INCONTAMINADOS DO MUNDO

Reflexão sobre santidade, heróis da fé e distinção cristã em um mundo sedutor. Um chamado a viver incontaminados para Deus.

INCONTAMINADOS DO MUNDO

“A religião pura e sem mácula, para com nosso Deus e Pai, é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e a si mesmo guardar-se incontaminado do mundo” Tiago 1.27.

Correndo na Direção Contrária

Eric Liddell nos Jogos Olímpicos de 1924.

Não é curioso como nós, modernos, sofremos de uma peculiar forma de amnésia moral? Celebramos com entusiasmo aqueles que se destacam em seus campos por sua dedicação extraordinária—atletas sacrificando prazeres imediatos por medalhas futuras, cientistas reclusa em seus laboratórios por décadas—mas quando o sacrifício vem em nome de Cristo, somos rápidos em rotulá-lo como “fanatismo”. Considere Eric Liddell, aquele veloz escocês das Olimpíadas de 1924, que se encontrou diante de um dilema que nossos contemporâneos achariam incompreensível: correr no domingo, o dia que ele havia reservado para o Senhor, ou abandonar sua melhor chance de glória olímpica.

O que vemos aqui não é mera teimosia de um homem religioso, como nossos comentaristas seculares gostariam de sugerir. Não, o que testemunhamos é algo mais profundo—um homem que havia descoberto aquela rara sabedoria de medir sua vida não pela régua do sucesso transitório, mas pela fita métrica da eternidade. “De que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro e perder sua alma?” perguntou nosso Senhor, com aquela desconcertante objetividade que tanto incomodava seus ouvintes (Marcos 8:36).

Liddell não estava simplesmente recusando uma corrida—estava correndo em uma direção completamente diferente, em uma pista invisível aos olhos seculares. Como escreveu o velho Charles Wesley em seu hino:

“Dá-me a fé que pode remover,
E fazer a montanha afundar no mar;
Dá-me a fé que faz o inferno tremer,
E prende toda graça em mim”

Mas a quem estamos imitando hoje? Quem são nossos heróis secretos? Aqueles cuja face aparecem em nossas telas quando ninguém está olhando? Seriam os eternamente jovens de Hollywood? Os continuamente relevantes das redes sociais? Ou seriam aqueles que permanecem incontaminados por esse baile de máscaras que chamamos de “mundo”?

A Matemática Divina do Reino

Há uma estranha matemática no Reino de Deus, onde a subtração frequentemente leva à multiplicação. Observe como Tiago, aquele homem de joelhos calejados pela oração, define a verdadeira religião: “visitar órfãos e viúvas nas suas tribulações e a si mesmo guardar-se incontaminado do mundo” (Tiago 1.27).

Note a conjunção “e”, não “ou”. Não é uma escolha entre ação social ou santidade pessoal. O Espírito não nos permite essa falsa dicotomia que tanto agrada nossa natureza preguiçosa. A fé que não se estende aos necessitados é tão deficiente quanto a caridade que não brota da santidade. É como tentar aplaudir com apenas uma mão, um esforço inútil que produz apenas um patético estalar de dedos.

Você já notou como uma paixão maior sempre expulsa as menores? O homem apaixonado por astronomia não precisa ser convencido a abandonar a contemplação das poças d’água. De modo semelhante, quando Cristo se torna a estrela polar de nossa existência, as cintilantes imitações do mundo perdem seu brilho sedutor. Como nos advertiu Agostinho: “Ama a Deus e faze o que quiseres”, sabendo que um coração verdadeiramente apaixonado por Deus jamais desejará aquilo que O entristece.

Os Milionários da Eternidade

Não são apenas os atletas que correm esta corrida da santidade. Fred Charrington, herdeiro de uma fortuna cervejeira, que se viu confrontado não por uma decisão de domingo, mas por um dilema de vida inteira. Imaginem a cena: o jovem Fred caminhando pelas ruas empoeiradas do East End londrino quando, subitamente, seus olhos captam uma visão que o perseguiria para sempre, uma mulher sendo espancada por seu marido bêbado diante de uma taverna que ostentava o nome “Charrington” em letras douradas.

Naquele momento, como Moisés diante da sarça ardente, Fred teve um encontro com o Deus que enxerga o sofrimento dos oprimidos. Em um instante de clareza divina, viu sua herança não como bênção, mas como participação no sofrimento daquela mulher anônima. Sua decisão de renunciar à fortuna familiar não foi menor que a de Moisés, que “recusou ser chamado filho da filha de Faraó, preferindo ser maltratado com o povo de Deus a usufruir prazeres transitórios do pecado” (Hebreus 11:24-25).

Que matemática estranha é esta! Fred trocou milhões por nada, e no processo ganhou tudo. George Müller alimentou órfãos enquanto se alimentava da Palavra. William Carey sepultou-se na Índia enquanto plantava as sementes do Reino. E o que dizer de Judson na Birmânia? Enterrou esposa e filhos em solo estrangeiro enquanto cultivava uma igreja que floresce até hoje.

“Loucura!”, grita o mundo. “Sabedoria!”, responde o céu. Pois “a loucura de Deus é mais sábia que os homens” (1 Coríntios 1:25).

O Bezerro de Ouro Digital

Ryle, aquele bispo vitoriano que falava com a urgência de um profeta, cravou a estaca da verdade em nosso coração confortável quando escreveu: “Uma santidade que não separa do mundo não é santidade.” Sua pena afiada penetra até mesmo nossas modernas fortalezas digitais.

