa verdadeira identidade e senso de pertencimento vêm do reconhecimento de quem nos criou e para qual propósito. Assim como Roz encontrou sua identidade na conexão com a ilha e seus habitantes, nós encontramos nossa identidade mais profunda em nossa relação com Deus e com Sua criação.

Como cristãos podem aplicar as lições de “Robô Selvagem” em suas vidas diárias?

Podemos praticar uma maior consciência e gratidão pela criação de Deus, assumir responsabilidade pelo cuidado do ambiente, buscar equilíbrio em nosso uso da tecnologia, e lembrar que nossas limitações e cicatrizes (como as de Roz) são parte de nossa jornada de transformação. Acima de tudo, podemos reconhecer que, mesmo em um mundo caído, nosso verdadeiro lar e identidade estão em Cristo.

Somente Cristo! Pr. Reginaldo Soares.

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Meu chamado para o ministério pastoral veio em 1994, sendo encaminhado ao conselho da Igreja Presbiteriana (IPB) em Queimados e em seguida ao Presbitério de Queimados (PRQM). Iniciei meus estudos no ano seguinte, concluindo-os em 1999. A ordenação para o ministério pastoral veio em 25 de junho de 2000, quando assumi pastoreio na IPB Inconfidência (2000-2003) e da IPB Austin (2002-2003). Desde de 2004 tenho servido como pastor na Igreja Presbiteriana em Engenheiro Pedreira (IPEP), onde sigo conduzido esse amado rebanho pela graça de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Sou casado há 22 anos com Alexsandra, minha querida esposa, sou pai de Lisandra e Samantha, preciosas bênçãos de Deus em nossas vidas. Me formei no Seminário Teológico Presbiteriano Ashbel Green Simonton, no Rio de Janeiro, e consegui posteriormente a validação acadêmica pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pela bondade de nosso Senhor, seguimos compartilhando fé, amor e buscando a cada dia crescimento espiritual. Somente Cristo!

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