“E os cuidados deste mundo, e os enganos das riquezas e as ambições de outras coisas, entrando, sufocam a palavra, e fica infrutífera… Outras, porém, são as que foram semeadas em boa terra; estas ouvem a palavra e a recebem, e dão fruto, uma a trinta, outra a sessenta, e outra a cem, por um.” Marcos 4.19-20.
Vivemos como se a salvação dependesse de nossa produtividade, como se nosso valor fosse medido pela quantidade de tarefas completadas. Esta é a escravidão mais moderna e sutil: ser escravo de nossa própria agenda.
Henri Nouwen, The Return of the Prodigal Son, p. 156.
“Como você está?” perguntamos uns aos outros. “Ocupado demais”, respondemos quase automaticamente, como se fosse um distintivo de honra. Mas quando foi que “ocupado demais” se tornou nossa identidade padrão? Quando permitimos que nossas agendas superlotadas definissem nosso valor e nossa espiritualidade? Jesus, na parábola do semeador, identifica um dos maiores assassinos da vida espiritual: não é a perseguição feroz ou a apostasia flagrante, mas algo aparentemente inofensivo – “os cuidados deste mundo”. Estamos ocupados demais para perceber que nossa alma está morrendo de fome em meio à abundância de atividades. A pergunta urgente não é “como posso fazer mais?”, mas “por que preciso estar sempre ocupado demais?” Esta inquietação pode estar revelando feridas mais profundas em nossa alma do que jamais ousamos admitir.
A atividade frenética da vida moderna frequentemente serve como anestesia para as dores mais profundas da alma. Quando nos mantemos constantemente ocupados, evitamos o silêncio necessário para ouvir tanto os sussurros de Deus quanto os gritos de nosso próprio coração ferido.
D. Martyn Lloyd-Jones, Depressão Espiritual, p. 167.
O cristão moderno desenvolveu uma estranha capacidade de estar simultaneamente exausto pelo excesso de atividades religiosas e faminto pela ausência de verdadeira comunhão com Deus. Confundimos movimento com progresso, ruído com adoração, ocupação com obediência.
A. W. Tozer, A Busca de Deus, p. 134.
A parábola do semeador em Marcos 4 revela uma progressão assombrosamente precisa da morte espiritual. Jesus coloca “os cuidados deste mundo” na primeira categoria de rejeição ao evangelho, a mais enganosa. Esta semente penetra profundamente, brota com vigor, cresce com aparente saúde, mas é lentamente sufocada por espinhos que crescem imperceptivelmente ao redor dela. Estar ocupado demais é exatamente assim: um assassino silencioso da vida espiritual.
A velocidade mata a contemplação. Quando vivemos sempre acelerados, perdemos a capacidade de ver profundamente, de sentir verdadeiramente, de pensar claramente. A pressa é inimiga da sabedoria.
Carl Jung, Modern Man in Search of a Soul, p. 134.
O primeiro espinho que Jesus identifica são “os cuidados deste mundo” – as preocupações legítimas e necessárias da vida que se multiplicam além de nossa capacidade de gerenciá-las. Não é o carro quebrado que mata nossa espiritualidade, mas a ansiedade crônica sobre o carro quebrado, somada à preocupação com a conta atrasada, mais o projeto de trabalho pendente, mais o relacionamento tenso, mais a saúde fragilizada. Cada preocupação isolada é manejável; a soma total é sufocante.
Richard Swenson cunhou o conceito de “margem” – o espaço entre nosso fardo e nossos limites. A vida cristã saudável requer esta margem para absorver o inesperado, processar o que vivemos, e cultivar intimidade com Deus. Mas desenvolvemos uma “margem reversa”: planejamos mais do que é humanamente possível, esperando que tudo corra perfeitamente, e depois nos surpreendemos quando a vida real interfere em nossos planos impossíveis.
A ansiedade é a resposta natural de uma criatura finita tentando carregar responsabilidades infinitas. O evangelho nos liberta não apenas da culpa do pecado, mas da tirania de nos considerarmos indispensáveis para os planos de Deus.
