A IGREJA PERSEGUIDA

Descubra a realidade da Igreja Perseguida: mais de 380 milhões de cristãos sofrem por sua fé em Jesus. Conheça as raízes bíblicas, desafios atuais e como ajudar.

A IGREJA PERSEGUIDA

O Paradoxo do Discipulado Revestido de Espinhos

Há algo fundamentalmente desconcertante sobre a realidade da Igreja Perseguida em nosso mundo. Desconcertante, mas não surpreendente. Pois o que esperamos? Que o mundo que crucificou o Mestre pouparia os seus discípulos? Que mensagem que confronta cada reino deste mundo com o Reino de Deus seria recebida com tapetes vermelhos e aplausos? Quão estranho é que nos surpreendemos com o que nosso Senhor prometeu explicitamente.

Hoje, enquanto você lê estas palavras, mais de 380 milhões de irmãos e irmãs em Cristo — membros do mesmo corpo ao qual pertencemos — vivem essa promessa em sua carne. A Igreja Perseguida não é uma abstração teológica nem uma curiosidade histórica; é uma realidade viva, pulsante, do nosso tempo. Esses cristãos são perseguidos não por quaisquer crimes que cometeram, mas simplesmente por terem encontrado em Jesus Cristo um tesouro pelo que vale a pena sacrificar tudo ou mais.

A Perseguição como Herança Bíblica: O Caminho Previsto

Nossa tendência moderna é ver uma perseguição como uma anomalia, um desvio do caminho “normal” da fé cristã. Mas que estranha inversão é essa! O Mestre não nos justifica justamente o contrário? “Se o mundo os odeia”, disse Jesus, “tenham em mente que antes odiou a mim… Se me perseguiram, também perseguirão vocês” (João 15:18,20). Estas não são palavras periféricas, são centrais à nossa vocação.

Paulo, aquele apóstolo golpeado, flagelado, apedrejado, naufragado e finalmente decapitado por sua fé, escreveu com clareza cristalina: “De fato, todos os que desejam piedosamente em Cristo Jesus serão perseguidos” (2 Timóteo 3:12). Observe o tom categórico: não “poderão ser” ou “talvez sejam”, mas “serão perseguidos”. A ausência de oposição deveria, portanto, nos fazer perguntar se realmente vivemos em fidelidade ao Evangelho.

Talvez nossa confusão venha do fato de que, em nossa posição privilegiada do mundo, a perseguição se manifesta principalmente na forma de riscos de exercício em jantares elegantes, nas piadas espirituosas aos custas dos “religiosos fanáticos”, ou na marginalização sutil da fé como algo privado e irrelevante. E nós, tão sensíveis à opinião alheia, tão desejosos de aprovação social, muitas vezes sucumbimos antes mesmo que qualquer perspectiva séria comece.

Quão diferente é a perspectiva de Tertuliano, que observou: “O sangue dos mártires é semente da Igreja”. Ou como cantou Isaac Watts naquele grande hino:

“Devo ser carregado ao céu
Num leito de conforto e facilidade,
Enquanto outros lutaram para obter o prêmio
E navegaram por mares sangrentos?”

O Mapa da Perseguição: Geografia do Sofrimento

Se pudéssemos desenhar um mapa espiritual do mundo, veríamos manchas escuras onde a luz do Evangelho encontrava a resistência mais terrível. Nessas regiões, nossos irmãos e irmãs da Igreja Perseguida vivem o cristianismo não como uma opção de estilo de vida confortável, mas como uma decisão custosa e diária.

Em alguns lugares, a perseguição vem envolta em documentos oficiais e legitimados por timbres governamentais: leis anticonversão, proibições ao culto público, vigilância constante. Em outros, ela surge nas ruas, nas ambientes hostis, nas famílias dilaceradas pela decisão de um membro de seguir a Cristo. É o pai que abandonou o expulsou o filho de casa, o empregador que despediu o funcionário, o vizinho que incendiou a casa da família com quem conviveu por anos — tudo porque alguém ousou confessar: “Jesus é Senhor”.

A igreja tem sua existe num mundo que a odeia e procura desacreditá-la, humilha-la e até destruí-la. Esta realidade não mudou. A cruz continua sendo um escândalo, uma loucura para um mundo que não compreende o poder redentor do sofrimento voluntário por amor.

É curioso como frequentemente nos enganamos nesta matéria. Achamos que o cristianismo floresce melhor no que acreditamos ser um ambiente propício, como se a fé fosse uma planta delicada que precisa de estufas climatizadas. A história, no entanto, mostra consistentemente o oposto: é nas catacumbas, nas prisões, nos campos de trabalho forçados e nas comunidades marginalizadas que a igreja frequentemente manifestava sua vitalidade mais extraordinária. Como disse um cristão chinês após décadas de perseguição: “Vocês no Ocidente oram por nós pedindo o fim da perseguição. Nós oramos por vocês para que a suportem quando ela chegar.”

