1 Coríntios 10:31. “Portanto, quer comais, quer bebais, ou façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus.”
RESOLUÇÃO 04. “Resolvo nunca fazer coisa alguma, seja no corpo ou na alma, menor ou maior, que não tenda para a glória de Deus; nem ser ou sofrer qualquer coisa, se eu puder evitar.”
Sagrado e Secular
“Toda a vida cristã é uma vida de consagração. Não há momento em que não estejamos sendo chamados a oferecer a Deus aquilo que somos e aquilo que temos. A consagração não é um ato isolado que fazemos uma vez, mas uma atitude constante que mantemos sempre.” Abraham Kuyper, Calvinismo, p. 189
Existe algo quase assustador na ambição espiritual de Jonathan Edwards. Em sua quarta resolução, ele não se propõe apenas a evitar o mal ou a fazer o bem ocasionalmente. Ele se compromete com algo revolucionário: “nunca fazer coisa alguma, seja no corpo ou na alma, menor ou maior, que não tenda para a glória de Deus.” É uma declaração que faz o coração acelerar e a mente recuar simultaneamente.
Que tipo de homem faz tal promessa? Que tipo de Deus inspira tal devoção? Edwards não está falando de grandes gestos espirituais apenas – embora estes estejam incluídos. Ele está falando de uma vida onde cada respiração, cada pensamento, cada movimento corporal seja orientado por um único propósito transcendente: a glória de Deus.
Mas há algo ainda mais radical nesta resolução. Edwards não apenas se compromete a fazer tudo para a glória de Deus, mas também a “não ser ou sofrer qualquer coisa” que não contribua para esse fim supremo – “se eu puder evitar”. Aqui está um homem que entende que até mesmo nosso sofrimento, que toda nossa existência devem ser instrumentos de glória divina.
“O cristão não tem duas vidas – uma secular e outra sagrada. Ele tem uma vida, e esta vida inteira deve ser vivida para a glória de Deus. Não há atividade tão mundana que não possa ser transformada em ato de adoração, nem responsabilidade tão secular que não possa ser cumprida como serviço a Cristo.” Herman Bavinck, Filosofia da Revelação, p. 78
“A vida cristã não é uma vida dividida entre o sagrado e o secular, mas uma vida unificada sob a soberania de Cristo. Tudo o que fazemos, desde a oração mais solene até a tarefa mais simples, deve ser feito como para o Senhor.” João Calvino, Institutas da Religião Cristã, Livro III, Cap. 10, Seção 6
Esta resolução expõe a mediocridade de nossa devoção comum. Quantas vezes dividimos nossa vida em sagrado e secular, como se algumas áreas fossem neutras no grande drama cósmico escrito pela glória de Deus? Edwards nos confronta com uma verdade perturbadora: não existe vida neutra. Cada ato é um voto, cada escolha uma declaração, cada momento uma oportunidade de glorificar ou desonrar o Criador.
O Sagrado se espalha pelo Secular
“A glória de Deus não é uma parte da vida cristã; é o princípio que governa toda a vida cristã. Cada pensamento, cada palavra, cada ação deve ser testada por este critério: isto contribui para a glória de Deus? Se não contribui, deve ser abandonado; se contribui, deve ser abraçado com todo o coração.” Jonathan Edwards, Afeições Religiosas, p. 234.
“Não há distinção entre sagrado e secular na vida daquele que verdadeiramente conhece a Deus. Toda vocação é sagrada se exercida para a glória de Deus; toda atividade é santa se realizada em dependência do Espírito Santo; todo momento é precioso se vivido na presença do Senhor.” R.C. Sproul, A Santidade de Deus, p. 287
Paulo e Edwards falam a mesma linguagem da totalidade. “Quer comais, quer bebais, ou façais qualquer outra coisa”, a amplitude é impressionante. O apóstolo não está apenas falando de atividades obviamente espirituais como oração ou adoração. Ele está falando de comer e beber, essas atividades da existência humana que consideramos mundanas. Se até mesmo a nutrição do corpo pode ser transformada em ato de glorificação divina, então nada está fora do alcance da devoção cristã.
Edwards compreende que a glória de Deus não é uma categoria entre outras na vida cristã; é a categoria que engloba todas as outras. Quando ele resolve nunca fazer “coisa alguma” que não tenda para a glória de Deus, está abraçando uma cosmovisão onde o sagrado permeia o secular, onde o temporal serve ao eterno, onde cada fragmento da existência é potencialmente um ato de adoração.