J. I. Packer, Knowing God, p. 203.
O segundo espinho é “o engano das riquezas e as ambições de outras coisas”. Jesus não condena as coisas em si, mas nossa relação obsessiva com elas. Cada aquisição traz consigo a responsabilidade de manutenção, atualização, proteção. Compramos uma casa e precisamos mobiliá-la, decorá-la, mantê-la, segurá-la. Adquirimos um carro e precisamos lavá-lo, consertá-lo, atualizá-lo. A tecnologia que prometia nos dar mais tempo na verdade nos escravizou com atualizações constantes, notificações infinitas, e a pressão de estar sempre conectado.
Estar ocupado demais tornou-se nossa forma de validação existencial. Como observa Tim Kreider, “ocupação extrema serve como uma espécie de segurança existencial, um muro contra o vazio”. Se estamos sempre correndo, sempre com pressa, sempre indispensáveis, então nossa vida deve ter significado, certo? Errado. A ocupação frenética pode ser precisamente o oposto: uma fuga desesperada do vazio que não temos coragem de enfrentar.
A teologia reformada nos ensina que fomos criados para o descanso tanto quanto para o trabalho. O Sabbath não é apenas um dia da semana, mas um princípio de vida: reconhecer que somos criaturas finitas servindo a um Deus infinito. Quando vivemos ocupados demais, estamos vivendo como se fôssemos deuses – indispensáveis, onipresentes, responsáveis por tudo. Esta é uma forma sutil de idolatria que destrói tanto nossa saúde quanto nossa espiritualidade.
A verdadeira produtividade não se mede pela quantidade de atividades realizadas, mas pela fidelidade em cumprir aquilo para o qual Deus nos chamou especificamente. Muitas vezes, fazer menos é fazer mais, quando fazemos as coisas certas.
Charles Spurgeon, Morning and Evening, p. 167.
A tensão permanece: como viver produtivamente sem estar ocupado demais? A resposta não está em técnicas de gerenciamento de tempo, mas em uma transformação fundamental de nossa identidade. Cristo nos liberta da necessidade de nos provarmos através do ativismo. Ele já nos provou seu amor na cruz. Nossa identidade não depende de nossa produtividade; nossa segurança não vem de nossa indispensabilidade.
O evangelho revela que Deus governa o universo perfeitamente sem nossa ajuda frenética. Ele faz o sol nascer sem nosso cronômetro, faz as estações mudarem sem nossa agenda, sustenta bilhões de pessoas sem nossa supervisão constante. Quando compreendemos isto, encontramos liberdade para trabalhar com propósito em vez de compulsão, para descansar sem culpa, para dizer “não” sem medo.
Jesus viveu a vida mais produtiva da história humana em apenas 33 anos, mas nunca o vemos correndo, nunca o vemos estressado, nunca o vemos ocupado demais para as pessoas. Ele tinha perfeita clareza sobre sua missão e perfeita confiança no Pai. Esta mesma clareza e confiança estão disponíveis para nós através do Espírito Santo. Podemos viver com o ritmo de Jesus: intencional mas não frenético, produtivo mas não compulsivo, engajado mas não escravizado.
O cristão maduro não é aquele que faz mais coisas religiosas, mas aquele que faz as coisas certas pelos motivos certos, no tempo certo, com o coração certo. Qualidade supera quantidade no Reino de Deus.
Dallas Willard, The Spirit of the Disciplines, p. 178.
O homem sábio não é aquele que tem todas as respostas, mas aquele que sabe quais perguntas vale a pena fazer. Em uma era de informação infinita, a sabedoria está em saber o que ignorar.
Nassim Nicholas Taleb, The Black Swan, p. 234.
