Amando a realidade de uma família imperfeita.
“O amor é paciente, o amor é bondoso… Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.” 1 Coríntios 13:4,7.
Na obra “Os Irmãos Karamazov”, Dostoiévski nos apresenta o personagem Padre Zosima, que ensina: “O amor ativo é trabalho e perseverança…” Esta profunda observação nos lembra que o amor verdadeiro não é uma emoção idealizada, mas um compromisso com a realidade — muitas vezes imperfeita, barulhenta e desordenada — daqueles que amamos.
Quero encorajar você, marido e esposa, pai e mãe, que estão vivendo os desafios do casamento, da maternidade e da paternidade, rodeados pelo barulho, choro, fraldas e bagunça criativa dos pequenos.
Neste momento de suas vidas, quando a realidade pode parecer distante daquilo que você sonhou para sua família, vale refletir sobre a natureza do amor autêntico e a beleza escondida em meio ao aparente caos de uma família imperfeita.
A tentação do amor idealizado
Existe uma forte tentação de se apaixonar com o CONCEITO de uma família perfeita, ao invés de amar a família como ela é. De abraçar a IDÉIA de filhos perfeitos e obedientes, casas lindas e um casamento de contos de fadas ao invés de abraçar a grandeza da família como ela é, imperfeita, mas cheia de beleza, alegria e glória de Deus. De enxergar sua família pelas lentes de “como você queria que ela fosse” e não pela lente “de como ela é”.
Este é um dos desafios mais sutis na vida familiar: distinguir entre amar a ideia de um casamento e filhos perfeitos e amar as pessoas reais com quem Deus nos uniu. A teologia reformada nos ensina sobre os efeitos da Queda em todas as dimensões da vida — inclusive na família. A Confissão de Westminster afirma que “esta corrupção da natureza permanece naqueles que são regenerados” (Cap. VI, IV). Em termos práticos, isso significa que nenhuma família cristã, por mais piedosa que seja, estará livre de ser uma família imperfeita, cheia de conflitos e desafios.
O perigo do dualismo familiar
Uma terrível tentação de viver em um mundo paralelo, uma família paralela, aonde tudo é belo e cheiroso. E a grande tragédia desse dualismo é o profundo descontentamento que brota no coração ao viver em uma realidade menos que o ideal. Descontentamento esse que vira rancor, rancor que vira raiva, raiva que vira indiferença. E indiferença que vira desistência.
Este ciclo destrutivo tem raízes espirituais profundas. O reformador João Calvino observou que “o coração humano é uma fábrica de ídolos.” Um desses ídolos modernos é a família perfeita — uma imagem polida e imaculada que exigimos de nós mesmos e daqueles que amamos. Como todo ídolo, ele nunca satisfaz e sempre exige mais sacrifícios. A realidade é que muitos estão sacrificando relacionamentos autênticos no altar da perfeição familiar.
A cultura da aparência
Vivemos em um mundo de imagens. De efeitos. Como nos stories do Instagram, temos mil maneiras de fazer nossa realidade PARECER mais plena do que ela é. Somos tentados a gastar nossos esforços — não edificando nosso lar — mas construindo uma imagem de “família margarina” que esconde nosso lar.
Esta observação vai ao cerne de nossa cultura contemporânea. As redes sociais frequentemente se tornam vitrines onde expomos versões idealizadas de nossas vidas. Tim Keller observou que “a aprovação cultural se tornou uma nova forma de idolatria.” A busca por validação externa através de imagens meticulosamente planejadas para fazer com que os outros acreditem que somos perfeitos.
O chamado à realidade
Não podemos sucumbir a essa tentação. Somos chamados a lidar com a vida com as limitações e desafios que ela nos traz e assim construirmos uma história não de perfeição, mas de crescimento e satisfação em Cristo. É amando nossa família como ela é que fazemos dela uma família que se torna melhor a cada desafio superado. Abraçando, encorajando, ajudando, ensinando de acordo com a realidade de hoje, e não de acordo com o grande ideal que formulamos em nossas mentes.
O Catecismo de Heidelberg nos pergunta: “Qual é o teu único consolo na vida e na morte?” E responde: “Que eu, com corpo e alma, tanto na vida como na morte, não me pertenço, mas pertenço ao meu fiel Salvador Jesus Cristo.” Esta verdade fundamental nos lembra que somos chamados a seguir o exemplo de Cristo em todas as áreas de nossas vidas, a vida vivida na orientação de Cristo será prazerosa, a família que se entregar ao seu Senhorio será abençoada.
O modelo de Cristo
Temos como exemplo Jesus, o Filho de Deus. Ele veio na nossa realidade, andou entre nós, sofreu a nossa morte. Ele tem um plano, claro. Ele sabe aonde deseja nos levar. “Vou preparar-vos lugar…para que onde eu estiver estejais vós também.” Mas acontece que ele não nos amará somente quando chegamos lá; ele nos ama aqui. Agora. Nessa caminhada por muitas vezes bagunçada que chamamos de hoje.