Mas note a precisão de sua linguagem: “que não tenda para a glória de Deus”. Edwards não está dizendo que conseguirá sempre glorificar a Deus perfeitamente, mas que escolherá sempre ações que tenham essa tendência, essa direção. É a diferença entre perfeição e orientação. Ele está estabelecendo não um padrão de desempenho impossível, mas uma bússola moral infalível.
A dimensão corporal da resolução é particularmente relevante. “Seja no corpo ou na alma”, Edwards rejeita qualquer dualismo platônico que diminua a importância do físico. Nosso corpo não é prisão da alma, mas templo do Espírito Santo. Cada gesto, cada postura, cada expressão facial pode ser oferecida como sacrifício de louvor. Há algo profundamente encarnacional nesta visão, ela ecoa a própria encarnação de Cristo, que glorificou o Pai não apenas com sua alma, mas com seu corpo.
A segunda parte da resolução introduz uma complexidade fascinante: “nem ser ou sofrer qualquer coisa, se eu puder evitar”. Aqui Edwards reconhece que nem tudo em nossa vida está sob nosso controle direto. Há sofrimentos que não podemos evitar, circunstâncias que não podemos alterar, aspectos de nossa própria natureza que não podemos mudar instantaneamente. Mas mesmo nesses casos, Edwards se compromete a não colaborar voluntariamente com aquilo que não contribui para a glória de Deus.
Esta cláusula, “se eu puder evitar”, revela uma maturidade espiritual notável. Edwards não está prometendo controlar o incontrolável, mas assumindo responsabilidade total pelo controlável. Ele entende que a soberania de Deus não diminui nossa responsabilidade humana; antes, a define com mais precisão.
Espiritualidade intensa
A resolução de Edwards nos leva inevitavelmente ao Cristo. Jesus é o único ser humano que viveu perfeitamente esta resolução. Cada palavra que proferiu, cada ação que realizou, cada sofrimento que suportou, tudo tendia perfeitamente para a glória do Pai. “Eu te glorifiquei na terra”, disse ele na oração sacerdotal, “completando a obra que me deste para fazer.“
Mas Cristo não é apenas nosso modelo impossível; é nosso substituto gracioso. Ele viveu a vida totalmente consagrada que não conseguimos viver. Sua obediência perfeita é creditada a nós, sua glorificação constante do Pai torna-se nossa justiça. E mais: seu Espírito em nós nos capacita a viver de forma crescentemente semelhante a esta resolução.
A cruz revela tanto a seriedade quanto a graça desta resolução. Seriedade porque mostra o que custou a Deus nossa falha em viver para sua glória. Graça porque demonstra até onde Deus foi para nos restaurar a uma vida de glorificação. Na cruz, Jesus sofreu precisamente aquilo que não tendia para a glória de Deus, nosso pecado, para que nós pudéssemos viver aquilo que tende para ela.
“Cristo é o único homem que viveu perfeitamente para a glória de Deus. Cada ato de sua vida terrena foi um ato de glorificação ao Pai. Sua obediência perfeita não apenas nos serve de exemplo, mas se torna nossa justiça. Nele, nossa vida imperfeita torna-se aceitável diante de Deus.” Charles Hodge, Teologia Sistemática, Vol. 2, p. 456.
“A vida cristã é uma vida de imitação de Cristo, mas não uma imitação que depende de nossas próprias forças. É uma imitação capacitada pelo Espírito Santo, que nos une a Cristo e nos transforma à sua imagem. Assim, nosso desejo de viver para a glória de Deus não é apenas um ideal, mas uma realidade crescente.” John Piper, Sede de Deus, p. 198.
A resolução de Edwards não é, portanto, um fardo impossível, mas um convite liberador. Ela nos liberta da tirania da vida sem propósito, da fragmentação entre sagrado e secular, da mediocridade espiritual disfarçada de humildade. Ela nos convida a viver com a intensidade e a integralidade que nossa criação à imagem de Deus demanda.
E agora, como viveremos?
Como você pode começar a viver esta resolução hoje?
Reconheça que não se trata de uma mudança instantânea, mas de uma orientação fundamental. Comece perguntando-se regularmente: “Esta ação, esta palavra, este pensamento tende para a glória de Deus?”
Aplique a resolução às atividades mais mundanas. Quando comer, faça-o com gratidão e moderação, reconhecendo Deus como provedor. Quando trabalhar, faça-o com excelência e integridade, vendo seu trabalho como vocação divina. Quando descansar, faça-o como quem reconhece que até o descanso é dádiva de Deus.