A Distinção Crucial: Sofrimento e Perseguição

Permita-me fazer uma distinção importante, a mesma que a Missão Portas Abertas precisou esclarecer ao reformular o conceito de igreja sofredora. Existe uma diferença significativa entre sofrimento e perseguição, embora ambas possam estar presentes na vida cristã.

O sofrimento é universal. Todo ser humano sofre — cristão ou não. Adoecemos, perdemos entes queridos, enfrentamos dificuldades financeiras, experimentamos decepções. Este sofrimento, embora doloroso, não representa perseguição a menos que seja diretamente causado pela identificação com Cristo.

A perseguição, por outro lado, é específica. É sofrimento sincero precisamente porque você pertence a Cristo, porque esse é o nome que você carrega diante de tosos aqueles que rejeitam o senhorio do Filho de Deus. É quando seu passaporte para o céu se torna seu passaporte para a prisão na terra.

Imagine sentir a dor de uma doença. Isso é sofrimento, mas não perseguição. Agora imagine sentir a dor da mesma doença, mas ser privado de tratamento médico específicamente por você ser cristão. Isso é perseguição.

Por isso, falamos da Igreja Perseguida, não da “Igreja Sofredora”. Esta distinção não é mero preciosismo semântico; é um reconhecimento da realidade específica de quem é hostilizado, não por qualquer acidente da vida, mas por sua identificação deliberada com Cristo.

A Teologia da Perseguição: Significado Mais Profundo do Sofrimento

Há uma teologia da perseguição que devemos recuperar, uma compreensão de seu significado no plano divino. Não se trata de glorificar o sofrimento por si mesmo — isso seria masoquismo, não cristianismo. Trata-se do reconhecimento de como Deus misteriosamente opera através dele.

João Calvino, que conhecia bem o costume de seguir a Cristo em tempos turbulentos, observou que “a cruz de Cristo sempre acompanha a confissão genuína da fé”. Para Calvino, a luta na vida de um cristão não era apenas uma infelicidade que eventualmente atingia o cristão, mas um sinal de vitória do evangelho e uma oportunidade para os cristãos demonstrarem sua fidelidade.

Parafraseando o texto bíblico, “Aquilo que buscamos revela quais são e onde estão nossos verdadeiros tesouros”. Quando tudo — status social, segurança econômica, integridade física, até mesmo a própria vida — é ameaçado, o que permanece? Apenas aquilo que valorizamos acima de tudo. A perseguição, assim, torna-se um teste revelador do que realmente adoramos.

RC Sproul aprofunda esta compreensão ao notar que “a perseguição purifica a igreja de uma fé nominal e revela quem realmente pertence a Cristo”. Há uma purificação dolorosa, mas necessária, que ocorre quando o custo do discipulado é claramente apresentado. As multidões que seguiam Jesus diminuíram significativamente quando Ele começou a falar sobre comer Sua carne e beber Seu sangue (João 6:66). Ao análisar o campo, o Senhor da seara separa o trigo do joio, revelando a fé genuína que persevera mesmo quando todas as vantagens externas são removidas.

Mas não devemos ver a perseguição apenas como um teste ou provação. Em um sentido mais profundo, ela também é participação nos sofrimentos de Cristo. Como Paulo escreveu aos filipenses, desejava “conhecer a Cristo, e o poder da sua prosperidade, e a participação em seus sofrimentos” (Filipenses 3:10). A perseguição, vista desta forma, não é apenas algo que apoiamos, mas uma comunhão íntima com nosso Senhor, que antes de nós, suportou a cruz, desprezando a vergonha (Hebreus 12:2).

O Espelho da Igreja Perseguida: Reflexões para Nosso Próprio Discipulado

O que podemos aprender com nossos irmãos e irmãs da Igreja Perseguida? Permita-me destacar algumas lições — não como um especialista distante, mas como um peregrino que também luta para viver o significado do discipulado em um mundo hostil.

Primeiro, aprenda sobre compromisso autêntico. Há uma notável ausência de cristianismo casual entre os perseguidos. Quando cada confissão de fé pode custar-lhe tudo, você tende a pesar cuidadosamente suas palavras. Quão diferente é a nossa situação, onde o cristianismo frequentemente não custa nada e, consequentemente, por vezes significa muito pouco.

Certa vez, um pastor chinês visitou os Estados Unidos e foi questionado sobre o avivamento na China. Após refletir, respondeu: “O problema com vocês americanos é que vocês têm relógios demais e cruzes de menos.” A Igreja Perseguida nos lembra que o cristianismo sem cruz é uma contradição em termos.