Pense nisso: estamos dançando ao redor dos bezerros de ouro de nossa época enquanto sinceramente acreditamos estar adorando a Deus? Nossos templos modernos não são construídos com ouro literal, mas com algoritmos que moldam nossa atenção, desejos fabricados que roubam nossa contentamento, e distrações infinitas que evaporam nossa capacidade de oração e contemplação.

Quando Moisés desceu do Sinai e encontrou Israel dançando ao redor daquele bezerro resplandecente, a tragédia não era que haviam abandonado completamente a Deus, não, eles sinceramente acreditavam estar celebrando “uma festa ao Senhor” (Êxodo 32:5). O horror estava precisamente na mistura, na tentativa de adorar o Deus da aliança com métodos egípcios, de servir a Jeová com as formas de Osíris.

Quão facilmente caímos no mesmo erro! Desejamos o poder e a presença de Deus, mas nos recusamos a pagar o preço da distinção. Ansiamos pelo reavivamento, mas nos agarramos aos nossos ídolos favoritos. Queremos Pentecostes sem crucificação, ressurreição sem sepultamento.

E assim caminhamos, anêmicos e claudicantes, “como se manco de ambos os pés” (para usar a imagem de John Bunyan), tentando equilibrar-nos entre dois mundos. “Até quando coxeareis entre dois pensamentos?”, perguntou Elias ao Israel comprometido (1 Reis 18:21). A mesma pergunta ecoa em nossos templos climatizados e salas de estar confortáveis.

O Caminho da Distinção Vitoriosa

Então, o que faremos, queridos amigos? Como viveremos como pessoas incontaminadas em um mundo que nos seduz a cada clique, cada rolagem de tela, cada anúncio cuidadosamente direcionado?

Começamos com uma pergunta aparentemente simples, mas devastadoramente reveladora: Quem são seus heróis? Não me diga o que você crê, mostre-me quem você admira, e eu lhe direi qual é seu verdadeiro amor. Seus modelos são aqueles que buscam “primeiro o Reino de Deus e sua justiça” (Mateus 6:33), ou aqueles que buscam primeiro o reino do homem e suas glórias passageiras?

A santidade não é uma questão de isolamento físico. Os fariseus tentaram esse método e acabaram apenas “branqueando sepulcros” (Mateus 23:27). Não, a verdadeira separação acontece primeiro no coração, quando somos “transformados pela renovação da nossa mente” (Romanos 12:2). É uma mudança de cidadania—embora caminhemos nas mesmas ruas que nossos vizinhos, nosso passaporte é celeste, nossa lealdade é a outro Reino.

Isso significa dizer “não” a certas coisas? Certamente. Mas esse “não” é apenas a sombra projetada por um “sim” muito maior. Como aquele mercador que alegremente vendeu tudo que tinha para comprar a pérola de grande valor (Mateus 13:46), não experimentamos perda, mas ganho. Abandonamos toda riqueza, sucesso, prazeres pelos tesouros eternos, aprovação momentânea por uma alegria duradoura.

E nessa santidade encontramos não apenas pureza pessoal, mas poder profético. O mundo não precisa de mais cristãos que o imitem perfeitamente, já tem imitações suficientes. O que o mundo faminto necessita é de homens e mulheres que vivam como cidadãos de outro país, embaixadores de um Reino invisível mas incontestável.

Como escreveu o velho Charles Spurgeon: “Um santo a mais significa um pecador a menos.” A verdadeira separação não nos torna inúteis para o mundo, mas poderosamente úteis. Pois como podemos oferecer água viva se bebemos das mesmas cisternas quebradas que não retêm água? (Jeremias 2:13).

Pai celeste, que sejamos, como aqueles antigos cristãos descritos por um perplexo observador pagão: “Eles vivem em suas próprias pátrias, mas como peregrinos; participam de tudo como cidadãos e suportam tudo como estrangeiros. Toda terra estrangeira é pátria para eles, e toda pátria, terra estrangeira.” Que nossos vizinhos observem em nós uma estranha e atraente combinação, completamente presentes no mundo, cheios de compaixão pelo sofrimento alheio, mas de alguma forma distintos, como se fossemos cidadãos de outro lugar.

Porque, na verdade, é exatamente isso que somos. “Não peço que os tires do mundo, mas que os guardes do mal” (João 17:15).

Somente Cristo! Pr. Reginaldo Soares.

Leia também:

Meu chamado para o ministério pastoral veio em 1994, sendo encaminhado ao conselho da Igreja Presbiteriana (IPB) em Queimados e em seguida ao Presbitério de Queimados (PRQM). Iniciei meus estudos no ano seguinte, concluindo-os em 1999. A ordenação para o ministério pastoral veio em 25 de junho de 2000, quando assumi pastoreio na IPB Inconfidência (2000-2003) e da IPB Austin (2002-2003). Desde de 2004 tenho servido como pastor na Igreja Presbiteriana em Engenheiro Pedreira (IPEP), onde sigo conduzido esse amado rebanho pela graça de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Sou casado há 22 anos com Alexsandra, minha querida esposa, sou pai de Lisandra e Samantha, preciosas bênçãos de Deus em nossas vidas. Me formei no Seminário Teológico Presbiteriano Ashbel Green Simonton, no Rio de Janeiro, e consegui posteriormente a validação acadêmica pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pela bondade de nosso Senhor, seguimos compartilhando fé, amor e buscando a cada dia crescimento espiritual. Somente Cristo!

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