Esta é a verdade central do Evangelho aplicada à vida familiar. Jesus não esperou que nos tornássemos perfeitos para nos amar. “Mas Deus prova o seu amor para conosco pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores” (Romanos 5:8). Seu amor não é condicionado à nossa perfeição, mas é expresso em meio às nossas imperfeições.
Dietrich Bonhoeffer, em seu livro “Vida em Comunidade”, escreveu: “Quem ama sua visão de comunidade mais do que a comunidade cristã em si se tornará destruidor de qualquer comunidade cristã, não importa quão sinceras, sérias e devotadas sejam suas intenções pessoais.” Este mesmo princípio se aplica à família. Amar mais a visão idealizada de família do que os membros reais de nossa família pode destruir os próprios relacionamentos que desejamos nutrir.
O amor que abraça a realidade
Jesus ama quem somos, e não meramente quem seremos. Ele lida com as nossas feridas, fraquezas, frustrações, ao invés de fugir delas. Ele aplica seu amor, sua graça, sua bondade. Não somos cobertos por um efeito visual; somos cobertos por tudo que Ele é.
Este amor que abraça a realidade é a essência da graça. O reformador Martinho Lutero descreveu a graça como o amor de Deus “que se inclina para o indigno.” Da mesma forma, somos chamados a inclinar nosso amor para a realidade de nossas famílias imperfeitas, permanentemente em processo de amadurecimento.
Abraçando a família imperfeita
O verdadeiro chamado à santidade familiar não é construir uma fachada de perfeição, mas cultivar relacionamentos autênticos marcados pela graça.
- Reconheça a Idolatria da Perfeição: Examine seu coração para identificar onde você tem valorizado mais a imagem da família perfeita do que as pessoas reais que Deus colocou em sua vida.
- Pratique o Contentamento: Como Paulo ensinou: “Aprendi a contentar-me com o que tenho” (Filipenses 4:11). O contentamento não é conquistado mudando suas circunstâncias, mas transformando sua perspectiva através do Evangelho.
- Celebre a Realidade: Encontre beleza nos momentos reais — no choro que significa vida, nas imperfeições que demonstram humanidade e dependência de Deus. Como escreveu G.K. Chesterton: “O comum e o ordinário não são ordinários; são milagrosos.”
- Ame como Cristo: Permita que seu amor pela família espelhe o amor de Cristo pela Igreja — um amor que não espera a perfeição, mas serve, sacrifica-se e permanece fiel em meio às imperfeições.
- Busque Santificação, Não Perfeição: Trabalhe para o crescimento contínuo em sua família, não a partir da insatisfação com a realidade, mas a partir da gratidão pela graça já recebida.
Uma família verdadeiramente cristã não é aquela que parece perfeita nas redes sociais, mas aquela onde o Evangelho é vivido diariamente no meio da realidade imperfeita. É onde a graça flui livremente, o perdão é praticado regularmente, e Cristo é exaltado constantemente — mesmo entre fraldas sujas e choros noturnos.
Pai Celestial, perdoa-nos por amar mais nossos ideais do que as pessoas reais que Tu nos deste. Ajuda-nos a ver nossas famílias imperfeitas como Tu os vês — não como projetos a serem aperfeiçoados, mas como pessoas a serem amadas. Ensina-nos a amar como Tu amas — no meio da imperfeição, do barulho e da bagunça. Que nossos lares sejam lugares onde Tua graça é mais real do que nossas expectativas. Em nome de Jesus, que abraçou nossa humanidade em sua plenitude, amém.
Somente Cristo! Pr. Reginaldo Soares.
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Meu chamado para o ministério pastoral veio em 1994, sendo encaminhado ao conselho da Igreja Presbiteriana (IPB) em Queimados e em seguida ao Presbitério de Queimados (PRQM). Iniciei meus estudos no ano seguinte, concluindo-os em 1999. A ordenação para o ministério pastoral veio em 25 de junho de 2000, quando assumi pastoreio na IPB Inconfidência (2000-2003) e da IPB Austin (2002-2003). Desde de 2004 tenho servido como pastor na Igreja Presbiteriana em Engenheiro Pedreira (IPEP), onde sigo conduzido esse amado rebanho pela graça de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Sou casado há 22 anos com Alexsandra, minha querida esposa, sou pai de Lisandra e Samantha, preciosas bênçãos de Deus em nossas vidas. Me formei no Seminário Teológico Presbiteriano Ashbel Green Simonton, no Rio de Janeiro, e consegui posteriormente a validação acadêmica pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pela bondade de nosso Senhor, seguimos compartilhando fé, amor e buscando a cada dia crescimento espiritual. Somente Cristo!
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