Segundo, a Igreja Perseguida nos ensina sobre dependência radical de Deus. Quando todos os apoios humanos — posição social, segurança financeira, proteção legal — forem removidos, resta apenas confiar no Deus invisível que prometeu nunca nos deixar nem nos abandonar. Como o salmista que escreveu do vale da sombra da morte: “O Senhor é a fortaleza da minha vida; a quem temerei?” (Salmo 27:1).

Terceiro, nossos irmãos perseguidos nos mostram o significado da comunidade cristã. Em contextos hostis, a igreja não é um lugar que você frequenta, mas uma família com a qual você pertence visceralmente. Cristãos perseguidos arriscaram suas vidas para se reunirem, compartilharem recursos escassos e encorajarem uns aos outros. Eles compreendem instintivamente o que Dietrich Bonhoeffer — que pagou com a vida por sua resistência ao nazismo — quis dizer quando escreveu: “A comunhão física dos cristãos é uma fonte de alegria e força incomparável para o crente.”

E finalmente, a Igreja Perseguida nos ensina sobre a centralidade do evangelho. Quando tudo o que é periférico é retirado pela pressão da perseguição, o que permanece? A mensagem central: Cristo crucificado e ressuscitado para a salvação dos pecadores. Sem instituições imponentes, programas de grande audiência ou marketing sofisticado, a igreja perseguida retorna ao núcleo de nossa fé, proclamando com Paulo: “Decidi nada saber entre vocês, a não ser Jesus Cristo, e este crucificado” (1 Coríntios 2:2).

Nosso Chamado à Solidariedade: Responder com Ação e Oração

O que então devemos fazer? Como responderemos à realidade da Igreja Perseguida? O autor de Hebreus nos oferece uma diretriz clara: “Lembrem-se dos que estão na prisão, como se aprisionados com eles; dos que estão sendo maltratados, como se vocês mesmos estiveram sendo maltratados” (Hebreus 13:3).

Este é um chamado à empatia imaginativa — a capacidade de nos colocarmos na situação de outros e respondermos como se fosse nossa própria experiência. Concretamente, podemos responder de várias maneiras:

Primeiro, através da oração informada. Não orações genéricas e vagas, mas intercessão específica baseada em conhecimento real. Quão diferente é orar “Senhor, abençoe os cristãos em todo o mundo” e orar “Senhor, fortalece a irmã Mei na prisão chinesa, dê-lhe palavras para testemunhar aos guardas e confortar seus filhos que estão crescendo sem sua presença.” Uma requer apenas sentimentalismo piedoso; a outra exige que nos informemos, que conheçamos as situações reais de nossos irmãos perseguidos.

Segundo, através do apoio prático. Podemos apoiar organizações que trabalham diretamente com a Igreja Perseguida, como as Portas Abertas. Nossos recursos financeiros, estrategicamente direcionados, podem fornecer Bíblias, treinamento, assistência legal e ajuda humanitária a cristãos em situações de extrema vulnerabilidade.

Terceiro, através da defesa pública. Podemos usar nossa voz — nas mídias sociais, em conversas, em correspondências com representantes políticos — para chamar atenção para a realidade da perseguição religiosa. Não devemos subestimar o poder de simplesmente tornar visível o que muitos ignoram.

E finalmente, através da preparação espiritual. Se a perseguição é parte integrante do discipulado cristão, então recomendamos nos preparar para enfrentá-la, mesmo em contextos onde atualmente desfrutamos de liberdade religiosa. Como Charles Spurgeon sabiamente observou: “Um cristão não preparado para sofrer neste mundo não está realmente preparado para viver nele.”

A Igreja Perseguida como Testemunha: O Paradoxo da Força na Fragilidade

A Igreja Perseguida permanece como um dos mais poderosos testemunhos da verdade do evangelho em nosso mundo cético. Em uma cultura que valoriza o conforto acima de tudo, que mede o sucesso pela ausência de dificuldades, o espetáculo de homens e mulheres que desejam sofrer por sua fé é profundamente contraintuitivo — e, portanto, profundamente convincente.

Como Pedro escreveu a perseguição dos cristãos: “não se surpreendam com o fogo que surge entre vocês para os provar, como se algo estranho acontecesse” (1 Pedro 4:12). A perseguição, embora dolorosa, é parte do caminho cristão, um teste refinado que revela a fidelidade de nosso testemunho e a glória do evangelho pelo que sofremos.