Examine as áreas de sua vida que você considera que estão fora da dimensão do “Sagrado”. Suas conversas casuais, seus momentos de lazer, suas escolhas de entretenimento – podem todas ser orientadas para a glória de Deus? Isso não significa que tudo precisa ser explicitamente religioso, mas que tudo pode ser implicitamente consagrado.
Pratique a cláusula “se eu puder evitar”. Há circunstâncias em sua vida que não glorificam a Deus mas que você não pode mudar? Ore por elas, mas foque sua energia nas que você pode influenciar. Há relacionamentos tóxicos que você mantém voluntariamente? Hábitos destrutivos que você alimenta? Compromissos que diluem sua devoção?
Lembre-se de que esta resolução não é sobre perfeição, mas sobre direção. Não é uma promessa sobre nunca falhar, mas sobre sempre mirar na glória de Deus. Quando você falhar – e falhará – arrependa-se rapidamente e reoriente-se para o mesmo alvo. A vida totalmente consagrada não é uma conquista, mas uma jornada.
“Quando agimos, estamos declarando o tipo de pessoas que somos. Não há ações neutras; toda escolha é uma afirmação, toda decisão é uma declaração.” Jorge Luis Borges, Ficções, p. 156.
Oremos
Pai glorioso, reconhecemos tanto nossa própria mediocridade quanto tua grandeza infinita. Confessamos que dividimos nossa vida em compartimentos, como se algumas áreas fossem neutras em relação à tua glória. Perdoa nossa fragmentação, nossa devoção parcial, nossa tendência a reservar apenas alguns momentos para ti quando todos os momentos te pertencem. Concede-nos a visão de Edwards para ver que cada respiração é uma oportunidade de glorificar-te, cada ação é uma chance de adorar-te, cada sofrimento é uma ocasião de confiar em ti. Ajuda-nos a viver com a intensidade e a integralidade que nossa criação à tua imagem demanda. Senhor, sabemos que não conseguimos viver perfeitamente esta resolução. Somos gratos porque Jesus a viveu por nós. Sua vida totalmente consagrada torna-se nossa justiça, sua obediência perfeita torna-se nossa esperança. Que seu Espírito em nós nos capacite a crescer em direção a este ideal. Transforma nosso comer e beber em atos de gratidão, nosso trabalho em vocação sagrada, nosso descanso em reconhecimento de tua providência. Que até mesmo nossos sofrimentos se tornem instrumentos de tua glória, que nossa própria existência seja um hino de louvor. Liberta-nos da tirania da vida sem propósito. Ensina-nos que não existe vida neutra, que cada escolha é uma declaração, que cada momento é uma oportunidade de glorificar-te ou desonrar-te. Que possamos escolher sempre aquilo que tende para tua glória. Em nome de Jesus, que viveu perfeitamente esta resolução e nos capacita a viver imperfeitamente, mas sinceramente, em direção a ela. Amém.
Somente Cristo! Pr. Reginaldo Soares.
Leia também:
- AS RESOLUÇÕES DE JONATHAN EDWARDS
- RESOLUÇÃO 01 – Jonathan Edwards
- RESOLUÇÃO 02 – Jonathan Edwards
- RESOLUÇÃO 03 – Jonathan Edwards

Meu chamado para o ministério pastoral veio em 1994, sendo encaminhado ao conselho da Igreja Presbiteriana (IPB) em Queimados e em seguida ao Presbitério de Queimados (PRQM). Iniciei meus estudos no ano seguinte, concluindo-os em 1999. A ordenação para o ministério pastoral veio em 25 de junho de 2000, quando assumi pastoreio na IPB Inconfidência (2000-2003) e da IPB Austin (2002-2003). Desde de 2004 tenho servido como pastor na Igreja Presbiteriana em Engenheiro Pedreira (IPEP), onde sigo conduzido esse amado rebanho pela graça de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Sou casado há 22 anos com Alexsandra, minha querida esposa, sou pai de Lisandra e Samantha, preciosas bênçãos de Deus em nossas vidas. Me formei no Seminário Teológico Presbiteriano Ashbel Green Simonton, no Rio de Janeiro, e consegui posteriormente a validação acadêmica pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pela bondade de nosso Senhor, seguimos compartilhando fé, amor e buscando a cada dia crescimento espiritual. Somente Cristo!