Transformar uma vida ocupada demais em uma vida equilibrada requer mudanças práticas e espirituais. Primeiro, “Investigue sua agenda” – avalie suas motivações de maneira mais profunda. Por que você diz sim para tantas coisas? Está tentando provar seu valor? Tem medo de decepcionar os outros? Busca validação através da indispensabilidade? Identifique estas raízes para tratá-las espiritualmente através da oração e do estudo bíblico.
Segundo, implemente o princípio da margem conscientemente. Ao planejar sua semana, agenda apenas 70% de sua capacidade, deixando 30% de margem para o inesperado, para relacionamentos e para descanso. Isto não é preguiça; é sabedoria. Deus mesmo descansou no sétimo dia, estabelecendo um padrão para toda a criação.
Terceiro, desenvolva a arte do “não”. Antes de aceitar qualquer compromisso, pergunte: “Isto está alinhado com meu chamado principal? Tenho capacidade real para fazer isto bem? Aceitar isto me impedirá de cumprir responsabilidades mais importantes?” Lembre-se: cada “sim” é um “não” para outra coisa. Seja intencional sobre suas escolhas.
Quarto, estabeleça ritmos de Sabbath regular – momentos semanais de descanso consciente, desconexão de trabalho, e reconexão com Deus, família e natureza. O Sabbath não é legalismo; é medicina para a alma ocupada demais. É reconhecer que você é humano, não Deus.
Quinto, cultive relacionamentos de prestação de contas. Tenha pessoas em sua vida que podem identificar padrões destrutivos e te desafiar amorosamente. A ocupação excessiva raramente é vista pela própria pessoa; precisamos de espelhos externos.
Pai de misericórdia, confesso que muitas vezes vivo como se o mundo dependesse de mim. Perdoa minha arrogância disfarçada de dedicação, minha ansiedade mascarada de responsabilidade. Reconheço que minha tendência a estar ocupado demais revela falta de confiança em Tua soberania e insegurança sobre minha identidade em Cristo. Ensina-me o ritmo de Jesus – produtivo sem pressa, engajado sem escravidão, responsável sem ansiedade. Concede-me sabedoria para distinguir entre o importante e o urgente, entre meu chamado e as expectativas alheias. Que eu encontre minha identidade não no que faço, mas em quem sou em Ti. Liberta-me da necessidade de me provar através do ativismo. Lembra-me diariamente que meu valor foi estabelecido na cruz, não na minha produtividade. Que eu possa trabalhar como expressão de amor, não como busca de validação. Restaura em mim a capacidade de descansar sem culpa, de dizer “não” sem medo, de estar presente nos momentos em vez de sempre correndo para o próximo compromisso. Que minha vida reflita a paz de Cristo, não a ansiedade do mundo. Usa minhas limitações para me ensinar dependência, meus fracassos para me ensinar graça, meus momentos de quietude para me ensinar intimidade Contigo. Que eu possa ser frutífero na medida certa, no tempo certo, para Tua glória. Em nome de Jesus, amém.
Somente Cristo! Pr. Reginaldo Soares.
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Meu chamado para o ministério pastoral veio em 1994, sendo encaminhado ao conselho da Igreja Presbiteriana (IPB) em Queimados e em seguida ao Presbitério de Queimados (PRQM). Iniciei meus estudos no ano seguinte, concluindo-os em 1999. A ordenação para o ministério pastoral veio em 25 de junho de 2000, quando assumi pastoreio na IPB Inconfidência (2000-2003) e da IPB Austin (2002-2003). Desde de 2004 tenho servido como pastor na Igreja Presbiteriana em Engenheiro Pedreira (IPEP), onde sigo conduzido esse amado rebanho pela graça de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Sou casado há 22 anos com Alexsandra, minha querida esposa, sou pai de Lisandra e Samantha, preciosas bênçãos de Deus em nossas vidas. Me formei no Seminário Teológico Presbiteriano Ashbel Green Simonton, no Rio de Janeiro, e consegui posteriormente a validação acadêmica pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pela bondade de nosso Senhor, seguimos compartilhando fé, amor e buscando a cada dia crescimento espiritual. Somente Cristo!