Um pastor etíope, após sua igreja ter sido queimada por extremistas, disse algo que não deve ser esquecido: “Eles podem queimar nossos edifícios, mas não podem queimar a igreja que somos.” Esta é a verdade inabalável que a Igreja Perseguida nos lembra: a igreja não é fundamentalmente uma instituição, mas um povo — o povo de Deus, comprado pelo sangue de Cristo, sustentado pelo Espírito Santo, avançando contra as portas do inferno com a certeza da vitória final.

A pergunta que resta para cada um de nós é simples, mas penetrante: Estamos ansiosos para fazer parte desse avanço, mesmo quando ele nos leva através do vale da sombra? Estamos prontos para proclamar, com Paulo, que “os sofrimentos do tempo presente não podem ser comparados com a glória que em nós será revelada” (Romanos 8:18)?

“Tempos de angústia e dor
Em breve passarão;
A Cristo temos de encontrar,
E tudo bem será.”

Perguntas Frequentes sobre a Igreja Perseguida

O que caracteriza um cristão como “perseguido”?
Um cristão é considerado perseguido quando enfrenta hostilidade diretamente ligada à sua identificação com Jesus Cristo. Não é simplesmente enfrentar dificuldades — todas as enfrentamos — mas sofrer especificamente por causa do Nome que carregamos. Como disse nosso Senhor: “Bem-aventurados serão vocês quando, por minha causa, os insultarem, os perseguirem e levantarem todo tipo de calúnia contra vocês” (Mateus 5:11). A perseguição ocorre quando a própria identidade cristã se torna motivo suficiente para a negação de direitos, imposição de prejuízos ou infligência de sofrimento.

A perseguição aos cristãos é mais intensa hoje do que no passado?
Em termos numéricos absolutos, há mais vítimas de sofrimento hoje do que em qualquer outro momento da história — mais de 380 milhões globalmente. A intensidade, entretanto, varia conforme o contexto. O que distingue a perseguição contemporânea é sua dimensão global e a diversidade de formas que assume. Dos algoritmos de redes sociais que suprimem conteúdo cristão nas democracias ocidentais à violência brutal em regiões controladas por extremistas, a perseguição se adapta para operar em qualquer contexto político ou tecnológico.

Como posso ajudar os cristãos perseguidos se vivos em um país com liberdade religiosa?
Comece com oração informada — não genérica, mas específica, baseada no conhecimento real das situações enfrentadas pela Igreja Perseguida. Apoie financeiramente organizações que trabalham diretamente com cristãos perseguidos, como as Portas Abertas. Use sua voz e influência para aumentar a visibilidade dessa realidade em suas redes sociais, conversas e correspondências com representantes políticos. Por fim, simplifique seu próprio estilo de vida para poder direcionar mais recursos para apoiar nossos irmãos e irmãs em necessidade. Lembre-se das palavras de John Wesley: “Ganhe o máximo que puder, economize o máximo que puder, para que possa dar o máximo que puder.”

A perseguição é um sinal de que algo está errado com o testemunho cristão?
Pelo contrário, as Escrituras indicam consistentemente que a perseguição frequentemente resulta de um testemunho cristão fiel e autêntico. Jesus mesmo disse que seus seguidores seriam perseguidos por causa de seu nome (Mateus 5:11-12; João 15:20). Paulo afirmou categoricamente que “todos os que desejam viver piedosamente em Cristo Jesus serão perseguidos” (2 Timóteo 3:12). A ausência de qualquer oposição poderia, na verdade, ser tão preocupante, revelando um cristianismo diluído e confortável que já não representa desafio às estruturas de poder deste mundo. Como Dietrich Bonhoeffer, que morreu por sua fé nas mãos dos nazistas, escreveu: “Quando Cristo chama um homem, convida-o a vir e morrer.”

Somente Cristo! Pr. Reginaldo Soares.

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Meu chamado para o ministério pastoral veio em 1994, sendo encaminhado ao conselho da Igreja Presbiteriana (IPB) em Queimados e em seguida ao Presbitério de Queimados (PRQM). Iniciei meus estudos no ano seguinte, concluindo-os em 1999. A ordenação para o ministério pastoral veio em 25 de junho de 2000, quando assumi pastoreio na IPB Inconfidência (2000-2003) e da IPB Austin (2002-2003). Desde de 2004 tenho servido como pastor na Igreja Presbiteriana em Engenheiro Pedreira (IPEP), onde sigo conduzido esse amado rebanho pela graça de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Sou casado há 22 anos com Alexsandra, minha querida esposa, sou pai de Lisandra e Samantha, preciosas bênçãos de Deus em nossas vidas. Me formei no Seminário Teológico Presbiteriano Ashbel Green Simonton, no Rio de Janeiro, e consegui posteriormente a validação acadêmica pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pela bondade de nosso Senhor, seguimos compartilhando fé, amor e buscando a cada dia crescimento espiritual. Somente Cristo!

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